Deputados conservadores começam a rebelar-se contra Boris Johnson

Parlamento britânico faz esta terça-feira a sua rentrée e deputados preparam-se para apresentar e votar moção de emergência para recuperar o controlo da agenda parlamentar e, dessa forma, aprovar legislação que impeça o governo britânico de levar o Reino Unido para um No Deal Brexit a 31 de outubro. Boris Johnson vai fazer uma nova comunicação ao país às 18.00

Hoje é o dia do grande embate entre o governo de Boris Johnson e a câmara dos Comuns por causa do Brexit. Antes disso, o primeiro-ministro forçou a Rainha Isabel II a suspender o Parlamento durante cinco semanas, gerando fúria nas ruas, fez um discurso pedindo tempo para renegociar o acordo com os europeus e, em paralelo, ameaçou com eleições antecipadas, bem como excluir das listas a essas mesmas eleições os deputados do Partido Conservador que esta terça-feira alinhem com a oposição na aprovação de qualquer moção de emergência para recuperar o controlo da agenda parlamentar.

O objetivo é conseguir fazer passar legislação que impeça um No Deal Brexit antes de o Parlamento ser suspenso. Isso poderia passar por forçar o governo do Reino Unido a pedir à UE27 uma nova extensão do Artigo 50.º do Tratado de Lisboa (que seria a terceira). Face a isto, Boris mantém o seu mantra, de que o Brexit acontecerá a 31 de outubro, com ou sem acordo. E de que mesmo que haja uma moção de censura contra si - e eleições antecipadas - não pedirá à UE27 um novo adiamento do Brexit.

Antes de os deputados britânicos fazerem a sua rentrée, esta tarde, vários conservadores começaram já a adiantar-se a Boris, anunciando que não serão candidatos pelo partido nas próximas eleições e que votarão ao lado da oposição esta terça-feira. Justine Greening, deputada conservadora eleita por Putney, na Grande Londres, foi a primeira a comunicar esta manhã que não tenciona ser mais candidata pelo partido uma vez que este mais parece o Partido do Brexit de Nigel Farage. "Vou enviar uma carta ao primeiro-ministro dizendo que não me apresento às próximas eleições como candidata dos Conservadores. As minhas preocupações são que o Partido Conservador agora se transforme no Partido do Brexit", declarou a deputada, citada pelo programa Today da BBC Radio 4.

A Justine Greening, seguiu-se Keith Simpson, conservador eleito por Broadland, em Norfolk. No Twitter, o deputado confirmou a decisão de não ser mais candidato pelos Tories. "Falei à rádio Norfolk e disse que não procurarei a reeleição pela circunscrição de Broadland. Decidi isto há meses mas agora sinto-me como o rapaz dos barcos salva vidas no Titanic!". Alistair Burt, deputado conservador eleito por Bury, também indicou que irá votar ao lado da oposição e que não será candidato pelo Partido Conservador nas próximas eleições.

Também através dessa rede social, Sam Gyimah, deputado conservador eleito por East Surrey, anunciou que esta terça-feira vai votar contra o governo da sua cor partidária. "Vou votar esta noite contra o governo porque é a coisa mais acertada a fazer", escreveu num tweet.

Esta tarde, enquanto Boris Johnson discursava sobre a cimeira do G7, o deputado conservador Phillip Lee, levantou-se da bancada do Partido Conservador e foi sentar-se na do Partido Liberal-Democrata. Era membro do partido desde 1992. Jo Swinson, líder dos liberais-democratas, congratulou-se de imediato com a deserção de Lee. "Estou muito satisfeita por receber Phillip nos liberais-democratas neste momento", declarou Swinson.

Especulando sobre o número de conservadores que esta tarde se poderão rebelar contra Boris, o há especialistas a recordar a carta enviada, em agosto, por 21 rebeldes dos Tories ao chefe do governo do Reino Unido, manifestando-se contra a retirada do país da União Europeia sem um acordo enquadrá-la.

Alex Wickham, do Buzzfeed, fala em 14 rebeldes confirmados, oito potenciais, que ainda não decidiram para que lado vão pender. A maioria de Boris é, neste momento, de apenas um deputado, mesmo assim contando já com os 10 do Partido Unionista Democrático da Irlanda do Norte que apoia os Tories.

Citado pela CNN, Dominic Grieve disse esta manhã que há "número suficiente" de deputados, conservadores e da oposição, para fazer avançar legislação destinada a impedir um No Deal Brexit. À Sky News, este conservador disse acreditar que o primeiro-ministro acabará - num cenário de eleições antecipadas - por pedir que dois terços dos deputados votem a favor de um novo escrutínio, à luz das regras do FIxed-term Parliaments Act.

Philip Hammond, ex-ministro das Finanças de Theresa May, a antecessora de Boris no N.º 10 de Downing Street, afirmou que o chefe do governo britânico está errado quando afirma que está a fazer progressos nas negociações com a UE sobre o Brexit. "Não há qualquer progresso" porque o "governo do Reino Unido não apresentou quaisquer propostas". Recorde-se que a UE deu - ainda que de forma informal - 30 dias para o governo de Boris Johnson apresentar alternativas credíveis ao backstop - controverso mecanismo de salvaguarda destinado a evitar o regresso de uma fronteira física entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda depois de o Reino Unido sair da UE.

