Bolsonaro vai ser alvo de impeachment? Perguntas e respostas sobre a crise política no Brasil
Sergio Moro saiu do governo ao ataque. Bolsonaro defendeu-se. O ex-ministro contra-atacou com provas. O duelo passa agora para o Supremo Tribunal Federal, para o Congresso e, quem sabe, para as urnas
Nos últimos dois dias, o Brasil bateu recorde de mortes por coronavírus mas a prioridade de Jair Bolsonaro durante essas 48 horas foi trocar o diretor-geral da polícia federal. Sergio Moro demitiu-se em sequência do cargo de ministro da justiça e da segurança nacional com fortes acusações ao presidente da República.
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Por que Moro saiu do governo?
Porque Bolsonaro pressionou para trocar o diretor-geral da polícia federal Maurício Valeixo, homem de confiança do agora ex-ministro.
Porque o presidente lhe admitiu que queria interferir politicamente em investigações.
Porque Bolsonaro não cumpriu a promessa, feita publicamente na altura do convite para o cargo, de lhe dar carta-branca para escolher equipa.
E porque, disse Moro, se sentia a contradizer o seu compromisso de firmeza no combate à corrupção.
O que disse Bolsonaro sobre as acusações?
O presidente da República disse que Moro só se preocupa "com o próprio ego".
Que a prerrogativa de escolher pessoas para o governo é dele, por lei.
Negou ingerências em investigações onde ele, os filhos ou outros aliados estivessem envolvidos mas, ao defender-se, acabou dando exemplos de iniciativas suas no sentido de interferir em processos em curso, como no caso da execução de Marielle Franco, entre outros.
E acusou Moro de aceitar a saída de Valeixo, desde que lhe fosse garantida uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF).
Quem diz a verdade?
Aparentemente Moro: após os discursos de ambos, mostrou ao Jornal Nacional, da TV Globo, o noticiário de maior audiência e influência do Brasil, uma troca de mensagens comprometedora para Bolsonaro.
Nela, o presidente coloca o link de uma notícia a dizer que 12 bolsonaristas estavam sob suspeita da polícia num caso de investigação de uma rede de fake news supostamente liderada pelo filho e acrescenta a frase "mais uma razão para a troca".
Noutra mensagem, desta vez de Carla Zambelli, a deputada ligada a Bolsonaro pede para Moro aceitar trocar Valeixo por Alexandre Ramagem e sugere trabalhar no sentido de tentar colocar o ex-ministro no STF. O ex-ministro responde "não estou à venda".
Quem é Alexandre Ramagem, o escolhido de Bolsonaro para dirigir a polícia?
É o atual diretor-geral da Agência de Inteligência do Brasil.
Foi segurança na campanha de Jair Bolsonaro e tem relação íntima com os seus filhos.
O senador Flávio Bolsonaro, primogénito do presidente, é investigado pelas práticas de corrupção, associação criminosa e lavagem de dinheiro num caso de desvio de verba público enquanto vereador do Rio.
O vereador Carlos Bolsonaro, segundo filho do presidente, é considerado o líder do oficioso "gabinete do ódio", com sede no Palácio do Planalto, a quem é atribuída a disseminação de notícias falsas investigadas no caso das fake news.
Como fica o governo com a saída de Moro?
As próximas sondagens serão determinantes para medir os estragos mas ao que tudo indica com a aprovação mais baixa de sempre desde a posse.
"Se Moro sai, não há governo", chegou a dizer o principal conselheiro do presidente, general Augusto Heleno, em setembro, a propósito de outra crise entre os dois.
Moro era o ministro mais popular e a garantia, segundo a maioria dos apoiantes do governo, de que Bolsonaro estava comprometido com o combate à corrupção.
Para o seu lugar, entretanto, é especulado o nome de Jorge Oliveira, amigo pessoal do clã Bolsonaro e já no executivo como ministro da presidência.
Como fica Moro com a saída do governo?
Não pode voltar à carreira de juiz mas pode advogar.
Politicamente, é considerado em muitos setores o mais forte candidato de direita às eleições de 2022.
Em que é que Bolsonaro queria interferir?
O próprio admitiu que tentou interferir nas investigações da execução de Marielle Franco, na qual o seu nome é citado.
Quis também saber mais sobre as motivações de Adélio Bispo, o autor da facada que sofreu um mês antes das eleições.
Mas, segundo a maioria dos observadores, os casos que mais o preocupam são o dos crimes cometidos pelo filho mais velho, Flávio, em andamento nos tribunais; o da disseminação de fake news investigada por uma Comissão Parlamentar de Inquérito no Congresso Nacional; e o da autoria e financiamento das manifestações ilegais contra a democracia a que compareceu - e em que discursou - no domingo dia 19.
A atuação de Bolsonaro, descrita por Moro, pode gerar impeachment?
Procuradores de justiça ouvidos pelo jornal O Estado de S. Paulo falam em sete crimes: de responsabilidade, de falsidade ideológica, de prevaricação, de coação, de corrupção, de advocacia administrativa e de obstrução de justiça.
E "crimes de responsabilidade", segundo a lei, "são passíveis de perda do cargo, com inabilitação, até cinco anos, para o exercício de qualquer função pública".
A procuradoria-geral da República, entretanto, já solicitou ao STF a investigação das declarações de Moro. O pedido está nas mãos de Celso de Mello, o decano da corte, e um dos membros mais críticos de Bolsonaro.
E Bolsonaro corre, de facto, risco de impeachment?
Para haver impeachment, além dos crimes que o sustentem, é necessária vontade política. E a vontade política deriva de crise económica forte - o Brasil já a atravessava sob Bolsonaro mas ela tenderá a agravar-se exponencialmente com a pandemia de coronavírus - e clamor popular - o presidente, que já vinha sido alvo de sonoros panelaços, voltou a ouvi-los, agora com mais veemência, com a saída de Moro.
Ouvidos pela imprensa, os líderes parlamentares dos principais partidos, porém, torcem o nariz a um impeachment agora, apesar da tal crise económica e da perda abrupta de popularidade que a demissão de Moro deve acarretar.
Primeiro, por causa da pandemia. Depois, porque muitos deputados e senadores, que são quem vota pela destituição ou não do presidente, foram investigados por Moro e por isso estão, no mínimo, equidistantes entre o ex-ministro da justiça e o atual presidente.
Antigos presidentes, como Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso, vêm apelando a que Bolsonaro renuncie e poupe ao Brasil o drama de um processo dessa natureza.
Mas já há pedidos?
Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados e um dos alvos preferidos de Bolsonaro e dos seus apoiantes nas redes sociais e em manifestações, já tinha dezenas pedidos de impeachment na sua mesa.
Mas a pilha cresceu nas últimas horas, com pedidos protocolados por partidos à esquerda, como PDT (de Ciro Gomes), Rede (de Marina silva) ou PSB. Um membro importante do PT, o governador do Piauí Wellington Dias, também protocolou pedido mas o partido de Lula, Dilma Rousseff e Fernando Haddad, oficialmente, ainda hesita em abraçar a causa.
A deputada Joice Hasselmann, que adotou o epíteto "Bolsonaro de saias" em campanha mas rompeu com o presidente, vai protocolar outro pedido.