Marcelo: "Antecipador de futuros", Soares marcou tudo o que "foi decisivo em Portugal"
"Porquê Mário Soares no centenário do seu nascimento", começou por questionar, de forma retórica, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, evocando, logo de seguida, a "capacidade oratória" do político na Revolução do 25 de Abril.
"Por ter sido antecipador de futuros" continuou, acabando por afirmar que Mário Soares marcou tudo o que "foi decisivo em Portugal".
Da "oposição a Salazar", lembrou, ao "estabelecimento de uma rede de ligações internacionais" até à criação do PS.
"Sem Mário Soares não seria possível uma sessão tão livre como a de hoje", continuou o chefe de Estado.
O presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar-Branco, anunciou que, em 2025, haverá um busto de Mário Soares na AR que, a seu pedido, será colocado na Sala do Senado.
"Quando o 25 de Novembro reconduziu o país ao espírito original do 25 de Abril, ele, como rosto principal, emergiu como um dos líderes naturais do espaço democrático", lembrou Rodrigo Saraiva, da Iniciativa Liberal (IL). "Sendo justo lembrar aqui também os nomes de Francisco Sá Carneiro, e de Freitas do Amaral. Como é justo recordar outros socialistas que participaram neste combate, como Salgado Zenha e Manuel Alegre", acrescentou.
O deputado recordou que Mário Soares "destacou-se", lembrando, por exemplo, o "início do processo de adesão do nosso país à então Comunidade Económica Europeia".
"Soares soube, desde o início, que não haveria democracia plena em Portugal dissociada da nossa integração nesse amplo espaço comunitário. Os portugueses recompensaram-no, elegendo-o como primeiro Presidente da República civil após 60 anos de presença militar na chefia do Estado", declarou.
O Presidente da República homenageou esta sexta-feira "a vida singular, irrepetível" de Mário Soares, "sempre livre, sempre igualitário, sempre anti-xenófobo", e considerou que sem ele a liberdade e a democracia em Portugal teriam esperado mais.
Marcelo Rebelo de Sousa, que discursava na sessão solene evocativa dos cem anos do nascimento de Mário Soares, na Assembleia da República, que se completam no sábado, apontou essa sessão como exemplo da liberdade que o antigo chefe de Estado ajudou a criar.
"Sem ele, Mário Soares, não seria possível uma sessão evocativa tão livre como a de hoje: uns livremente evocando mais os seus méritos, outros evocando livremente os seus deméritos. Uns louvando a democracia que ajudou a construir, outros querendo outro futuro que não o que ele sonhou", afirmou.
"Foi isso, a liberdade e a democracia, que ele ajudou a criar. Foi isso que permitiu este parlamento livre e a sessão solene que estamos a viver", acrescentou.
Segundo Marcelo Rebelo de Sousa, sem Mário Soares "a sua coragem e as suas convicções, que eram de um partido, nos ultrapassavam em muito um partido, a liberdade, a democracia e a Europa teriam esperado mais, ou vivido atalhos mais penosos, ou conhecido mais sobressaltos ou empecilhos, ou mesmo conflitualidades internas, autoritarismos ou desvios não democráticos".
O Presidente da República questionou "quem esteve, como Mário Soares, tão presente e tão decisivamente presente nos três tempos políticos: o tempo da ditadura, o tempo da revolução, o tempo do nascimento da democracia, o tempo das duas primeiras décadas dessa democracia".
"Do universo partidário, nenhum. Do universo militar, sim, largamente um: o primeiro Presidente da República português eleito em democracia, decisivo no fim da revolução, no início da democracia, na civilização do regime, no regresso dos militares aos quartéis e na abertura da governação à direita", considerou, realçando em seguida, porém, que Ramalho Eanes "não tinha participado na resistência à ditadura, em que Mário Soares tinha intensamente militado durante 30 anos".
