"Grita o que quiseres, ninguém te vai ouvir". Abusos sexuais na seleção feminina do Afeganistão
"Eu estava com medo, a tremer. Ele disse: Hoje quero descobrir o que está por baixo das tuas roupas. Eu comecei a gritar que queria ir para casa e ele disse: Grita o que quiseres, ninguém te vai ouvir." Este é um excerto do relato, feito ao jornal de The Guardian por uma jogadora de futebol da seleção afegã, que ilustra bem o comportamento de Keramuundi Karim, o presidente da federação de futebol do país.
As primeiras acusações de abuso sexual foram publicadas em novembro no jornal britânico. Na altura, Karim recusou-se a comentar mas a FiFA decidiu analisar as denúncias. Entretanto, no início de dezembro, as autoridades afegãs iniciaram uma investigação. Karim e quatro outros membros da federação de futebol estão suspensos por 90 dias.
Esta quinta-feira o jornal publicou os relatos de três jogadoras que, sob anonimato, por temerem represálias para si ou para a sua família, contaram ao The Guardian pormenores dos abusos sexuais e físicos que dizem ter sofrido às mãos do presidente da federação nacional de futebol, Keramuundi Karim.
Uma jogadora contou que se dirigiu ao escritório de Karim para pedir dinheiro para o pagamento de transporte. Ele começou a aproximar-se. "Tentei ignorá-lo, fui muito educada e disse-lhe: só preciso dinheiro, pode ajudar-me? Se não pode, deixe-me ir embora. Ele respondeu: não te preocupes, eu dou-te o dinheiro." Ele pediu-lhe para ela o acompanhar a uma divisão nas traseiras do seu escritório, onde havia uma cama. Foi nessa altura que ele começou a aproximar-se e a tentar tirar-lhe as roupas. Como ela resistiu, ele deu-lhe um murro na cara.
Ela tentou levantar-se e sair mas ele voltou a bater-lhe na boca."Havia sangue a sair do meu nariz e dos lábios. Ele começou a bater-me, eu caí na cama e a partir daí tudo ficou negro... Quando acordei, as minhas roupas tinham desaparecido e havia sangue por todo o lado. Havia sangue na cama, sangue a sair da boca, do nariz, da vagina." Quando a rapariga ameaçou contar à comunicação social o que tinha acontecido, Karim pegou apontou-lhe uma arma à cabeça, ameaçando matá-la e à sua família se ela contasse alguma coisa: "Vês o que te fiz? Posso acertar-te na cabeça e o teu cérebro vai ficar espalhado por todo o lado. E posso fazer o mesmo à tua família", gritou ele. "Depois atirou-me dinheiro e disse para eu me ir embora. Disse que nunca mais queria ver a minha cara."
Depois deste episódio, ela percebeu que este tipo de comportamento do presidente da federação era comum e conhecido, dentro e fora da equipa, mas que ninguém tinha coragem de denunciá-lo às autoridades: "Ele tem muito poder, no meio do futebol e no governo", disse a jogadora sobre Karim, que é presidente da federação desde 2004 e que antes disso foi governador da província de Panjshir e chefe de gabinete do ministro da Defesa. "As raparigas têm medo de ser mortas."
Outra atleta contou que foi chamada ao gabinete de Karim e que quando se sentou ao lado dele no sofá o presidente começou a tocar-lhe no corpo e tentou beijá-la. Ela conseguiu sair dali e durante um mês não foi aos treinos. Quando voltou, Karim apareceu num treino e, em frente das companheiras de equipa, começou a criticá-la, dizendo que ela falava muito e ameaçando cortar-lhe a língua.
Mais tarde, essa mesma jogadora foi pressionada para voltar ao escritório de Karim - e ao compartimento escondido onde o presidente estava nu à espera dela. "Ele começou a tentar a tirar as minhas roupas, e eu só chorava e gritava. Tive sorte porque ele recebeu um telefonema e como eu não parava de gritar ele não teve outra opção se não abrir a porta e deixar-me sair. Saí a correr."
Uma terceira jogadora diz que foi chamada ao escritório do presidente para assinar uns papéis e que ele tentou beijá-la no pescoço e nos lábios. "Afastei-o e disse-lhe que ele devia comportar-se, que tinha idade para ser meu avô." Como ela não permitiu os avanços de Karim, foi afastada da equipa e acusada de ser lésbica.
Apesar da investigação em curso, as três atletas não têm esperança que Karim seja condenado: "Ele é muito poderoso, tem muita influência e muito dinheiro. Ele pode comprar as pessoas."