Juiz dá 48 horas para Presidente do Brasil se manifestar sobre proteção a índios
Um juiz do Supremo Tribunal Federal brasileiro deu 48 horas ao Presidente, Jair Bolsonaro, para que se manifeste no âmbito de uma ação na qual se pede que o Governo proteja indígenas face à covid-19.
Além de Bolsonaro, o magistrado Luís Roberto Barroso concedeu na quinta-feira o mesmo prazo para que o procurador-geral da República (PGR), Augusto Aras, e o advogado-geral da União, José Levi, que defende o executivo em processos judiciais, se manifestem sobre o tema.
Em causa está uma ação apresentada ao Supremo esta semana pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), em conjunto com o Partido Socialista Brasileiro (PSB), Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), Partido dos Trabalhadores (PT), Rede Sustentabilidade e com o Partido Democrático Trabalhista (PDT).
Segundo a APIB, organização que coordena a luta dos povos originários pelos seus direitos, o "principal objetivo da ação é que o Governo Federal execute um plano de emergência para proteger os povos indígenas, em especial os isolados", e que instale barreiras sanitárias.
A associação mencionou como fatores para o agravamento da situação dos indígenas a "presença impune" de invasores nas suas terras, estimulados por "políticas governamentais e pelo discurso de ódio do próprio Presidente da República".
A Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), vinculada ao Ministério da Saúde do Brasil, informou na quinta-feira que 166 indígenas morreram e 7.198 foram infetados pelo novo coronavírus, desde o início da pandemia. Contudo, segundo a APIB esses números são bem superiores, com a organização a apontar 10.341 casos de infeção e 408 óbitos de índios.
A divergência entre os dados do Governo e de entidades indígenas tem sido uma constante desde o início da pandemia, e foi criticada no mês passado pela coordenadora da APIB, Sonia Guajajara.
Segundo Guajajara, o problema na contagem está na forma como o executivo avalia se o cidadão é ou não indígena.
"A Sesai faz uma seleção de quem eles acham que é indígena e quem não é. Então, eles não registam indígenas que estão em contexto urbano. A própria estrutura da Sesai, sem atendimento próximo a algumas aldeias, faz os indígenas irem para os municípios. Lá, eles entram na contagem normal do município, sem serem considerados indígenas com covid-19", explicou Guajajara.
Na avaliação da coordenadora da APIB, trata-se da "negação de querer mostrar a situação real".
Na maioria, a população indígena brasileira está distribuída por milhares de aldeias, sendo que grande parte das infeções pelo novo coronavírus foi registada na floresta Amazónia, onde está localizada a generalidade das tribos isoladas.
Uma das principais preocupações das autoridades é a vulnerabilidade dessas populações face a doenças respiratórias, o que aumenta o risco de agravamento em caso de contágio pelo novo coronavírus.
Face ao aumento de casos, vários povos indígenas estão a implementar as suas próprias barreiras de proteção, para impedir a entrada de invasores nos seus territórios.
O Ministério da Saúde informou na quinta-feira que enviará profissionais de saúde para a ilha do Bananal, no estado de Tocantins, após o aumento nos registos de casos de coronavírus entre indígenas nas aldeias daquela região.
A tutela informou que pretende controlar a movimentação dos indígenas através de barreiras sanitárias, mas que procura montar um plano que permita o acesso a serviços essenciais.
O Ministério Público (MP) brasileiro abriu na quinta-feira uma investigação às denúncias de uma suposta distribuição do fármaco cloroquina às comunidades indígenas, assim como o acesso aos seus territórios sem a devida autorização dos povos.
Segundo o MP, as denúncias recaem sobre a atuação interministerial da Fundação Nacional do Índio (Funai), Secretaria de Saúde Indígena (Sesai) e Ministério da Defesa no combate à pandemia de covid-19 nas terras indígenas de Roraima.
"O objetivo é apurar a distribuição de cloroquina às comunidades indígenas, a entrada nos territórios sem prévia consulta de seus povos - em desrespeito à decisão de isolamento de muitas de suas comunidades -, a violação das regras de distanciamento social, a presença expressiva de meios de comunicação em contacto com os indígenas e a eficiência de operação com vultoso gasto de recursos públicos", disse o MP em comunicado.
A cloroquina é um medicamento usado para tratar doenças como artrite, lúpus e malária, mas sem comprovação de eficácia contra o coronavírus, e que tem sido amplamente defendido pelo Presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, no combate à pandemia.
O MP também expressou preocupação em relação às declarações do ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, que esta semana afirmou que a pandemia "está controlada" na Terra Indígena Yanomami, assim como com a "ausência de qualquer medida de proteção territorial na operação que supostamente procura enfrentar a disseminação da covid-19, cujo principal fator de risco é o garimpo ilegal".
Fernando Azevedo e Silva causou polémica na quarta-feira, ao negar que os indígenas da etnia Yanomami estejam ameaçados pela covid-19.
O ministro encontrava-se em visita ao Pelotão Especial de Fronteira na aldeia Surucucu, no norte de Roraima, onde militares realizam uma operação que inclui atendimento médico.
Face a essas declarações, a Hutukara Associação Yanomami, que representa cerca de 27 mil índios daquela etnia, lançou uma nota de repúdio, exigindo medidas do ministro para controlar a invasão ilegal de garimpeiros, exploradores de metais preciosos.
"Dizer que a situação da covid-19 está controlada é uma mentira. Pelo contrário, está em franca expansão: até agora há 188 casos confirmados entre os Yanomami e Ye'kwana, sendo que 49 destes casos foram contaminados dentro das comunidades", pode ler-se no comunicado divulgado pela associação na quinta-feira.
Já o MP exigiu ainda que o Governo elabore um plano de emergência que monitorize aquelas terras e de combate às infrações ambientais.
"Diante da aparente tentativa de minimizar a gravidade da pandemia que se alastra diariamente na Terra Yanomami, o MP ressalta que aguarda decisão a um recurso interposto (...) que procura obrigar o poder executivo à única medida eficiente de proteção: a elaboração de um plano de emergência de ações para monitorização efetivo daquela terra", indicou o MP.
O órgão pediu ainda o "combate a ilícitos ambientais e extrusão de infratores ambientais que possam transmitir a covid-19, inclusive à comunidade isolada Moxihatëtea, exposta a um risco concreto de genocídio".
O MP avaliou também que as atuais operações em vigor não respeitam as orientações pretendidas.
A Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), vinculada ao Ministério da Saúde do Brasil, informou na quinta-feira que 166 indígenas morreram e 7.198 foram infetados pelo novo coronavírus, desde o início da pandemia.
Contudo, segundo a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), organização que coordena a luta dos povos originários pelos seus direitos, esses números são bem superiores, com a organização a apontar 10.341 casos de infeção e 408 óbitos de índios.
O Brasil tornou-se no foco latino-americano da nova pandemia de coronavírus e é o segundo país no mundo mais afetado pela doença, totalizando 61.884 óbitos e 1.496.858 casos confirmados, informou o executivo.
A pandemia de covid-19 já provocou mais de 517 mil mortos e infetou mais de 10,76 milhões de pessoas em 196 países e territórios, segundo um balanço feito pela agência de notícias France-Presse (AFP).