Pedro Nuno Santos lembrou que foi secretário-geral da Juventude Socialista na última campanha de Mário Soares em 2006, contra Cavaco Silva, e disse que "não precisava daquele último combate". "Mas entendeu que tinha esse dever e foi candidato", completou.
Depois de recordar a frase que o político escreveu no livro Portugal Amordaçado - "Só é vencido quem desiste de lutar" - Pedro Nuno Santos considerou que "a vida de Mário Soares confunde-se com a história de Portugal do século XX".
"Contra a ditadura, foi resistente, conspirador, agitador, foi preso, deportado, exilado", recordou com emoção.
O atual líder do PS, recordou "contradições" de Mário Soares, mas realçou que o político esteve sempre "do lado certo na luta contra a longa noite da ditadura".
"Soares esteve também do lado certo na prioridade dada ao processo de descolonização", afirmou Pedro Nuno Santos, opondo-se a várias intervenções que antecederam a sua nesta sessão solene.
Aguiar-Branco considerou que o tempo político "é outro" face ao vivido por Mário Soares, Presidente da República entre 1986 e 1996 e primeiro-ministro de três governos constitucionais (1976/1978, 1978 e 1983/1985), "mas os desafios nem por isso são menores" e, por vezes, "até são muito semelhantes".
"Discutimos a liberdade de expressão e a pluralidade, o que podemos dizer e o que não gostamos de ouvir, discutimos o debate político no seu conteúdo, mas também na forma como o mesmo se faz, umas vezes mais inflamado, outras vezes mais musculado. Discutimos a polarização e o populismo. Discutimos o que devemos fazer, como devemos fazer e como reagir para garantir o equilíbrio", assinalou José Pedro Aguiar-Branco.
A seguir, concluiu: "O que hoje discutimos já Soares tinha antecipado". De acordo com o presidente da Assembleia da República, "como bom republicano", Mário Soares acreditava que o parlamento "não era, não é, não pode ser um problema", mas tem de ser "a solução". Uma declaração que mereceu palmas do PS, PSD e CDS.
Mário Soares, prosseguiu Aguiar-Branco, acreditava que "a polarização não se resolve com proclamações de virtude, mas com política, fazendo política no sentido nobre que a palavra tem, discordando com lealdade, negociando com abertura, construindo o futuro com rasgo e visão".
"Concordemos -- ou não -- Mário Soares nunca deixou de assumir todas as suas decisões e as consequências das mesmas, mais ou menos populares, mais ou menos difíceis, com coragem e sentido de responsabilidade, mesmo que à custa de votos, apoios ou até amigos. Uma boa prática que foi caindo em desuso nos nossos tempos", considerou José Pedro Aguiar-Branco.
Em relação ao presente, o presidente da Assembleia da República advertiu que, sete anos depois da morte de Mário Soares e cem anos depois do seu nascimento, esse presente só aos atuais políticos diz respeito.
"É nossa responsabilidade preservar a capacidade de sentar todos na mesma sala para que se entendam nos seus desentendimentos, para que concordem discordando, para que sejam iguais nas suas diferenças. Preservar este seu legado não é uma questão de estima pessoal. É uma necessidade do próprio sistema político" desta nossa democracia, frisou.
"Mário Soares não é uma figura histórica ou do nosso passado, é de hoje. Mas o que fizermos neste hoje dirá se Mário Soares também é futuro", completou, reforçando os seus avisos.
No seu discurso, José Pedro Aguiar-Branco apontou que esta é a segunda vez em democracia que o parlamento homenageia um político numa sessão solene. A primeira foi com Francisco Sá Carneiro, em 1990, altura que Mário Soares era Presidente da República.
O presidente do parlamento referiu que Soares, na sua intervenção, explicou que Sá Carneiro marcou "pela sua personalidade inconfundível, frontalidade, patriotismo, coragem e inteireza de caráter uma época decisiva do percurso democrático, tão repleto de dificuldades vencidas".
