Referendo na Catalunha é "mais complexo" do que 'sim' ou 'não' -- músicos catalães

Um referendo à independência da Catalunha não é uma questão de 'sim' ou 'não', "é muito mais complexa", o que não retira a legitimidade de ser realizado, defendem os músicos catalães Maria Arnal e Marcel Bagés.
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Em entrevista à Lusa e à Antena 1, depois do concerto de hoje no Centro de Artes de Sines, integrado no Festival Músicas do Mundo, a dupla de catalães não se furtou a comentar a situação política em Espanha e, concretamente, na Catalunha, onde as autoridades locais planeiam realizar um referendo em outubro deste ano, sem a aprovação do governo central.

"Sou muito a favor de que se faça um referendo", responde, rápida, a vocalista Maria Arnal, logo explicando que o é pelo que essa consulta popular representa como "possibilidade de romper com o esquema de se ter que proibir qualquer movimento não vinculado a um partido político".

Ou seja, é "um movimento interessante", porque desloca o centro do poder político, frisou, assumindo, logo a seguir, que há outra face da moeda menos atraente. "A nível nacionalista, é muito mais complexo. Há certas coisas com as quais estou de acordo e outras em que me parece que o nacionalismo é utilizado pela maioria dos partidos para invisibilizar muitas outras políticas, sobretudo económicas e sociais, que seguem uma linha muito à direita", realça.

"Este conflito serve para distrair do que realmente é importante: mais garantias sociais e económicas para a maioria da população", analisa. Em resumo, o referendo é uma questão "muito mais complexa" do que uma cruz no 'sim' ou no 'não'. "Por isso é tão gulosa, tão interessante para muitos partidos, que a utilizam em seu favor, para terem mais poder", repete.

"Num sítio mais ou menos normal, isto não teria de acontecer", desabafa o guitarrista Marcel Bagés. "Se é triste que um movimento popular exija uma coisa e outro exija outra, também é triste que este seja apropriado por uma parte do poder", critica, admitindo que o referendo é "interessante, por todo o tipo de coisas que gera".

Nenhum deles faz apostas sobre o que vai, ou não, acontecer em outubro. "Não sabemos bem o que se vai passar, mas é preciso avaliar que prioridade é esta. Não será, de certeza, um processo definitivo, vai continuar", arrisca Maria Arnal.

"45 cérebros e 1 coração" é o nome do primeiro álbum desta dupla, que não se cansa de o explicar: há um ano, foram encontrados 45 cérebros e 1 coração numa vala comum do franquismo, regime ditatorial que dominou Espanha durante quase 40 anos.

"Acreditamos que o presente inclui o passado", frisa Maria, enquanto Marcel diz que Espanha está, hoje, ainda, "totalmente" marcada pelo franquismo.

O conceito de "desmemória moderna" atravessa uma das músicas da dupla. O atual Partido Popular, no poder em Espanha, é "o governo de um ditador que amanheceu democrático", descrevem.

"Que não nos interesse, que não escutemos, que não procuremos... fomos educados assim. Devemos tentar reverter, no dia-a-dia, todos os padrões que nos tentam inculcar", defende Marcel. Essa desmemória é visível "a muitos níveis, mentais, educacionais, mas viscerais também, que têm a ver com o medo, incluindo o de dizer publicamente que opinião se tem, sentimento herdado de gerações que passaram muito terror", recorda Maria.

"Os anos que chegam a nós têm muitas fendas, ainda muito negras, e nós não as olhamos com tanto medo como as olham os nossos pais, os nossos avós", descreve Maria. "Herdámos esse medo de quem viveu os acontecimentos na primeira pessoa, os nossos avós, os nossos pais, mas nós não os vivemos na primeira pessoa e então temos um certo espaço, que podemos conquistar", acrescenta Marcel.

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