Ursula von der Leyen esteve duas semanas com a agenda cancelada no início deste ano devido a uma pneumonia grave.
Ursula von der Leyen esteve duas semanas com a agenda cancelada no início deste ano devido a uma pneumonia grave.Adam Berry/União Europeia

Ursula von der Leyen e os seus vários casos de falta de transparência

A semana que a presidente da Comissão Europeia esteve no hospital no início do ano só foi conhecida após o seu regresso a casa, voltando a acender as críticas de falta de transparência por parte da política alemã.
Publicado a
Atualizado a

O gabinete de Ursula von der Leyen anunciou no dia 3 que a presidente da Comissão Europeia ia cancelar a sua agenda durante duas semanas por causa de uma “pneumonia grave”, mas com a garantia de que iria manter-se “em contacto permanente com as suas equipas” e continuaria “a exercer as suas funções à distância”. A porta-voz Paula Pinho chegou a ser questionada sobre se a alemã tinha sido hospitalizada, tendo respondido que não havia atualizações a fazer sobre o seu estado de saúde, mas só a 10 de janeiro, quando uma notícia da agência DPA deu conta que von der Leyen tinha estado hospitalizada cerca de uma semana e que tinha acabado de regressar a casa em Hanôver, essa informação acabou por ser confirmada por Bruxelas, levando a acusações de falta de transparência, que foram negadas pela portuguesa, que garantiu que “fornecemos todas as informações críticas sobre o estado de saúde da presidente da Comissão”.

Para o especialista em comunicação institucional e criador do blogue Decifrar a Comunicação Europeia, Mickael Malherbe, em declarações à RTBF, “o secretismo do presidente da Comissão Europeia coloca o serviço de porta-voz em grandes dificuldades durante o resto do mandato de Ursula von der Leyen”.

E este episódio recente não é a primeira vez que Ursula von der Leyen é alvo de críticas por falta de transparência.

Pfizergate

O mesmo já tinha acontecido com o Pfizergate, espoletado em abril de 2021, quando o New York Times revelou que a presidente da Comissão Europeia tinha negociado por SMS com o CEO e chairman da Pfizer, Albert Bourla, a compra de 1,8 mil milhões de vacinas contra a covid-19 por cerca de 36 mil milhões de euros. A provedora de Justiça Europeia, Emily O’Reilly, pediu insistentemente o acesso às mensagens entre os dois, com a Comissão a responder que não tinha encontrado esses SMS e que, mesmo que se eles existissem não poderiam considerados oficiais. Só em novembro último, e perante o Tribunal da União Europeia, é que a existência dessas mensagens foi admitida, mas recusando a sua importância. O'Reilly, que será substituída no cargo em fevereiro pela portuguesa Teresa Anjinho, disse numa entrevista há menos de um mês que a cultura de falta de transparência do executivo europeu liderado por Ursula von der Leyen tem vindo a piorar com o tempo. “A cultura vem sempre de cima”, disse a provedora de Justiça Europeia ao Politico, acrescentando que se a informação está a ser “retida por razões políticas e essa cultura vem de cima, então sim, é provavelmente a presidente [von der Leyen] e o seu gabinete que estão a definir a cultura”.

Menos nomes na lista de contactos

Desde abril de 2023, e na sequência de uma nova política da Comissão, que o diretório Quem é Quem UE, a lista de contactos online de telefones e endereços de e-mail de quem trabalha na instituições europeias, ficou mais reduzida, passando a aparecer apenas chefes de unidade e superiores. “Para além das suas obrigações relacionadas com a transparência e a prestação de contas, a Comissão tem o dever de proteger o seu pessoal, especialmente aqueles que lidam com ficheiros sensíveis”, explicou, na altura, um comunicado da Comissão. “Para evitar que estes colegas sejam sujeitos a pressões indevidas de fontes externas, o acesso aos nomes e dados de contacto do pessoal não administrativo foi limitado”. Já para Emma Brown, vice-presidente da Sociedade dos Profissionais de Assuntos Europeus, esta limitação “tornará mais difícil o trabalho daqueles que estão nos assuntos públicos, representará um revés para a transparência e conduzirá a um processo de tomada de decisão da UE mais opaco”, conforme relatou ao Politico.

Nomeação de aliado da CDU

O último mês de abril foi marcado por outra polémica em torno de Ursula von der Leyen, que decidiu nomear o então eurodeputado Markus Pieper - eleito pela CDU, o mesmo partido da presidente do executivo europeu - para representante das Pequenas e Média Empresas, um cargo com um vencimento mensal de cerca de 20 mil euros. Esta nomeação foi muito contestada por vários comissários europeus, com o francês Thierry Breton, responsável pelo Mercado Interno, à cabeça, mas também no Parlamento Europeu – os eurodeputados votaram 382-144 a favor da anulação da sua nomeação. Foi também noticiado que, no processo de seleção para o cargo, outros dois candidatos terão recebido notas mais elevadas nos testes.

Face a estas pressões, e embora já tivesse assinado contrato, Pieper acabou por renunciar ao cargo de enviado para as Pequenas e Médias Empresas horas antes de assumir funções, tendo apontado o dedo a Breton numa mensagem no X, acusando-o de “boicotar antecipadamente” a sua nomeação e que o cargo estava a ser abusado por razões político-partidárias”.

“Tal como acontece com todas as nomeações para a Comissão, a transparência, a colegialidade e a meritocracia no processo de seleção são vitais para a credibilidade do cargo e da instituição como um todo”, referiu Thierry Breton depois da concessão de Pieper.

Relatório adiado em troca de apoio de Meloni

Dois meses depois da polémica com Pieper, e pouco mais de uma semana após as eleições europeias, foi noticiado pelo Politico que Ursula von der Leyen adiou a publicação de um relatório da União Europeia onde se constatava a liberdade de imprensa em Itália estava a diminuir desde a subida de Giorgia Meloni ao poder em 2022, alegadamente em troca do apoio da primeira-ministra italiana à sua reeleição como presidente da Comissão Europeia. Segundo várias fontes ouvidas pelo Politico, era suposto este relatório anual sobre o Estado de direito nos 27 fosse tornado público a 3 de julho, mas que seria adiado até à nomeação do novo líder do executivo europeu.

ana.meireles@dn.pt

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt