A morte de um jovem de 17 anos, atingido a tiro pela polícia durante um controlo de trânsito em Nanterre (nos arredores de Paris), desencadeou uma onda de violência em França depois de um vídeo ter posto em causa a versão dos agentes do que aconteceu. Nos confrontos, na madrugada de terça para quarta-feira, 31 pessoas foram detidas, 24 polícias ficaram feridos e 42 veículos foram incendiados. A mãe do jovem apelou a uma "marcha branca" de homenagem ao filho, esta tarde, junto ao local onde foi morto..Nahel foi parado por dois polícias após alegadamente ter violado várias regras de trânsito, acabando atingido a tiro no peito. As autoridades indicaram que um agente de 38 anos, que está em prisão preventiva enquanto aguarda a investigação por homicídio voluntário, teria disparado porque ele tinha conduzido o carro na sua direção. Uma versão que Florian M., que os colegas dizem não ser um "cabeça quente", manteve no primeiro interrogatório..Mas o vídeo, que circula nas redes sociais, mostra os dois agentes ao lado do carro que está parado, um deles a apontar a arma ao condutor. Ouve-se alguém dizer: "Vais levar um tiro na cabeça", não sendo claro quem disse essas palavras. Quando o carro arranca abruptamente, o agente dispara. O veículo viria a embater a seguir num poste, com um passageiro - também menor - a ser detido e outro a fugir..Segundo a imprensa francesa, Nahel (que não teria carta de condução) já era conhecido das autoridades por outros casos em que não tinha obedecido em controlos de trânsito - a última vez durante o fim de semana. O advogado da família (era filho de mãe solteira, com quem vivia) diz que isso não conta para o caso e que ele era apenas um "distribuidor de pizza" que foi morto às mãos da polícia. Há três anos que jogava râguebi. .O caso ocorreu na manhã de terça-feira e os protestos não demoraram, agravando-se durante a noite e até de madrugada. Esta quarta-feira, mais de dois mil polícias antimotim foram destacados para tentar evitar uma nova noite de violência, mas à tarde já havia novos incidentes..O presidente francês, Emmanuel Macron, apelou à calma, dizendo que a morte do adolescente é "inexplicável e indesculpável" - palavras criticadas pelos sindicatos da polícia. O presidente disse ainda esperar que a justiça "faça o seu trabalho com celeridade e que a verdade possa ser conhecida sem atrasos". Já a primeira-ministra, Elisabeth Borne, falou no Senado de uma intervenção "que não parece manifestamente conforme às regras de abordagem"..A porta-voz do grupo parlamentar da Reunião Nacional, Marine Le Pen, considerou "excessivas" as declarações de Macron, lembrando que cabe à justiça decidir. Mostrou-se a favor da "presunção de legítima defesa para as forças da ordem", lembrando que "a polícia já não tem, em vários bairros, a mínima autoridade e isso coloca vidas em perigo". Já o líder da França Insubmissa, Jean-Luc Mélenchon, defendeu "reformar a polícia"..A morte de Nahel é a segunda de um jovem durante um controlo de trânsito em 2023. Há duas semanas, durante a madrugada, outro jovem de 19 anos foi morto nos subúrbios de Angoulême, depois de alegadamente ter tentado fugir e ter atingido um agente nas pernas. Tal como Nahel não resistiu aos ferimentos após ter sido atingido a tiro no peito.No ano passado, um recorde de 13 pessoas foram mortas pela polícia neste tipo de controlos de trânsito, um número que as autoridades e os sindicatos policiais atribuem a um estilo de condução mais perigoso, mas que os especialistas dizem dever-se à alteração em 2017 da lei do uso da arma de fogo por parte dos agentes. .Se até então os polícias tinham, como qualquer outra pessoa, de provar a legítima defesa, depois da aprovação da lei podem disparar sobre um veículo "cujos ocupantes são suscetíveis de perpetrar, na sua fuga, atentados contra a vida ou sua integridade física" dos agentes ou de terceiros. O uso de armas é autorizado apenas "em caso de absoluta necessidade e de maneira estritamente proporcional", segundo a lei. Há quem alegue que, na prática, os polícias podem disparar a arma desde que o condutor recuse parar e que eles pensem que a sua segurança está em risco..À margem da morte de Nahel, um socorrista que foi chamado ao local e que foi filmado a criticar a polícia - alegadamente não terá sido o agente envolvido - foi também colocado em prisão preventiva por ameaças. "Nanterre vai buscar-te a casa", disse. Por seu lado, o governo apresentou queixa contra um grupo de polícias (France Police) que, numa mensagem no Twitter, escreveram: "Bravo aos colegas que abriram fogo contra um jovem criminoso de 17 anos. Ao neutralizar o veículo, protegeram a sua vida e das outras pessoas na rua. Os únicos responsáveis da morte deste bandido são os pais, incapazes de educar os filhos"..susana.f.salvador@dn.pt