Alemanha investiga possível relação entre polícia e extrema-direita
A tensão entre simpatizantes de grupos de extrema-direita e os imigrantes está a subir de nível na Alemanha. Esta quarta-feira à noite, um sírio de 20 anos foi atacado em Wismar, no estado de Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental, por três homens que falavam alemão e gritavam insultos. A polícia indicou que o incidente está a ser investigado como crime de ódio. O sírio, que teve que ser hospitalizado, foi atacado quando voltava a casa sozinho.
Este incidente aconteceu poucos dias depois do de Chemnitz, no estado da Saxónia, onde milhares de manifestantes ligados à extrema-direita protestaram contra os imigrantes e se envolveram em confrontos com os agentes da polícia de intervenção na segunda-feira. Um novo protesto está marcado para esta quinta-feira, às 18.00, 17.00 em Lisboa, na cidade que, entre 1953 e 1990, se chamou Karl-Marx Stadt.
O novo protesto foi convocado, através do Facebook, pelo grupo Pro-Chemnitz, o mesmo que publicou o mandado de captura contra um iraquiano que estava a ser procurado na cidade pelo esfaqueamento de um homem de 35 anos que acabou por morrer. A divulgação do mandado foi feita de forma ilegal, removida pelo Facebook, mas entretanto partilhada por milhares de pessoas.
Um tal tipo de divulgação não é vulgar e as autoridades estão a investigar de onde partiu esta fuga, uma vez que a mesma parece indicar uma possível ligação entre a polícia e membros dos grupos de extrema-direita na Alemanha. A investigação, noticiou a Deutsche Welle, foi confirmada quarta-feira pelo ministro da Justiça da Saxónia, estado governado por uma coligação entre a CDU (partido de Angela Merkel) e o SPD, cujo ministro-presidente é, desde 2017, o democrata-cristão Michael Kretschmer.
Tudo começou na madrugada de sábado para domingo do fim de semana passado, quando à margem de um festival de rua começou uma luta envolvendo pessoas de várias nacionalidades. Pelo meio, um carpinteiro, identificado como Daniel H, de 35 anos, foi esfaqueado. Acabou por morrer no hospital. Dois outros alemães que estavam com ele, de 33 e de 38 anos, ficaram seriamente feridos.
Dois homens suspeitos de esfaquear o homem de 35 anos, um iraquiano de 22 anos e um sírio de 23, foram detidos na segunda-feira e acusados. Mas antes disso, o mandado de captura contra o iraquiano foi divulgado online, contendo detalhes como o número de facadas sofridas pela vítima, nomes de agressores, vítima, testemunhas e juiz e, ainda, a morada do suspeito.
O que se seguiu à divulgação ilegal do mandado de captura, partilhada por milhares de pessoas, foi um protesto a que acorreram seis mil simpatizantes de grupos de extrema-direita. Numa outra manifestação, antifascista, participaram cerca de mil pessoas. Segundo o ministro do Interior da Saxónia, Roland Wöller, citado pela BBC, simpatizantes e militantes de grupos de extrema-direita puseram-se rapidamente em Chemnitz, vindos de várias partes da Alemanha, da Baixa Saxónia à Renânia do Norte-Vestefália, passando pela própria capital do país, Berlim.
"É um escândalo" que "alguns polícias achem que podem fazer fugas de informação deste tipo como se não soubessem que estão a cometer um crime", declarou o vice-ministro presidente da Saxónia, Martin Dulig, citado pelo Independent.
Dez dos participantes naquele protesto estão também a ser investigados pela polícia por terem feito a saudação nazi do tempo de Adolf Hitler. Tanto o ministro presidente da Saxónia como a chanceler da Alemanha, ambos da CDU, condenaram as manifestações de ódio.
"O facto de termos um suspeito sírio ou um suspeito iraquiano não é razão - de todo - para um clima de suspeição generalizado sobre residentes estrangeiros", declarou Michael Kretschmer, de 43 anos.
Angela Merkel, por seu lado, reafirmou que "o ódio [não tem lugar] nas ruas" da Alemanha, ao mesmo tempo em que condenou o esfaqueamento do alemão de 35 anos como "um acontecimento horrível" em Chemnitz.
Esta cidade e o estado da Saxónia são zonas em que grupos como o Pegida ou partidos como a Alternativa para a Alemanha (AfD) são particularmente fortes em apoio. Nas eleições legislativas de 2017, a AfD foi o terceiro partido mais votado na Alemanha, com 12,6% e 94 deputados.
As críticas à política migratória de Merkel, que deixou entrar no país, de forma desordenada, mais de um milhão de migrantes e refugiados, foram o combustível que, juntamente com o descontentamento face aos problemas sociais dos alemães, deu força à AfD. A Saxónia, na ex-RDA, foi o estado em que a AfD teve mais votos, mais de 25% do total, quase o dobro da média obtida a nível nacional.
O facto de o Facebook ter removido a publicação do mandado de captura contra o suspeito iraquiano e de a polícia ter reprimido os protestos violentos da extrema-direita são apresentados pelo grupo Pro-Chemnitz como motivos para convocar novas manifestações: "Os criminosos estrangeiros não podem ser tolerados, têm que ser imediatamente deportados e nós, juntos, vamos, esta quinta-feira, explicar isto ao ministro presidente do estado".