Gabriela Sobral está de volta. Há pouco mais de uma década, era a mão direita de José Eduardo Moniz, na TVI. Em meados de janeiro voltou a trabalhar de perto com a antiga estação, assumindo a direção da Plural, o braço de ficção da Media Capital. Entre um ponto e outro, Gabi - como toda a gente na televisão conhece esta produtora de 55 anos e 30 nos bastidores - passou para direção da SIC, de onde saiu em 2018, coincidindo com o nascimento dos filhos, Tomás e Luís, do casamento com a atriz Inês Herédia, e dedicou-lhes os últimos dois anos. Agora está de regresso ao trabalho. "Estava cheia de energia e de vontade"..Ao segundo dia, a diretora de entretenimento e ficção da TVI, Cristina Ferreira, pediu-lhe para pôr de pé o projeto de humor Festa é Festa, cuja premissa é a vida numa aldeia subitamente "abalada" pela chegada da TVI, interessada em estar na festa do ano. Admite que ficou "receosa". O registo de novelas cómicas não tem tradição de êxito na TVI, mas "foi sol de pouca dura". "Depois de receber textos e começar a trabalhar com a minha equipa e a TVI, percebi claramente que o que vinha aí era uma coisa completamente diferente do que tinha sido feito até aí". Foi o programa mais visto no dia da estreia e em 10 dias de exibição, ganhou oito. E na primeira semana, diz, "vencemos toda a frente do prime time, em todas as novelas - Festa é Festa, Amar Demais e Bem Me Quer..A novela "Festa é Festa" estreou a 26 de abril, à frente da concorrência. O que traz de diferente? Apesar de ser uma novela bem humorada, é um modelo diferente daquele que estamos habituados a fazer. Se me perguntar se é comparável com alguma que já tenha sido feita, não me lembro. Tem um tom diferente, em termos de inovação e dramaturgia, até dos tempos de comédia e humor. Já tivemos todos oportunidade de ver: aquilo é uma novela, com tudo o que uma novela tem: famílias, amores, desamores, com uma aldeia, os plots, há um presidente da junta, um Tomé do bar, há conflitos e percursos de vida idênticos a tantos outros que conhecemos no nosso país. O que é importante aqui é o tom. Um tom de comicidade que é permanente, e é isto que faz rir as pessoas. É a forma como o [guionista] Roberto Pereira e a equipa agarram nas situações. As situações do dia a dia são caricaturadas e isso tem muita graça. Habitualmente, existe um núcleo cómico, aqui todos são cómicos. Umas personagens sim, outras menos. Até porque as que têm menos têm contracena com algumas que têm. Isto é uma história real, que, de repente, tem um filtro cómico. Se calhar, se nos sentarmos numa aldeia de Portugal com um presidente da junta ele é este Bino [Pedro Alves]. É o ângulo de abordagem! Porque as pessoas todas têm um lado cómico e é esta filigrana que os autores encontram. Olham para estes núcleos e dão-lhes valores de comicidade muito elevados. É uma coisa ao mesmo tempo muito leve. Não é uma novela erudita, é leve, leva as pessoas a sentarem-se em casa a quererem assistir, a uma descontração. Mas existem aquelas pessoas - aqueles padres, aquelas famílias, aquelas rivalidades entre as pessoas... É uma aldeia próxima de Lisboa, mas podia ser no norte ou no sul. Há expressões e personagens que podem ficar? O Mr. Bino, como eu lhe chamo, é um Mr.Bean popular. É o bom malandro. Tem aquele ar bonzinho, mas é um malandrão, vive preocupado em manter aquela posição que lhe pode fugir, atormentado com o Tomé [Pedro Teixeira] e com a possibilidade de deixar de ser presidente da junta. É uma caricatura de tantas pessoas que conheço!. Várias pessoas do elenco nunca fizeram novelas. É o caso do ator Pedro Alves [Bino], mas também Manuel Marques, Carlos M. Cunha. Este elenco já foi o seu trabalho? Se há alguma mais-valia que posso ter trazido ao projeto é essa, trazer atores. É bom que se refira que estes são sempre trabalhos de equipa, eu não sou uma loba solitária, trabalho com uma equipa e muito com a TVI, com a Cristina e o [João] Patrício, e o Roberto, que foi uma peça essencial. Esteve sempre connosco, a ouvir e a mudar o que era necessário. Foi uma triangulação muito boa. O que