Europeias: Redes sociais não devem substituir "para já" comícios e arruadas - investigadores

Lisboa, 23 mai 2019 (Lusa) -- As redes sociais não deverão, "para já", substituir a campanha tradicional dado que os partidos não querem abdicar de iniciativas eleitorais como comícios e arruadas, organizadas "para ganhar a atenção dos media", defendem investigadores ouvidos pela Lusa.
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Pedro Pereira Neto, doutorado em Ciências Sociais com especialização em Sociologia Política, disse à agência Lusa que as iniciativas que tradicionalmente enchem as agendas das campanhas eleitorais, como os comícios e as arruadas, "não são feitas, em primeira instância, para cativar a população ela própria, mas para serem eventos de cobertura mediática facilitada".

"Nós vamos para a rua, para um comício, não para convencer ou persuadir alguém a mudar o seu sentido de voto, mas para criar um evento que possa ser mediatizado pelos meios de comunicação mais tradicionais", considerou o docente do mestrado em Comunicação, Cultura e Tecnologias de Informação do ISCTE -- Instituto Universitário de Lisboa, acrescentando que "acontece exatamente o mesmo quando os líderes destes partidos escolhem o horário nobre para se dirigirem aos militantes nos comícios".

Este tipo de evento, explicou Pedro Pereira Neto, é "o isco pensado para ganhar a atenção dos media, eles sim que depois amplificam a mensagem" que as forças políticas querem passar, mas "a utilidade da arruada ou do comício em si mesmo, junto da população numa lógica de proximidade", é "mais secundária do que primária".

Tiago Lapa, também doutorado em Sociologia com especialização em comunicação, salienta que "teria algum cuidado em dizer que acabou a era da comunicação de massa e que agora as campanhas eleitorais vão estar assentes essencialmente na comunicação em rede e na utilização das plataformas digitais e dos media sociais".

"Eu não estou a ver que um partido tradicional abdique de modalidades de campanha já bem estabelecidas, e das arruadas, e do contacto pessoal, do contacto até com os líderes locais [...] não me parece que, para já, as redes sociais online e as plataformas digitais venham a substituir isso", advogou.

A campanha para as eleições europeias de domingo foi exemplo disso. Apesar de as candidaturas terem utilizado as plataformas 'online' para difundirem algumas mensagens, os partidos não abdicaram de fazer a "volta nacional" junto das populações, de visitarem empresas, de marcarem presença em feiras e de organizarem almoços, jantares e comícios.

Numa consulta efetuada hoje aos perfis de 'Twitter' dos cabeças de lista ao Parlamento Europeu, Rui Tavares (do Livre) é aquele que conta com mais seguidores -- 54.700, seguido de Marisa Matias, do BE, com 42.800.

Já no 'Facebook', a eurodeputada bloquista sobre ao primeiro lugar, com mais de 97.500 gostos na sua página oficial naquela rede social. Paulo de Morais leva a medalha de prata neste campo, uma vez que 90.000 pessoas gostaram da página do cabeça de lista do Nós, Cidadãos.

Dando o exemplo das últimas eleições presidenciais de 2016, em que foi eleito o atual chefe de Estado, Marcelo Rebelo de Sousa, Tiago Lapa indicou que "quem ganhou foi claramente o candidato dos meios de massa e o candidato da televisão", e isso mostra que ser necessária cautela "em relação a descartar já a importância dos meios de comunicação de massa" porque "ainda são extremamente importantes".

O docente e investigador na área da comunicação, que também integra o ISCTE, apontou que, para a subida de importância das redes sociais nas campanhas eleitorais, como já aconteceu noutros países (Brasil, Estados Unidos da América, ou Reino Unido no caso do referendo para a saída da União Europeia) o "contexto político é bastante importante".

O académico elencou que existem "vários fatores que favorecem a utilização dos media sociais em contextos eleitorais", entre eles "o declínio do poder dos órgãos de comunicação social locais e nacionais ligados aos media de massa" ou o facto de existirem na internet "novos concorrentes aos jornalistas", como por exemplo os influenciadores, "que conseguem ter uma voz muito grande nas comunidades 'online', o que, por vezes, leva a que informações falsas sejam difundidas "de uma forma muitas vezes concertada".

Ambos os académicos apontam que a comunicação social atravessa "uma crise", o que tem levado os cidadãos a procurarem outras fontes de informação.

Pedro Pereira Neto explicou que "é também porque os meios tradicionais abdicaram de fazer o seu trabalho como ele sempre foi útil, que muita gente começou a satisfazer-se apenas com a informação que as redes virtuais ofereciam".

Tiago Lapa refere que "vários estudos indicam tem havido um decréscimo da confiança da informação que as pessoas recebem dos media tradicionais", que "perderam claramente o quase monopólio que tinham em termos de circulação de informação noticiosa e política".

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