Barcelona uniu-se para marchar contra o medo
Um dia após a tragédia, as Ramblas voltaram a ganhar vida e encheram-se de gente para homenagear as vítimas e, acima de tudo, deixar uma mensagem aos terroristas: "no tinc por (não tenho medo)".
Da noite para o dia, as Ramblas viraram símbolo da liberdade e da luta contra o terrorismo. O local do fatídico atentado que vitimou 13 pessoas na quinta-feira, em Barcelona, regressava ontem à normalidade com um cenário bem diferente do habitual, decorado com velas e cartazes ostentando mensagens de paz. Medo, nunca. "No tinc por" ("não tenho medo", em catalão) foi o grito de ordem pelas ruas da cidade, entoado por mais de 100 mil pessoas que se juntaram na Praça Catalunha, ao final da manhã, para uma última homenagem às vítimas.
A emblemática fonte de Canelets, célebre ponto de encontro dos adeptos na hora de festejar os títulos do Barcelona, transformou-se em local de culto. Bandeiras de vários países, cachecóis, velas, brinquedos e um infindável número de cartazes, escritos em diferentes línguas, tornavam impossível descortinar-lhe a base. À sua volta, um mar de gente espreitava de curiosidade, tirava fotos, rezava até, muitos aproveitavam para também deixar a sua lembrança. O cenário repetia-se rua abaixo, em vários pontos estratégicos, quiosques, árvores, pedaços de passeio com aglomerados de velas, assinalando os locais onde algumas horas antes várias pessoas perderam a vida.
Ao meio-dia em ponto cumpriu-se um minuto de silêncio, que algumas pessoas assinalaram das suas varandas, batendo palmas no final. Estava também na hora de a cidade começar a seguir a sua vida, reentrar - ainda que lentamente - no seu ritmo. Ao caminhar pelas ruas sentia-se ainda um vazio desconfortável, diferente da azáfama que habitualmente se vive em Barcelona por esta altura do ano. O barulho das ambulâncias e dos helicópteros da véspera deu lugar a um silêncio estranho mas respeitador, trocas de olhares cúmplices no metro, como quem procura no próximo o apoio necessário para colocar esta tragédia para trás das costas.
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A vida continua
"Quando o dia começou, a rua estava quase deserta. Lentamente, as pessoas começaram a aparecer. A pouco e pouco voltaremos à normalidade", conta ao DN Miguel, um dos responsáveis pelo primeiro quiosque das Ramblas, logo à saída da estação de metro da Catalunha, onde os terroristas iniciaram o seu rasto de violência. "Medo? Não tenho nenhum. Trabalho aqui há mais de 20 anos e vou continuar a vir todos os dias", atira, com uma naturalidade quase desafiadora, reservando poucas palavras para descrever "o grande susto" que testemunhou. Ainda é cedo para avaliar o impacto do atentado no seu negócio e "só o futuro dirá" se haverá consequências. Um dia volvido e as receitas já se ressentiram, mas Miguel sabe que "não é um dia normal". Nesta altura, os turistas parecem mais interessados no aparato que os rodeia do que em comprar uma lembrança de Barcelona.
Por entre a multidão que se acercava do quiosque, esquivando-se dos planos das dezenas de jornalistas que se desdobravam em diretos de televisão, ouvimos um casal falar português. "Estamos em Barcelona há quatro dias e já tínhamos passado por aqui, mas quisemos voltar para prestarmos também a nossa homenagem. Estar perto de um acontecimento destes faz-nos pensar, mas não podemos mostrar medo", explica Rui Silva, que tinha aproveitado o dia da tragédia para visitar um parque de diversões com a namorada.
Como estes portugueses, muitos outros turistas acorreram às Ramblas durante a tarde de ontem, em sinal de manifestação ou de apenas curiosidade, mostrando que não se deixam vencer pelo medo. "Sou de Berlim e vivi de perto o atentado do ano passado. Por isso, fiz questão de vir aqui para demonstrar a minha solidariedade com os espanhóis. Não nos podemos deixar derrotar por atos terroristas", diz-nos outro turista alemão, Oliver, num inglês quase perfeito.
Quando o ambiente aparentava já estar mais calmo, irrompeu uma manifestação de um grupo de extrema-direita, a julgar pelos cartazes com mensagens xenófobas. Os Mossos d"Esquadra (polícia catalã) rapidamente se mobilizaram para acompanhar este grupo, composto por algumas dezenas de pessoas, mas a sua intervenção não chegou a ser necessária. Um outro grupo de manifestantes prontificou-se a abafar o seu ruído com alguns cânticos antifascistas, aos quais os presentes foram aderindo com vigor. Duas bandeiras com as cores do arco-íris, símbolo da comunidade LGBT, surgiram então diante dos primeiros manifestantes, provocando um momento de euforia na multidão.
A onda de aplausos que se escutou nessa altura foi uma prova mais de como estas tragédias têm também o condão de unir as pessoas contra alguns preconceitos e atos de discriminação, mesmo quando o mais fácil parece ser condenar o todo pela parte. Uns metros à frente, indiferente a tudo isto, um trio de jovens distribui "abraços grátis" com um brilho nos olhos. E assim ajudou muita a gente a sentir-se reconfortada pelo calor de Barcelona, que ontem voltou a levar a melhor sobre o medo.
Em Barcelona