mudou para que aceitassem fazer novela? Se calhar não tiveram nenhuma proposta assim tão aliciante. Não foi difícil convencê-los. Desde a Maria do Céu Guerra até ao Pedro Alves, depois de conhecerem o projeto, todos quiseram trabalhar. É mesmo, mesmo interessante sob vários pontos de vista, até para o ator, porque é diferente. A novela estreou na sequência de uma denúncia de assédio sexual da atriz Sofia Arruda, envolvendo a Plural. O que estão a fazer em relação a este assunto? Não estamos a fazer nada que não tenhamos feito até agora. Isto é um caso que remonta 2008 ou 2010. O que estamos a fazer enquanto empresa já foi comunicado. Estamos a atualizar um manual, que é de 2011. A empresa foi alvo de uma venda, entraram novos acionistas, um conselho de administração novo e também um corpo de direção nova. Eu estou aqui há três meses. Tudo está a ser alvo de uma atualização e essa atualização vai contemplar todos estes casos no presente e no futuro. Para trás, não posso falar dos meus antecessores, porque não estava cá. Comigo as pessoas podem ter a certeza que todas as normas que a empresa implementar vão ser seguidas à risca. Este manual que está a ser atualizado é como as leis, têm de ser atualizadas à medida que as coisas vão acontecendo. As indicações que temos da administração são para termos atenção a todos estes sinais. A Sofia Arruda está a está a trabalhar na SIC para um produto chamado Patrões Fora, não podemos chamar a Sofia Arruda para vir trabalhar connosco, seria até estranho. Ela está bem, está feliz, tem um contrato, mas nunca estará fora do grupo de atores que sejam cooptados pela TVI. Não é porque ela denunciou uma situação do passado que deixa de poder trabalhar connosco. Temos toda a vontade de a ouvir e perceber as angústias dela. Chegou a falar com a Sofia Arruda? Não, não falei. A Sofia Arruda não me ligou. Eu estava na SIC quando isto aconteceu. Nem sei muito bem o que se passou nessa altura. Não há nada que se possa fazer? Como é que vai fazer uma investigação se as pessoas dessa altura já não existem? A pessoa de quem ela fala já nem trabalha no meio ou se trabalha não sei. Ou bem que a Sofia tinha tomado a opção de falar sobre a pessoa, que não tomou, e eu acho que temos de aceitar e perceber, é legítimo, mas ao falar de uma pessoa que não existe, vai investigar-se o quê? A não ser que ela quisesse muito falar sobre isto e então o Ministério Público tomaria conta do caso, nem era a empresa. A empresa não pode fazer nada. O que a empresa pode fazer, e está a fazer, é tomar conta do presente para que não volte nunca mais a acontecer nada, nem na TVI nem na Plural nem no grupo Media Capital, e isso a administração foi claríssima para todas as direções e unidades de negócio. Diz que venceram no prime time com as três novelas. E o efeito do Festa é Festa? É o efeito de várias coisas. É óbvio que Festa é Festa é a grande alavanca, mas há toda uma dinâmica de grelha da TVI, e uma nova dinâmica, direi mesmo assim, que permite que públicos que estavam só do outro lado, venham visitar a ficção da TVI e ficar por aqui. As novelas não falam sobre a pandemia, mas Festa é Festa faz-lhe uma referência. Houve uma conversa com o autor e a TVI. A ideia era passar a mensagem de que este Festa é Festa se passaria no pós-pandemia, trazendo alento e esperança às pessoas. O futuro é amanhã. Sabíamos que existiria esta campanha de vacinação, há uma luz ao fundo do túnel..Se não estivéssemos a sair desta situação, não abordariam? Se isto é uma novela que pretende trazer alento às pessoas que estão a sofrer há um ano e meio, a viver uma tragédia sem precedentes no século em que vivemos todos... Estamos a querer que as pessoas se distraiam do tema pandemia, não estamos a esquecê-lo, nem a lateralizá-lo. Queremos é dizer que vai passar. Todos vemos noticiários e sabemos quantas pessoas morrem. Todos temos na família, amigos ou conhecidos que morreram ou sofreram com a pandemia, é natural que queiramos dar esperança..Desde Liliane Marize, na novela "Destinos Cruzados" (TVI), que não víamos que este