Diplomata dos EUA sai de comissão sobre rohingya com críticas a Aung San Suu Kyi
"Parece que o conselho se vai transformar numa equipa de animadores do governo", disse o também ex-governador do Novo México
O diplomata norte-americano Bill Richardson demitiu-se da comissão de assessores criada pelo Governo de Myanmar para abordar a crise dos refugiados rohingya, com duras críticas à líder de facto do país, Aung San Suu Kyi.
O painel foi criado para aplicar as recomendações da comissão liderada pelo antigo secretário-geral das Nações Unidas Kofi Annan para responder à violência no estado de Rakhine, no oeste de Myanmar (antiga Birmânia), e à discriminação que atinge os rohingya, minoria muçulmana num país essencialmente budista.
As recomendações foram apresentadas um dia antes do assalto armado de um grupo rebelde rohingya e da resposta do exército birmanês, que levou mais de 700 mil pessoas desta minoria a procurar refúgio no Bangladesh, num ato que as Nações Unidas classificaram como uma "limpeza étnica".
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O antigo embaixador dos Estados Unidos da América na ONU, velho amigo de Suu Kyi desde que ela era uma prisioneira política da antiga junta militar, mostrou-se "extremamente dececionado" com a atitude da Nobel da Paz na comissão, após uma primeira reunião na segunda-feira.
"Parece que o conselho se vai transformar numa equipa de animadores do governo, em vez de propor as políticas genuínas de mudança desesperadamente necessárias para garantir a paz, a estabilidade e o desenvolvimento em Rakhine", disse Richardson, num comunicado.
O também ex-governador do Novo México afirmou que as reuniões se focaram em criticar "com vigor" o papel da imprensa, das Nações Unidas e de grupos de defesa dos direitos humanos, que denunciaram os múltiplos abusos cometidos pelo exército birmanês.
Richardson condenou ainda a falta de sinceridade do comité de conselheiros perante a falta de reconhecimento da cidadania aos rohingya e a "resposta furiosa" de Suu Kyi ao ser confrontada com o caso dos jornalistas da agência Reuters detidos enquanto investigavam os atos do exército em Rakhine.
"Em boa consciência, não posso servir neste papel", disse o diplomata, ao comunicar a sua demissão, "com grande deceção".
"Se bem que é importante reconhecer o significativo poder de que ainda goza o exército e que este é o principal responsável, (...) a ausência de liderança moral de Suu Kyi neste assunto crucial é de grande preocupação", considerou.
O diplomata, um dos cinco estrangeiros no comité de dez membros, também criticou a falta de compromisso do presidente deste órgão, o tailandês Surakiart Sathirathai, e o seu "desejo geral de evitar assuntos que o façam entrar em confronto com os seus hóspedes".
O Bangladesh adiou o repatriamento, cujo início estava previsto para esta semana, dos milhares de refugiados rohingya que fugiram da campanha de repressão lançada pelas forças birmanesas.
O exército birmanês, que manteve amplos poderes após ter dado lugar a um Governo civil em 2011, negou ter cometido abusos nessa ofensiva.
Segundo a organização não-governamental Médicos sem Fronteiras, a intervenção das forças birmanesas causou a morte de pelo menos 6.700 membros desta minoria.
A Birmânia não reconhece a cidadania aos rohingya, que considera imigrantes bengalis, e sujeita-os a diferentes tipos de discriminação, incluindo restrições à liberdade de movimentos.