Fenianos Portuenses. 120 anos de um “bastião da liberdade”

Por entre as salas e salões que se sucedem ao longo dos dois andares no interior do edifício projetado por Francisco Oliveira Ferreira, um dos nomes maiores da arquitetura portuense do início do século XX, há um sem número de objetos e histórias a evocar o espírito de um Porto liberal e republicano, esteio de resistência e de liberdade, espaço de cultura e reflexão, que desde a fundação se inscreveu como razão de ser do Clube Fenianos Portuense. Hoje, 120 anos depois, a instituição recusa-se a viver apenas das memórias desses tempos grandiosos em que chegou a ter 15 mil sócios e em que frequentavam os salões do clube algumas das figuras mais ilustres da urbe, e procura renovar-se diariamente, no espírito dos fundadores, como “um espaço cultural, de debate e de liberdade”, sintetiza o atual presidente, Vítor Tito..De um salão para o outro, vamos intercalando entre os ensaios do mais antigo coro do Porto, que ocupa alguns dos frequentadores de longa data, as aulas de ballet, onde meninas russas e ucranianas cabem na mesma coreografia, oficinas de artes plásticas, onde os petizes já preparam o Natal, um anfiteatro pronto a ser convertido em cineteatro, clube de ilusionismo, secção de bilhar, instalações temporárias do regressado Teatro Experimental do Porto (que aqui nasceu em 1950), salão de jogos e leitura, banda jazz, exposições de fotografia, até uma secção de carros clássicos….Um sem fim de atividades que vão renovando a história do clube, paredes meias com o museu - que guarda relíquias como um busto da República ou uma máquina de projetar que pertenceu ao portuense Aurélio da Paz dos Reis, autor do primeiro filme português e antigo sócio feniano - e com a centenária biblioteca que exibe preciosidades como uma 1.ª Edição das obras completas de Voltaire (70 volumes) ou um exemplar da edição do 300.º aniversário d’Os Lusíadas, e mantém orgulhosamente o Mein Kampf de Hitler ao lado de O Capital de Marx. “É que as pessoas têm de ler os dois”, reitera Vítor Tito..Apesar do termo fenianos estar ligado aos combatentes irlandeses antibritânicos do movimento pró-separação da Irlanda do início do século XIX, a origem da nomenclatura do clube portuense tem por trás um motivo mais festivo, cultural, ligado à tradição dos grandes corsos carnavalescos brasileiros, que o grupo de jovens fundadores queria replicar no Porto. “Mas, desde o início, o clube assumiu-se como um espaço de debate e reflexão”, conta o atual presidente. “Durante a Primeira República, acolheu figuras ilustres, incluindo vários presidentes e líderes políticos, que frequentavam o espaço para discutir ideias e promover mudanças sociais”..Os Fenianos Portuenses nasceram em 1904 num outro espaço, antes de se instalar, em 1920, neste edifício centenário, sobranceiro à Avenida dos Aliados, mesmo ao lado da Câmara Municipal do Porto. Mas a primeira sede foi destruída durante o golpe contrarrevolucionário da Monarquia do Norte, em 1919, que se seguiu ao assassinato de Sidónio Pais, o “Presidente-Rei” (também ele um feniano), no conturbado período político que iria desembocar na ditadura do Estado Novo..“Ao longo do século XX, o clube destacou-se como um bastião da liberdade. Durante o Estado Novo, foi um dos poucos espaços onde a censura e a repressão não penetraram completamente”, refere Vítor Tito..A força política e social dos Fenianos, aliada à sua reputação de defesa da cultura, permitiu-lhes realizar atividades e debates que escapavam ao controlo da PIDE, a polícia política de Salazar. Entre os projetos mais notáveis, nesse período, está o ciclo de conferências Porto, Cidade da Liberdade, que reuniu intelectuais como Miguel Torga e Óscar Lopes, desafiando o regime através de debates sobre temas sociais e políticos. Além disso, recorda Tito, “o clube criou uma editora para publicar os textos dessas conferências, não em livro, mas em formato de folheto de distribuição livre, para evitar ter de ir à censura”..Hoje, o clube tenta retomar essa tradição, organizando regularmente debates sobre “temas relevantes para a sociedade”, que “permitam reflexão e criação de conhecimento”. E, fundamentalmente, diz Vítor Tito, “que recuperem a importância do Porto na discussão dos temas da política, para lá dos termos partidários. Acho que é necessário que o Porto volte a produzir pensamento político, sem falar apenas na regionalização. Um Porto que volte a ter relevância nesse aspeto”, como quando o salão nobre dos Fenianos se enchia para os acesos debates de então..Dentro desse espírito, os Fenianos Portuenses acolhem este sábado (30), a partir das 16.00 horas, uma conferência integrada nas comemorações do seu 120.º aniversário e dedicada a debater “um dos mais urgentes temas da atualidade”: A Democracia está em risco?.Tal como acontece com todos os eventos acolhidos pelos Fenianos, desde concertos de música clássica a peças de teatro, também este debate será gratuito e aberto ao público, até ao limite da lotação do imponente Salão Nobre. “A filosofia do clube sempre foi inclusiva e universalista. Ao contrário de outras instituições, os Fenianos nunca se fecharam em elites. Nós somos uma instituição cultural e uma instituição de utilidade pública desde 1928. Estamos aqui para servir o Porto e servir o país”, resume o presidente do Clube Fenianos Portuenses..Rio e Carneiro em painel de debate sobre a democracia.A Democracia está em risco? A pergunta ganha cada vez mais urgência num contexto mundial de radicalismos crescentes e vitórias populistas e a recente vitória de Trump, pela segunda vez, nos EUA reforçou a pertinência do debate, admite o presidente do Clube Fenianos Portuenses. Por isso, o Salão Nobre do clube acolherá este sábado (30), a partir das 16.00 horas, Rui Rio, ex-presidente da CM Porto e do PSD, o antigo ministro da Administração Interna do Governo PS José Luís Carneiro, também Manuel Monteiro, antigo líder do CDS, a presidente da Mesa do Livre, Patrícia Gonçalves, e a vice-reitora da Universidade do Porto, Fátima Vieira. Da reforma das instituições à reforma do sistema eleitoral ou novas formas de uma construção colaborativa, os caminhos de possível regeneração da democracia estarão em análise nos Fenianos Portuenses.

Fenianos Portuenses. 120 anos de um “bastião da liberdade”

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