"O Presidente Soares era, por aqueles dias, a chamada força de bloqueio aos governos de Cavaco Silva, mas achou mais importante homenagear Sá Carneiro do que marcar posição no xadrez político da ocasião. Em algumas sociedades, acredita-se que um Homem viverá o tempo em que for lembrado, viverá o tempo em que lhe forem exaltadas as virtudes. Só isso justifica as elegias, os elogios, as estátuas e as homenagens. Lembramos para não esquecer, lembramos para manter vivo um legado", salientou o presidente da Assembleia da República.
José Pedro Aguiar-Branco recordou o fundador do PS como "o homem" da admiração por Álvaro Cunhal e da amizade com o general Spínola, o protagonista do 25 de novembro de 1975 e o responsável do resgate do PCP, o decisor da amnistia às FP-25 de abril e da reabilitação dos homens da extrema-direita do MDLP, "o homem" da Constituição de 1976 e do apoio convicto a sucessivas revisões constitucionais.
"Muito mais que o fiel da balança, Mário Soares foi um pêndulo. Deslocava-se de um lado para o outro em função daquilo que acreditava ser o melhor para o país em cada momento. Abdicando, quando em causa um bem maior, de dogmatismos, tanto ideológicos como partidários. Sem inflexibilidades, sem intransigências", acrescentou o presidente da Assembleia da República.
Aguiar-Branco foi aplaudido de pé pelo PS e PSD. Apenas o Chega não bateu palmas.
António Ramalho Eanes, Pedro Santana Lopes e Eduardo Ferro Rodrigues marcam esta sexta-feira presença no parlamento para homenagear o centenário do nascimento do antigo Presidente da República e primeiro-ministro, que fundou o PS, Mário Soares.
O antigo Presidente da República Ramalho Eanes e o antigo primeiro-ministro social-democrata Santana Lopes foram os únicos antigos chefes de Estado e de Governo a marcar presença e a reunirem com os restantes convidados na sala de visitas do Presidente da Assembleia da República.
Numa manhã que começou ainda antes das 10:00 com a Guarda de Honra da GNR a ocupar o passeio fronteiro às Assembleia da República, com estandarte, banda e fanfarra, as chefias militares, que chegaram às 10:15, foram os primeiros convidados de honra a serem recebidos no parlamento para a homenagem parlamentar ao legado de Soares.
António Filipe, do PCP, falou de Mário Soares como uma "referência maior". Lembrou que o histórico socialista teve com o PCP "lutas comuns contra o fascismo de décadas", sem esquecer "momentos de confronto sobre o caminho a seguir" no país.
Sublinha que o PCP sempre assumiu "com frontalidade e coerência" as divergências com Soares, destacando, no entanto, a relação de "respeito mútuo".
André Ventura começa por destacar o papel incontornável que Mário Soares teve no 25 de Novembro ao "impedir uma ditadura de sinal contrário". Mas o líder do Chega vai mais longe e diz que esta cerimónia não devia estar a acontecer e acusou o político de ser cúmplice de tudo o que tem estado a acontecer desde o 25 de Abril.
O PS apoderou-se do aparelho do Estado português, acusou, afirmando que houve apropriação de dinheiro público com a impunidade perante a lei.
"À sombra de Mário Soares criou-se uma cultura de impunidade", referindo-se às visitas de Soares a José Sócrates na prisão, que, segundo Ventura, Mário Soares terá considerado ser um "primeiro-ministro exemplar".
Ventura ainda critica a descolonização, lembrando que o processo deixou frutos, com, por exemplo, Moçambique estar a atravessar uma guerra civil atualmente. Portanto, diz Ventura, Mário Soares também é responsável por isto.
"Disparassem se necessário sobre os que lá estão", disse Ventura, alegando que Mário Soares o terá dito durante o período da Guerra Colonial.
Por fim, fala num "legado negro" do 25 de Abril, deixado por Mário Soares. Ventura termina apenas acompanhado pelas palmas que saem da bancada do Chega.
