Apelo no Facebook leva 200 pessoas a ir a funeral de sobrevivente do Holocausto

Eddie Ford não tinha familiares nem amigos para assistir ao seu funeral. Um rabino preocupado com esta solidão lançou pedido na internet e foi surpreendido pelas respostas. Até um irmão desconhecido de Ford apareceu.
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Eddie Ford estava sozinho num hospital de Toronto (Canadá) a perder a batalha contra três tipos de cancro. Este sobrevivente ao Holocausto tinha 85 anos, estava a morrer e não tinha familiares nem amigos com quem se pudesse contactar para estarem presentes no seu funeral. Preocupado com este abandono no momento da sua morte - que aconteceu a 29 de janeiro - o rabino Zale Newman decidiu fazer um apelo na rede social Facebook para que pelo menos dez pessoas estivessem presentes no funeral de Ford de forma a existir um número suficiente para ser feito a cerimónia fúnebre. "Se queremos que alguém deixe o mundo em paz, então precisamos de ter dez pessoas junto", disse à CNN neste domingo. Conta que apenas recebeu três respostas positivas ao seu pedido.

"Estava preparado para fazer o que fosse necessário para que ele tivesse um funeral adequado. Era o que merecia, o que todas as pessoas boas merecem", acrescentou Zale Newman que, todavia, não estava preparado para a surpresa que teve no dia do enterro de Eddie.

"Quando me dirigia para o cemitério fiquei surpreendido com a quantidade de carros que lá estavam. Mas pensei que devia ter havido um outro funeral. E comecei a ficar preocupado com a hipótese de não conseguir chegar a tempo ao funeral de Ford", recordou. No entanto, conforme foi falando com as pessoas, ficou a saber que todas estavam a ir à mesma cerimónia do que ele.

"O meu coração começou a bater", disse, frisando que tentou entender o que estava a acontecer. De repente ficou claro: a notícia de que Ford não tinha família para estar presente no funeral espalhou-se pela comunicação social, o que fez que aparecessem pessoas para homenagear o homem que aos 6 anos vivia na Hungria e escapou ao Holocausto porque os pais o entregaram a uma família cristã de Budapeste, o que evitou que fosse para um campo de concentração.

Newman contou à CNN que todas as pessoas presentes na cerimónia estavam "vestidas como ninjas [devido ao frio]. Eu vi 200 pares de olhos. O que posso dizer é que havia homens e mulheres, velhos e jovens".

Para alegria do homem que fez o apelo surgiu na cerimónia uma pessoa que se identificou como um irmão "perdido" de Ford e que fez uma oração hebraica pelos mortos - o Kaddish - com a ajuda de Newman. "Eddie não deixou o mundo sozinho. Deixou-o com o seu irmão, o seu sobrinho [que vive em Detroit] e 200 membros da família judia."

No post que colocou no Facebook após o funeral, Newman confessou o que estava a passar com esta experiência: "Estou chorando só de pensar no impressionante que é fazer parte do Povo Judeu que, em pouco tempo, largou tudo, deixou tudo o que estava a planear fazer e viajasse para ficar num campo aberto, num dia muito gelado, ventoso, para acompanhar na sua jornada final um judeu de Budapeste, que era desconhecido de quase todos eles."

Eddie Ford escapou do Holocausto

Newman contou à estação norte-americana que Ford tinha 6 anos e vivia em Budapeste (Hungria) quando o Holocausto começou. Os pais esconderam-nos com uma família cristã e assim Ford evitou a ida para um campo de concentração, onde morreram seis milhões de judeus.

O irmão e a mãe de Ford sobreviveram à guerra, no entanto, muitos membros de sua família foram mortos, acrescentou o rabino. Ford chegou a Toronto com 16 anos, trabalhando de dia e cuidando da mãe, física e emocionalmente traumatizada desde a Segunda Guerra Mundial (1941-1945), disse Newman.

Newman conheceu-o através de grupos de voluntários

Newman é rabino voluntário há 40 anos. Faz parte de uma organização de voluntários judaica chamada Bikur Cholim. "Visitamos pessoas doentes em casas de repouso e hospitais. Não queremos que ninguém fique sozinho, por isso damos-lhes tudo o que precisam", explicou, acrescentando que o grupo dá assistência aos pobres e idosos.

Foi através desse programa que Newman conheceu Eddie Ford. Newman encontrava-se com Ford todas as sextas-feiras e antes dos feriados judaicos desde que o diagnóstico de cancro no verão passado. "Fizemos uma festa de aniversário para ele na última semana de novembro", sublinhou Newman que descreveu Ford como um "rapaz magro", de 1,5 metro de altura e pesando 70 quilos. "Era uma pessoa sorridente. Tinha uma personalidade que podíamos dizer ser de um pensador, um artista, um humorista", mas também tinha um lado sensível: "Era uma alma gentil."

Quanto ao facto de terem comparecido 200 pessoas no funeral, Zale Newman concluiu: "Ele viu o pior da humanidade e mereceu ver o melhor da humanidade."

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