Ao fim de cinco anos e 12 números da revista literária editada pela Tinta-da-China - dez edições em Portugal e mais duas dos dois lados do Atlântico, publicadas simultaneamente em Portugal e no Brasil -, Carlos Vaz Marques sai da direção por sua vontade, para se "dedicar a outros projetos". .O próximo número da Granta em Língua Portuguesa, o terceiro, a sair em maio de 2019, passa a ter um diretor em Portugal -- Pedro Mexia -- e um diretor no Brasil -- Gustavo Pacheco..O escritor e crítico literário Pedro Mexia já tem um longo trabalho com a editora Tinta-da-China, na qual é responsável pela sua coleção de poesia, ao passo que Gustavo Pacheco é um escritor, tradutor e diplomata brasileiro, cujo primeiro livro, "Alguns humanos", foi publicado por esta editora..Segundo a Tinta-da-China, "ambos acompanham de perto o trabalho da Granta-mãe, e darão continuidade ao papel desempenhado pela revista literária no espaço da língua portuguesa"..Para este último número sob a direção de Carlos Vaz Marques, o tema escolhido foi "Deus/es", um mote lançado aos autores convidados para escrever nesta edição, da mesma forma que o ilustrador André Carrilho lança, na ilustração da capa, uma escada para o céu, onde "ninguém sabe o que o espera ao subi-la"..Carlos Vaz Marques, que não acredita em Deus, sabe que ele existe, "de tanto ter lido a respeito dele", como sabe que existem Romeu e Julieta, D.Quixote e Sancho Pança, Emma Bovary e Anna Karénina, o monstro Frankenstein, o "triângulo trágico" formado por Simão Botelho, Teresa e Mariana ou o casal Bentinho e Capitu, figuras imaginárias que se tornaram "mais reais do que hordas humanas de carne e osso, de que não subsiste memória"..No 'incipt' que assina, Carlos Vaz Marques considera que os autores destas personagens -- Shakespeare, Cervantes, Flaubert, Tolstoi, Mary Shelley, Camilo e Machado de Assis - são também eles "deuses criadores", como o "autor anónimo e universal que criou o mundo ou foi criado por ele"..Citando Voltaire e a sua famosa máxima, segundo a qual "se Deus não existisse teria de ser inventado", Carlos Vaz Marques considera que "a noção de transcendência é universal"..Foi nessa linha que foi composta esta edição, para a qual Daniel Blaufuks, curador de imagem, convidou o fotógrafo português António Júlio Duarte e a fotógrafa brasileira Lúcia Koch a assinarem os ensaios fotográficos..André da Loba ilustrou os 13 textos de ficção, reflexão e reportagem, o primeiro dos quais, de Ana Cristina Leonardo, é uma deambulação por entre citações, demonstrando que a ideia de deus é um catalisador literário..O conto da brasileira Luisa Geisler tem orixá, pai de santo, uma gata vítima de macumba e um casal em decomposição, ao passo que a história da também brasileira Vanessa Bárbara, mais conforme ao imaginário católico, tem um padre "neo-panteísta", capaz de ver a presença de deus nos mais surpreendentes aspetos da vida..O texto de Pedro Eiras põe o leitor face a face com um deus terrível e terreno, diferente do deus de José Gardeazabal, que é dotado de um "sentido de humor enviesado"..Isabel Rio-Novo apresenta uma 'pietá', em que o mistério da morte interpela o que há de mais misterioso na vida, da mesma forma que se apresentam misteriosos os desígnios do sexo, na crónica memorialística do contista brasileiro Sérgio Sant'Anna..Entre os textos traduzidos, conta-se uma extensa reportagem de Susana Ferreira, uma canadiana de ascendência portuguesa, sobre as tensões religiosas no Haiti, no rescaldo do terramoto de 2010..Desde o número anterior, publicado em maio, que a revista mudou: passou a chamar-se Granta em Língua Portuguesa (em vez de Granta Portugal), porque passou a ser publicada simultaneamente em Portugal e no Brasil, integrando autores brasileiros e do espaço lusófono..Daniel Blaufuks é, desde então, diretor de imagem, responsável por escolher os fotógrafos e os ilustradores para cada novo número..A periodicidade semestral mantém-se (maio e outubro), e a revista será composta por textos originais de autores lusófonos (convidados por ambos os diretores), por textos do arquivo histórico da Granta, por ilustrações originais e ensaios fotográficos.