O líder socialista lembrou que Mário Soares também esteve do "lado certo" quando procurou "unir a esquerda contra uma direita radicalizada", referindo-se ao período da intervenção da troika, quando o antigo político promoveu, em 2013, dois encontros na Aula Magna que "juntaram PS, PCP, Bloco de Esquerda, CGTP e UGT contra a austeridade".
Ouvem-se risos nas bancadas da direita quando Pedro Nuno Santos, aludindo ao ano de 2009, quando Mário Soares, "na maior recessão económica mundial", afirmou que os socialistas europeus "têm de compreender que, no atual momento, os seus adversários são os conservadora e a direita e não a esquerda, mesmo a radical".
Pedro Nuno Santos termina e é aplaudido por todas as bancadas à esquerda, com os socialistas em pé.
O deputado social-democrata António Rodrigues considera que "Mário Soares era um verdadeiro animal político" dotado de uma extraordinária capacidade oratória e lembra o papel do político na adesão de Portugal às comunidades europeias.
"Por mais tarjas que pedirem, nunca devemos dar por adquirida a democracia", disse o deputado numa referência à bancada do Chega.
"Honrar Mário Soares é defender a liberdade", diz António Rodrigues, afirmando também que não é concordar com a "sua ideologia". Deputado do PSD é aplaudido por todas as bancadas menos pela do Chega.
O deputado do Bloco de Esquerda, José Soeiro, lembrou Mário Soares, que, "enquanto Presidente da República, foi a Gaza e interveio em nome da paz".
"Tinha relações com Israel e com a Palestina, era amigo de Yasser Arafat. Estava com Arafat em Gaza, em novembro de 1995, quando, em Telavive, um israelita de extrema-direita puxou o gatilho contra Yitzhak Rabin, então líder israelita, que perdeu a vida com dois tiros certeiros. Já antes disso, Soares fora convocado por Arafat para ser mediador, recebera o líder palestiniano em Belém, irritara o governo de então por não desistir de procurar soluções pelos dois estados e de assumir as suas posições", recordou. "Foi sempre marcante, nunca teve medo, nunca se calou", destacou.
"Não se importava que não gostassem dele. Ia em frente, seguia a intuição, disputava a relação de forças e a hegemonia, foi corajoso e livre. Teve os melhores e os piores amigos. Acertou e errou, como todos os seres humanos. Venceu e foi derrotado. Lutou com convicção, indignou-se e nunca pediu desculpa por ser político, e por viver intensamente a política", afirmou.
Bom dia,
Acompanhe aqui a sessão solene na Assembleia da República que assinala o centenário de Mário Soares, histórico dirigente socialista Mário Soares,
A cerimónia tem um modelo idêntico à da sessão que assinalou o 25 de Novembro de 1975, com honras militares e encerrada pelo Presidente da República.
Nesta sessão do centenário de Mário Soares, a diferença mais relevante é o tratamento protocolar de destaque concedido aos dois filhos - Isabel e João Soares - do antigo Presidente República (1986/1996), fundador do PS.
Fala Inês de Sousa Real, do PAN, que diz que a luta contra a ditadura foi o traço mais marcante do percurso político de Mário Soares. A deputada diz que, enquanto eurodeputado, Mário Soares pôs a defesa do meio ambiente no debate político. Um legado "progressista", mas também "ambientalista". Inês de Sousa Real diz que, por tudo isto, "Soares é fixe", lembrando o slogan que conduziu o político à sua primeira vitória em eleições presidenciais, em 1986.
João Almeida, do CDS, evoca todo o legado político de Mário Soares, mas centra-se nos "milhares de portugueses que foram vítimas do seu maior erro", referindo-se aquilo que considera ser uma "descolonização desumana".
Paulo Muacho, do Livre, lembra que "Mário Soares nunca aceitaria que se usasse os estrangeiros como bode expiatório", numa referência ao populismo, que também defende, nunca seria aceite pelo antigo Presidente da República.