Em 2017, "crianças foram atacadas em casa, na escola e até no recreio"

Sequestros, casamentos forçados, violações e escravatura são apenas algumas das ameaças aos mais novos para as quais a agência da ONU para a infância chama a atenção no seu mais recente documento.
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Razan e Majed têm ambos dez anos e na imagem da UNICEF, estão ambos a deslizar por um escorrega num parque de Ghouta. Este subúrbio de Damasco foi nos últimos dias notícia depois de o governo sírio ter acedido ao pedido da ONU para um corredor humanitário e permitir a saída dos doentes presos no cerco à localidade. "Desde que a violência começou que a nossa mãe nos traz aqui todos os dias para brincar e nos divertirmos até ficar escuro e irmos para casa. A mãe diz que estamos fartos de estar em casa.

Os irmãos Razan e Majed são apenas duas das crianças sírias que não se lembram da vida antes da guerra, iniciada em março de 2011. E as suas histórias são uma das que ilustra o último alerta da UNICEF, lançado ontem. Violações, casamentos forçados, sequestros e escravatura: são muitas as ameaças que neste último ano pesaram sobre as crianças e para as quais a agência da ONU para a infância chama a atenção num documento em que o diretor do programas de emergência, Manuel Fontaine, sublinha que em 2017, "as crianças foram atacadas e alvo de violência brutal nas suas casas, nas escolas e até nos recreios".

Da Síria ao Sudão do Sul, da Birmânia ao Iémen, passando pela Nigéria ou Ucrânia são muitos os conflitos que encontram nos mais novos vítimas inocentes ou mão de obra para encher as fileiras de grupos armados. Uma violência contra as crianças que, segundo a UNICEF, atingiu "uma escala chocante", com as partes envolvidas nestas guerras a "ignorar de forma ostensiva as leis internacionais que protegem os mais vulneráveis".

E se muitas crianças são usadas como escudos humanos, colocadas na linha da frente, muitas vezes na esperança de protegerem alvos estratégicos, outras acabam recrutadas por grupos extremistas. Muitos milhões de menores são ainda vítimas das consequências indiretas destes conflitos, sofrendo de desnutrição, doenças e traumas que os irão acompanhar o resto do vida. Sem acesso a comida, água e saneamento básico, o Iémen, por exemplo, vive hoje um dos piores surtos de cólera de sempre, com a Organização Mundial de Saúde a estimar que mais de 600 mil crianças possam vir a ser afetadas.

Os números falam por si. Em mil dias de uma guerra que além dos atores locais envolve as duas potências do Médio Oriente - o Irão xiita e a Arábia Saudita sunita -, já morreram ou ficaram feridas no Iémen mais de cinco mil crianças. Onze milhões precisam de assistência humanitária e 1,8 milhões sofrem de desnutrição.

Num ano em que Síria e Iraque assistiram à quase derrota no terreno do Estado Islâmico - que desde 2015 controlava um vasto território em ambos os países - as crianças não escaparam à violência também aqui. Com a UNICEF a destacar o recurso a menores como escudos humanos e os que vivem em cidades cercadas, à mercê de atiradores furtivos ou dos bombardeamentos.

África é o continente com mais destaque no documento. No Sudão do Sul, o regresso da violência entre forças do governo de Salva Kiir, de etnia Dinka, e rebeldes fiéis ao antigo vice-presidente Riek Machar, um Nuer, e o colapso da economia levou à fome em várias regiões do país que se tornou independente do Sudão em 2011. Segundo a UNICEF, mais de 19 mil menores foram recrutados para o exército ou grupos armados e mais de 2300 ficaram feridos ou morreram desde 2013.

A fome também foi declarada na região de Kasai, na República Democrática do Congo, onde a recusa do governo em reconhecer a autoridade de um chefe tradicional gerou um conflito que obrigou mais de 850 mil crianças a sair das suas casas - 200 centros de acolhimento e 400 escolas foram atacadas no último ano.

Já na Nigéria e Camarões, o grupo jihadista Boko Haram usou 135 crianças em ataques suicidas.

Na Ásia, a violência contra o rohingya, que desde agosto forçou mais de 600 mil membros desta minoria muçulmana a fugir da Birmânia para o vizinha Bangladesh, também afeta as crianças.

Por fim a Europa também não escapa às críticas, com a UNICEF a destacar as 200 mil crianças que vivem sob ameaça da minas e outros engenhos explosivos na zona de conflito entre o exército e os separatistas pró-russos do Leste.

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