Os "astros estão alinhados" para o arranque da política europeia de defesa - analista
"Os astros estão todos alinhados: temos o Brexit, Donald Trump, Angela Merkel e o novo Presidente francês, Emmanuel Macron, que se apresenta voluntarioso e com vontade de fazer coisas novas e de deixar marcas. Alguns passos serão dados seguramente no final do ano em direção a uma defesa europeia comum", afirmou em entrevista à agência Lusa o diretor do programa "Europa no Mundo" no Egmont -- Royal Institute for International Relations, um influente instituto de análise na área da política externa, defesa e segurança com sede em Bruxelas.
Biscop antecipa que o Brexit venha a causar "mais problemas" à política externa da União Europeia do que uma política europeia de defesa comum, até pela própria natureza das operações no domínio da defesa, que podem ter diferentes enquadramentos: NATO, Nações Unidas, União Europeia, coligações "ad hoc" temporárias, etc.
"O Reino Unido deixará a União Europeia, mas não deixará de ser Europa. E, se a segurança da Europa exigir uma operação militar, penso que é muito provável que o Reino Unido faça parte dela", afirmou, à margem da conferência "Europe as a global Actor", a decorrer no ISCTE, em Lisboa.
Já em relação à política europeia de defesa, o investigador diz que o Brexit veio trazer um novo impulso à construção de um edifício cuja decisão vem a ser adiada há décadas. "Atualmente muitos Estados-membros querem avançar com a integração de capacidades militares. O Reino Unido nunca quis isso. Neste sentido, o Brexit cria uma aceleração do debate", afirmou Sven Biscop.
Quanto à política externa, o Reino Unido é um ator diplomático muito importante, membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas, e o envolvimento de Londres na política externa da UE, "incluindo nos seus processos de decisão", é uma questão vital para ambos os lados do tabuleiro, para a qual terão que ser criados "mecanismos novos". "Se a União Europeia não conseguir envolver o Reino Unido, será uma perda para ambos os lados", diz Sven Biscop.
Se o Brexit, criou um "novo momento" para o avanço da política europeia de defesa, a eleição de Donald Trump para Presidente dos Estados Unidos "acelerou mesmo o debate".
"Primeiro tivemos o Brexit, que levantou a questão, e depois houve este estímulo extra resultante da eleição de Donald Trump. Os europeus não querem ver-se livres dos Estados Unidos, mas penso que [a chegada de Trump à Casa Branca] levou-os a pensar num plano B. Sentem que talvez não possam estar tão seguros em relação aos Estados Unidos quanto pensavam", afirmou o investigador.
Biscop sublinha as palavras de Angela Merkel, no final da última cimeira da NATO no início de maio, quando a chanceler alemã veio dizer que os europeus "precisam de alguma autonomia estratégica".
"Isso é mesmo novo", reforça o investigador, lendo na declaração de Merkel um sinal de que os europeus "começam a pensar", não em substituir a sua aliança com os Estados Unidos, mas em complementá-la, criando uma autonomia estratégica mínima com a capacidade para resolver por si determinado tipo de problemas.
"Penso que essa é uma reação clara a Trump", remata Biscop, ainda que reconheça que "a ideia não é nova".
Se o investigador vê "uma mudança" na forma como os Estados membros encaram a ideia de uma defesa comum, não tem, por outro lado, a "certeza" de que os 27 venham a fazer alguma coisa em consequência disso. "Depende da concertação entre a França e a Alemanha. Se os dois países se unirem, outros juntar-se-ão", diz.
Em todo o caso, "alguma coisa acontecerá seguramente no final do ano. Serão dados passos", garante Biscop.
Esses "passos", no entanto, podem não ser grandes, ressalva o analista. O Conselho Europeu que se realiza no final desta semana vai levar à mesa dos chefes de Estado ou de Governo questões como o reforço da cooperação da UE em matéria de segurança externa e defesa, assim como em matéria de segurança interna, mas Biscop faz votos de que "alguma coisa mais significativa" neste domínio aconteça no próximo Conselho no final do ano.
"Não tenho, porém, a certeza de que serão passos grandes. Se viermos a assistir a mais um movimento de incremento de políticas, não será suficiente. Precisamos de um salto significativo", defende.
"Até agora tivemos cooperação de forças, precisamos de uma integração de forças, o que é uma coisa completamente diferente. Mas ainda não tenho a certeza de que seja isso que os Estados-membros querem. A Comissão Europeia está a dar uma ajuda, porque colocou dinheiro em cima da mesa destinado à defesa europeia. Serão mil milhões de euros anuais para financiar projetos conjuntos, que sirvam o interesse coletivo da União. É mais um dado novo, vamos ver", diz.