Escondido no vasto terreno da Tapada da Ajuda está o Observatório Astronómico de Lisboa. Aqui já não se fazem atividades dedicadas à astronomia, mas a história que tem para contar continua presente em todas as salas e instrumentos. O Observatório está no terreno do Instituto Superior de Agronomia, mas é tutelado pelo Museu de História Natural e da Ciência que funciona no âmbito da Universidade de Lisboa..Ao entrar no edifício desta instituição de referência da astronomia em Portugal parece que o tempo parou, tudo está como era quando foi inaugurado no século XIX, faltam apenas os astrónomos. A sala poente está alinhada com o meridiano de Lisboa e era aqui que se faziam as medições das coordenadas. Bruno Ribeiro, geólogo do Museu de História Natural e da Ciência, explica que os instrumentos de medição, presentes em todas as salas, foram assentes numa estrutura que não tem ponto de contacto com o resto do edifício para assim evitar que as oscilações do chão de madeira afetassem as medições que ali se faziam..A maioria dos instrumentos estão ainda nos seus locais originais. "É extraordinário tudo isto nunca ter sido desmantelado, o que é um dos grandes valores patrimoniais deste Observatório", comenta Marta Lourenço, a diretora do Museu de História Natural, que estima existirem no edifício entre 200 e 500 instrumentos científicos, sobretudo do século XIX, mas que foram sendo adaptados para aumentar o ciclo de vida do Observatório..Além disso, o espólio ainda inclui cerca de 13 200 livros, apesar de o museu apenas ter tutela sobre o património histórico e não sobre livros de astronomia da atualidade. O arquivo histórico inclui ainda faturas, cartas, descrições dos instrumentos, desenhos e fotografias. "O Observatório é uma riqueza, tendo em conta o edifício, os instrumentos que ali estão, o arquivo e a biblioteca", diz Marta Lourenço..A mudança de paradigma de uma astronomia geométrica ou de posição, que mede latitudes ou longitudes, para astrofísica tornou obsoleto este observatório típico do século XIX. Enquanto por toda a Europa os países optaram por modernizar os espaços e instrumentos que tinham para continuar a utilizá-lo, Portugal manteve aquilo que tinha. Apenas a sala da hora, onde se faziam os cálculos para definir a hora legal, é que teve os seus instrumentos atualizados..Quando o Observatório passou a depender da Universidade de Lisboa, foi decidido que a tutela da hora legal deveria passar para o Instituto Português de Qualidade (IPQ). "Ficámos com o património histórico e a hora legal ficou com a Universidade de Ciências porque não temos capacidade. Temos historiadores e biólogos mas não temos físicos para a questão da hora legal", explica Marta Lourenço..Corria o ano de 1846 e o astrónomo francês Harvey Faye e o alemão Christian Peters anunciavam ter determinado algumas localizações de estrelas, entre as quais a de uma que pertencia à constelação Ursa Maior. Durante vários anos, os astrónomos travaram discussões sobre quem teria razão, até que Faye propôs que se fizessem observações desta estrela a partir de Lisboa..Vários locais foram considerados para colocar o Observatório, nomeadamente o Príncipe Real ou o Parque Eduardo VII, mas a falta de estabilidade do solo naqueles locais empurrou o edifício para a Tapada da Ajuda. Este terreno, na altura, pertencia à Casa Real e o Rei D. Pedro V cedeu-o prontamente para a construção do edifício e, inclusive, contribuiu com dinheiro da sua dotação pessoal. O projeto foi executado pelo arquiteto francês Jean-François Colson, numa adaptação mais pequena do Observatório de Pulkovo, em São Petersburgo..A construção deste edifício e tudo o que o rodeia não foi feito por acaso. "As plantas do jardim foram especificamente escolhidas para absorver poeiras e ajudar no controlo da temperatura e da humidade. Tudo foi pensado com o objetivo de ter as melhores observações possíveis", explica Bruno Ribeiro, que é responsável pelas visitas orientadas ao museu, todas as quartas-feiras às 15.00 horas..Durante os quatro anos que demorou a construir o Observatório, Frederico Augusto Oom, o seu primeiro diretor, estagiou na Rússia para aprender a utilizar os instrumentos que seriam semelhantes aos que foram enviados para Lisboa. As observações astronómicas regulares começaram em 1867..Marta Lourenço espera agora que no futuro o Observatório se torne mais conhecido, mas não massificado. "Temos histórias fantásticas para contar, mas tem de ser através do contacto interpessoal, com guias altamente qualificados e grupos pequenos. Esta é uma joia que não se pode massificar, mas ao mesmo tempo queremos chegar a toda a sociedade civil", sublinha. O Observatório só abre para visitas uma vez por semana, mas o objetivo é, com o tempo, aumentar a frequência destas visitas..Para concretizar estes objetivos, o museu quer aliar a parte histórica com a divulgação da astronomia. "O nosso plano para o futuro está assente nas colaborações com as várias instituições a que estamos ligados, na abertura à sociedade e no acesso universal. Mais à frente gostaríamos de articular com o observatório mais pequeno que temos no Jardim Botânico de Lisboa", explica a diretora..Marta Lourenço espera que estes planos permitam contar a história local e global que está no Observatório e devolver à cidade aquele que considera ser o tesouro mais bem escondido de Lisboa..sara.a.santos@dn.pt