cruzamento entre ficção e a estação de TV. As pessoas gostam desse cruzamento, gostam de sentir-se parte dessa dinâmica. O Festa é Festa tem sido o assunto mais falado do Twitter. As pessoas dão ideias, fazem propostas? A TVI vai lá? Dão ideias... Porque têm a televisão ligada a o dia todo ou porque são espectadores da TVI..Estamos a falar de uma novela que captou outros públicos. As redes sociais também são uma coisa muito recente. Trabalho há 30 anos nesta indústria e as redes sociais têm cinco anos, se tanto. Hoje, qualquer espectador tem acesso. É natural que esta novela, até porque tem um grupo de jovens, esteja muito nas redes sociais, como os atores e atrizes também estão muito dentro das redes sociais. Eles são muito ativos e este conteúdo presta-se a isso. Acho que ainda vai ser maior do que está a ser agora..Também nas redes sociais, vi notar que Ana Guiomar faz de mãe de uma atriz que é cinco anos mais nova do que ela. Porquê? Acontece em tudo o que é indústria de ficção as mães serem muito próximas das filhas. A Joana Santos fez esse papel com a Joana Ribeiro. O Brad Pitt fez um filme, o Benjamin Button, em que fazia de novo a velho e de velho a novo. Ser atriz é ser isso. Fazer vários géneros, várias idades. Há atrizes que às vezes têm de fazer de velhinhas de 50 anos como há atores que têm de fazer de seus personagens mais novos. Nós e a TVI achámos que a Ana Guiomar aguentava um papel mais adulto e que não causava estranheza com a personagem da Ana Marta Contente, e continuamos a achar. A Ana Guiomar é atriz para isso e para muito mais..Isso não perpetua o estereótipo da mulher sempre jovem no cinema e na televisão? E, por outro lado, acontece porque o leque de atores não é muito amplo? Queríamos muito ter a Ana Guiomar como Aida, é verdade, e a Ana Guiomar faz qualquer papel, basta que esteja caracterizada, o talento confere-lhe todas as camadas necessárias para fazer outras idades. Aqui, achámos que não era chocante e que lhe confere uma maturidade e autenticidade que lhe permite ser mãe da Ana Marta Contente, que também queríamos muito na novela. Não se revê, portanto, na crítica de que perpetua o estereótipo? Isso remete-nos já para o papel da mulher na sociedade, sempre jovem, bonita, mãe, indefesa. Não é isso que estamos a fazer. Temos todo o género de pessoas, de idades, temos aqui uma palete de personas que transmitem o que é a sociedade. São estereótipos da sociedade, como Nelinha, a Fátima, a Ana Carolina, a Vuitton, são completamente atuais, umas agarradas à tecnologia, outras às plásticas. Vejo uma grande relação com a realidade. Que séries está a ver? Agora tenho muito pouco tempo, tenho duas crianças e ando aqui a correr para ainda estar com eles, porque dormem muito cedo. Saio a correr para as ver. Depois, vejo a nossa televisão e a concorrência - vejo tudo. A última série que vi foi uma espanhola, Vis a Vis, para ver como tinham feito, porque os espanhóis vivem ao nosso lado e estão a anos-luz de nós, porque têm outro investimento, outra produção. Também vi o Lupin, francesa. Estou sempre a ver qualquer coisa, entre o HBO e a Netflix. Das séries que mais gostei de ver no último ano, foi o Sucession, das que mais gostei de ver no último ano. Gostei muito do Years and Years. Vi um filme, Bombshell, que mostra como a Fox News chegou onde chegou, sobre o poder da televisão e da comunicação. Estes dois anos permitiram-me ver quase tudo o que queria. Foi um período que me deu para ver as coisas de fora, na arena, da comunicação social, da política, da cultura. Deu para olhar para tudo de outra forma e sinto que tenho uma energia muito maior, e até sabedoria, para lidar com esta nova unidade de negócio que é a Plural. Vai ser a maior fábrica de conteúdos da Península Ibérica, é para isso que estamos a trabalhar, para que possa trabalhar para a TVI e com outros players. Estamos a trabalhar para Portugal e para fora..Falou de Espanha. Como é que Portugal pode competir? Sabe quantas produções arrancaram a seguir confinamento? 37! Está a passar-se muita coisa neste país..lina.santos@dn.pt