A interminável viagem de Magalhães com novidades nas Filipinas onde foi morto

Numa época em que se contesta a memória histórica da expansão europeia, assinala-se o quinto centenário da viagem de circum-navegação que o português Fernão de Magalhães comandou ao serviço do rei de Espanha. Mas muito há ainda por descobrir sobre essa longa expedição, como recentemente mostrou o historiador filipino Michael Angelo Doblado.
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A 20 de setembro de 1519, em Sanlucar de Barrameda, na Andaluzia, cinco poderosas naus às ordens do jovem Imperador do Sacro Império Romano Germânico, Carlos V (que também era rei de Espanha por ser filho de Joana, a Louca) fizeram-se ao mar, com a certeza de que tão cedo não voltariam àquela costa. Comandava-as o português Fernão de Magalhães, que não tendo ainda 40 anos, já navegara e combatera em boa parte dos mares então conhecida. No regresso, mais de três anos depois, dos 24 homens que tinham partido, restavam 17 e o comando estava agora nas mãos do basco Juan Sebastian Elcano, já que Magalhães morrera nas Filipinas, a 21 de abril de 1521, na batalha de Mactan.

Mas se as acusações de eurocentrismo e colonialismo historiográfico falam hoje mais alto, importa dizer que meio milénio depois, os investigadores continuam a descobrir novos aspetos sobre esta viagem mítica. Entre eles, o filipino Michael Angelo Doblado que, no final de julho, fez uma importante revelação em conferência apresentada na Comissão Histórica do seu país. Cruzando as informações colhidas nos vários cronistas que registaram o feito (Antonio Pigafetta, Francisco Albo e Gaspar Correia), o historiador chegou à conclusão de que nem tudo se passou como conta a historiografia tradicional, nomeadamente no que se refere à continuidade da viagem após a morte de Magalhães em confronto direto com os soldados filipinos, liderados por Lapu Lapu.

Para Doblado, o contrário do que habitualmente se diz e escreve, Elcano não se teria limitado a abandonar aqueles mares e a prosseguir viagem rumo às Molucas. Pelo contrário, teria tentado fundear em vários pontos da ilha de Palawan, mas teria sido sempre repelido pela tribo dos Tagbanua, que provavelmente tomavam os marinheiros ibéricos por piratas e comerciantes de escravos à imagem do que os chineses faziam, naqueles mares, desde tempos imemoriais. Embora escasseie a documentação, é possível estabelecer que Elcano se demorou em vários pontos da costa da ilha (Brooke"s Point, Bataraza e Balabac, pelo menos) durante mais de dois meses. Porquê? Provavelmente, nunca o saberemos.

Em escassez de víveres e com a proximidade da monção que sazonalmente atinge, com chuvas e ventos fortíssimos, aquele ponto do globo, talvez procurasse um porto de abrigo. Recorde-de, porém, que o propósito inicial da viagem de Magalhães era chegar às ilhas Molucas (hoje parte da Indonésia) para demonstrar do que que, ao contrário do que pretendia o rei de Portugal, estas estavam na zona que o Tratado de Tordesilhas reservara aos castelhanos. Assim sendo, nota Michael Angelo Doblado, o que levou Fernão de Magalhães e o seu sucessor no comando a demorarem-se tanto tempo e a envolverem-se nas questões locais filipinas, quando já estavam a menos de 1000 milhas náuticas do seu anunciado destino? Questões surgidas durante tão penosa viagem, cheia de ameaças de motins, doenças, fomes e outras peripécias funestas, ou haveria uma motivação secreta? Da resposta a esta questão, se alguma vez for dada, depende o modo se contará a história da primeira viagem de circum-navegação alguma vez efetuada.

Em 2019, o historiador português Luís Filipe Thomaz publicara O Drama de Magalhães e a Volta ao Mundo Sem Querer (ed. Gradiva) onde estabelece que a fatídica escala nas Filipinas se deveria essencialmente a um erro de cálculo geográfico de Magalhães que, nos seus últimos dias de vida, pôde constatar que as Molucas, ao contrário do que a sua expedição pretendia provar, estava na "zona portuguesa".

A memória histórica que as Filipinas (assim batizadas em 1545 em honra do Rei Filipe II, a partir de 1580 também Filipe I de Portugal) guardam de Fernão de Magalhães e dos seus homens há muito que é ambivalente. Se, por um lado, o lugar onde o português foi morto por uma seta envenenada dos Tagbanuas (uma das etnias mais antigas da região) foi assinalado pelos locais em sinal de respeito, por outro, o guerreiro tido por responsável pela sua morte, Lapulapu, é tido por um herói nacional, com direito a estátua na cidade que também tem o seu nome. Igualmente assinalável é o facto do povo da ilha de Cebú ainda prestar culto a um Menino Jesus em madeira escuro que Magalhães ofereceu ao rei Humabón, em nome de Carlos V e do Arcebispo de Sevilha. Com 500 anos de idade, a imagem encontra-se hoje num mosteiro de padres agostinhos.

A memória desta viagem envolve, no entanto, vários países. A 27 de junho último a Marinha chilena concluíu a colocação de uma imponente cruz de aço de duas toneladas e dez metros de altura na Baía Fortescue do Estreito de Magalhães. Ali chegou a frota comandada pelo português em outubro de 1520, e celebrou Pedro de Valderrama uma missa de acção de graças. Era a primeira rezada em paragens tão austrais.

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