Citado pelo Telegraph, o procurador-geral, Geoffrey Cox, avisou que acreditar que a UE vai aceitar remover o backstop "é uma fantasia completa". Citado pelo Independent, a porta-voz da Comissão Europeia confirmou que, até agora, não foram recebidos propostas concretas da parte do governo do Reino Unido. "Não posso dar conta de que algumas propostas concretas tenham sido feitas, pelo menos que tenhamos visto".

Sobre o cenário de eleições antecipadas, o líder parlamentar do Partido Nacionalista Escocês (SNP), Ian Blackford, declarou à BBC Radio na Escócia: "Estamos frente a este assunto e o povo da Escócia está a expressar nas sondagens que quer um [segundo] referendo sobre a independência. Se houver eleições, essa será uma fantástica oportunidade para as pessoas da Escócia enviarem uma mensagem clara a Westminster de que devem ser capazes de determinar o seu próprio futuro", declarou o deputado escocês.

Logo na semana passada, Ruth Davidson, líder do Partido Conservador na Escócia, demitiu-se do cargo, em rota de colisão com Boris Johnson depois de este ter forçado a Rainha a suspender o Parlamento. É que, apesar de o Brexit ter ganho no referendo a nível nacional, na Escócia a grande maioria dos eleitores votou pela permanência na UE. E, dadas as especificidades do sistema eleitoral e político britânico, muitas vezes o interesse e a vontade dos eleitores locais fala mais alto do que os interesses e as vontades do partido nacional.

A suspensão do Parlamento, segundo o decreto da monarca, deve entrar em vigor entre 9 e 12 de setembro e até dia 14 de outubro. Nesse dia, Isabel II fará o tradicional discurso da Rainha após o começo de uma nova legislatura. Porém, 14 de outubro é também a data que está a ser avançada para novas eleições. Por fontes próximas de Boris Johnson. Um porta-voz de Downing Street confirmou que será essa a data para eleições antecipadas, que no entender do primeiro-ministro têm que se realizar antes do Conselho Europeu, previsto para 17 de outubro. Os media, porém, questionam-se se a data correta não seria mesmo 17 de outubro, uma vez que o Reino Unido vota sempre às quintas-feiras. Mas estes são tempos excecionais.

Jeremy Corbyn, líder do Labour, maior partido da oposição, concorda com eleições antecipadas a 14 de outubro, avança o jornalista Tom Newton do The Sun, citando fontes próximas do dirigente trabalhista. Porém, referem as mesmas fontes, Corbyn quer que essa opção - se for submetida a votação - venha acompanhada de um mecanismo para evitar uma nova extensão do Artigo 50.º. E, por conseguinte, travar um No Deal Brexit a 31 de outubro.

No passado, Dominic Cummings, conselheiro especial do primeiro-ministro e ex-diretor da campanha do Leave no referendo do Brexit em 2016, fez briefings com membros do Executivo a avisar que eleições antecipadas não evitam propriamente um No Deal Brexit. "[Os deputados] não compreendem que, se houver um voto sobre uma moção de censura em setembro e em outubro, serão convocadas eleições para depois do dia 31 de outubro e sairemos de qualquer forma", disse Cummings, nesses briefings, segundo fontes citadas, em agosto, pelo Telegraph.

Perante tudo isto - e já depois de ter sido submetida a moção de emergência pelos deputados conservadores rebeldes e da oposiação - Downing Street fez saber que o governo está contra essa proposta e que Boris Johnson fará hoje novamente uma comunicação ao país às 18.00. A moção, que será provavelmente aceite pelo Speaker da câmara dos Comuns, John Bercow, poderá ser debatida pelos deputados durante várias horas, não mais do que as 22.00, segundo se lê na mesma.

Recorde-se que Bercow acusou Boris Johnson de golpe constitucional por causa da suspensão do Parlamento. Documentos apresentados num tribunal escocês, esta terça-feira - no âmbito das ações legais destinadas a travar essa mesma suspensão - revelaram que o primeiro-ministro concordou com a suspensão do Parlamento em meados de agosto, apesar de ter desmentido que essa opção estivesse nos seus planos.

Como lembrou na segunda-feira Robert Paterson, da ITV News, se os deputados votarem esta terça-feira por um novo adiamento do Brexit, até 31 de janeiro de 2020 (como consta agora nesta moção), na quarta-feira haverá um voto sobre eleições antecipadas. Deputados vão embora, não há os 14 dias [previstos pelo Fixed-term Parliament Act para se tentar encontrar um novo governo], nem legislação sobre a extensão. Eleições a 14 de outubro."

Por outro lado, sugeriu esta terça-feira a líder parlamentar do Plaid Cymru (partido do País de Gales), Liz Saville Roberts, os deputados poderiam recusar-se a votar qualquer moção do governo sobre eleições antecipadas antes de verem aprovada a moção destinada a impedir um No Deal Brexit a 31 de outubro. Questionada sobre se o líder do Labour, com quem os outros partidos estiveram reunidos hoje de manhã, partilhava do mesmo entendimento, Roberts respondeu: "Concordámos".

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