"A agressão que mudou a minha vida." O testemunho da mulher que acusa o candidato ao Supremo
"Eu não estou aqui hoje porque quisesse estar. Estou aterrorizada. Estou aqui porque acho que é o meu dever cívico contar-vos o que me aconteceu quando eu e Brett Kavanaugh estávamos no secundário". Será desta forma que, depois de se apresentar numa curta biografia aos senadores, Christine Blasey Ford começará esta quinta-feira a audição na Comissão Judicial do Senado norte-americano, onde será interrogada sobre as suas denúncias contra Brett Kavananaugh, o juiz que Donald Trump apoia para chegar ao Supremo Tribunal e que já viu três mulheres acusarem-no de agressões sexuais praticadas na década de 1980.
Num testemunho escrito que já foi divulgado, Christine Ford, hoje professora de psicologia na universidade californiana de Palo Alto, descreve com detalhes os abusos que lhe "mudaram drasticamente a vida" e relata as ameaças de morte de que foi alvo depois de ter tornado a sua história pública. No texto datado desta quarta-feira, Ford relata que conheceu Brett Kavanagh através de um amigo comum, quando os dois andavam em colégios diferentes de Washington.
Numa noite nas férias de verão de 1982, quando tinha 15 anos, Christine foi a uma pequena festa depois de mais um dia na piscina no clube de campo de Columbia, em Chevy Chase. Apesar de reconhecer não se lembrar de todos os detalhes - por exemplo, como foi organizada a festa, como chegou lá, em que casa se realizou -, a professora recorda-se de uma coisa com certeza: que Brett Kavanaguh estava lá, juntamente com o seu amigo Mark Judge, e que ambos abusaram dela. "Os detalhes sobre essa noite que me trazem aqui hoje são aqueles que nunca esquecerei. Eles ficaram na minha memória e têm-me assombrado de forma episódica".
Recordações que começam logo na chegada à festa, quando Brett Kavanaugh e Mark Judge já estavam "visivelmente bêbedos". Mais tarde, depois de ter bebido apenas uma cerveja, Christine subiu ao segundo andar para ir à casa de banho, mas quando chegou ao topo da escada estreita foi empurrada para um quarto. "O Brett e o Mark trancaram a porta. Já estava a tocar música, que um deles pôs mais alta quando entrámos no quarto. Fui empurrada para a cama e o Brett pôs-se em cima de mim. Começou a passar as mãos pelo meu corpo e apertou-me com as suas ancas. Eu gritei e tentei soltar-me, mas ele era muito pesado. Apalpou-me e tentou despir-me. Teve dificuldades porque estava demasiado bêbedo e porque eu estava a usar um fato de banho de peça única. Eu pensei que ele me ia violar e tentei gritar por ajuda. Mas quando o fiz, o Brett tapou-me a boca com a mão para me impedir. Isso foi o mais aterrador para mim, e o que teve maior impacto na minha vida. Tive dificuldade em respirar e pensei que ele me ia matar de forma acidental".
Christine Ford relata que só se conseguiu libertar depois de Mark ter saltado para cima da cama, altura em que se refugiou numa casa de banho. Depois de ter ouvido os dois rapazes descerem as escadas "entre risos", fugiu da casa, "com um enorme sentimento de alívio por ter escapado e por não ter sido seguida por Brett e Mark". A professora de psicologia diz, no seu testemunho, que durante muito tempo não contou o episódio a ninguém, por medo e vergonha. "Tentei convencer-me que o Brett não me violou, que conseguiria seguir em frente e fazer de conta que aquilo nunca tinha acontecido".
Casada desde 2002, só em sessões de terapia de casal, em 2012, revelou detalhes sobre o caso, revelando que o autor das agressões era alguém que um dia podia chegar ao Surpemo Tribunal. Nessa altura nomeou Brett Kavanaugh como a pessoa que a atacou, recorda-se o marido, Russel Ford.
Após ter denunciado publicamente o caso ao Washington Post - depois de em julho ter entregue uma carta à senadora democrata Dianne Feinstein, em que pedia para ficar no anonimato -, a mulher que acusa o candidato de Trump ao Supremo diz ter visto os seus piores receios concretizados: "A minha família e eu [Christine Ford tem dois filhos] temos sido vítimas de constante assédio e ameaças de morte. Tenho sido chamada das coisas mais vis", conta a professora, que foi obrigada a mudar de casa e na última semana e meia tem vivido em locais vigiados.
Ainda assim, Christine Ford salienta que as mensagens de apoio têm superado largamente as de ódio. Ainda na quarta-feira, um grupo de 1600 homens publicou um anúncio no New York Times de apoio a Ford. "Como homens que se aliam à luta para acabar com a violência e o assédio contra as mulheres, escrevemos para expressar o nosso forte apoio à Dr. Christine Blasey Ford, pela sua determinação em falar em público e testemunhar diante do Senado sobre a agressão sexual que diz ter sido cometida contra si pelo juiz Brett Kavanaugh", pode ler-se no anúncio, que mimetiza uma outra ação de apoio a Anita Hill, que em 1991 também denunciou um candidato nomeado por um republicano para o Supremo Tribunal, por assédio sexual no local de trabalho.
O candidato de Donald Trump ao cargo de juiz do Supremo Tribunal também vai enfrentar esta quinta-feira um interrogatório na Comissão Judicial do Senado. Kavanaugh tem negado todas as acusações e o próprio Trump já saiu em sua defesa.
Tendo em conta o testemunho escrito entregue também nesta quarta-feira à comissão judicial, Kavanaugh deverá admitir que "não era perfeito" na escola secundária, dizendo que por vezes bebia demasiada cerveja com os amigos - "eu disse e fiz coisas no secundário que agora me deixam embaraçado" -, mas negará veementemente as acusações. Segundo o juiz, estas são, "pura e simplesmente", tentativas de última hora de manchar a sua reputação. Numa entrevista à Fox News, na segunda-feira, Kavanaugh negou alguma vez ter agredido sexualmente alguém.