Cientista russo acusado de traição por passar segredos de Estado à China
Valery Mitko, 78 anos, é especialista na região do Ártico e está sob prisão domiciliária desde fevereiro. Autoridades russas dizem que passou segredos de Estado para a China. Cientista nega.
Um cientista especializado na região do Ártico está a ser investigado pela Rússia pelo crime de traição, segundo adiantou o seu advogado. Os investigadores russos acusam o cientista de entregar segredos de estado à China, o que o investigador nega. É mais um episódio da rivalidade entre Rússia e China, apesar dos vários projetos em comum que estabeleceram na área da energia.
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Valery Mitko, 78 anos e presidente da Academia Ártica de Ciências de São Petersburgo, está em prisão domiciliária desde a acusação em fevereiro, disse o seu advogado Ivan Pavlov, embora as notícias sobre a sua detenção tenham surgido apenas recentemente, ao que tudo indicia quando a família as tornou públicas para tentar chamar a atenção sobre o caso.
Mitko é acusado pelo serviço de segurança FSB de passar informações classificadas para Pequim durante frequentes viagens à China, onde ministra palestras, disse Pavlov. O advogado acrescentou que Mitko foi condenado a permanecer em prisão domiciliária até outubro.
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O cientista pode ser condenado a uma pena até 20 anos de prisão se for considerado culpado de traição. Mas Mitko insiste que é inocente.
Um porta-voz do tribunal de Dzerzhinsky em São Petersburgo confirmou à AFP que Mitko está em prisão domiciliária, mas recusou fornecer pormenores do caso, alegando que é classificado.
O advogado Pavlov disse que o cliente só viajou para a China com documentos relacionados com as suas pesquisas e palestras.
Os investigadores não especificaram quais as informações que acreditam que Mitko passou para a China, disse ainda o advogado. Fontes disseram às agências de notícias russas TASS e Interfax que o cientista transmitiu informações sobre a deteção de submarinos.
Competição pelo Ártico
Observadores das relações Rússia-China acreditam que as alegações de espionagem contra um investigador do Ártico expõem uma crescente competição entre os dois países pela região. Moscovo e Pequim construíram uma parceria estratégica no Ártico e enfrentaram crescentes tensões com o Ocidente, mas a Rússia tem sido cuidadosa em qualquer cooperação militar nessa área, disse Alexander Gabuev, representante da Rússia no Programa Ásia-Pacífico do Carnegie Moscow Center, citado pela CNN.
"A China mostra que tem ambição militar pela forma como os seus serviços de inteligência estão a investigar estas coisas. Submarinos operam em águas neutras e provavelmente estamos a assistir a uma nova frente do desenvolvimento da marinha global chinesa. E os submarinos que podem operar no Ártico fazem parte disso", disse Gabuev.
Não é um caso inédito o de Mitko. Vários académicos russos foram acusados ou condenados por transmitir segredos de estado a governos estrangeiros nos últimos anos. Em 2018, um tribunal de Moscovo acusou Viktor Kudryavtsev, engenheiro aeroespacial, de traição por supostamente partilhar um relatório que continha informações sobre armas hipersónicas russas com um instituto belga após um programa conjunto de investigação, informou a agência estatal TASS.
Kudryavtsev, que está com quase 70 anos, passou mais de um ano num centro de detenção, mas foi transferido para prisão domiciliária devido a problemas de saúde. O seu caso ainda está em investigação pré-julgamento. Dois outros funcionários do mesmo instituto em que Kudryavtsev trabalhava foram detidos sob acusações de traição, segundo a TASS.
Outro investigador espacial, Vladimir Lapygin, de 79 anos, foi libertado da prisão na semana passada, em liberdade condicional, após uma condenação em 2016 por transmitir detalhes técnicos sobre uma nave espacial russa para a China.
Todos os cientistas negaram irregularidades e dizem que as informações de que são acusados de partilhar não estavam classificadas.
Pavlov, advogado de Mitko, sugere que os casos são produtos da paranoia dentro dos serviços secretos russos. As estatísticas dos tribunais mostram que o número total de casos relacionados com a segurança do Estado disparou após a anexação da Crimeia em 2014, que gerou "sentimentos militaristas" na aplicação da lei, diz.
De acordo com os dados publicados pelo Supremo Tribunal da Rússia, de 2009 a 2013, um total de 25 pessoas foram condenadas por acusações de traição pelo estado, e só em 2014 houve 15 condenações. Entre 2014 e 2019, 51 pessoas foram condenadas por traição estatal.