O gabinete de Ursula von der Leyen anunciou no dia 3 que a presidente da Comissão Europeia ia cancelar a sua agenda durante duas semanas por causa de uma “pneumonia grave”, mas com a garantia de que iria manter-se “em contacto permanente com as suas equipas” e continuaria “a exercer as suas funções à distância”. A porta-voz Paula Pinho chegou a ser questionada sobre se a alemã tinha sido hospitalizada, tendo respondido que não havia atualizações a fazer sobre o seu estado de saúde, mas só a 10 de janeiro, quando uma notícia da agência DPA deu conta que von der Leyen tinha estado hospitalizada cerca de uma semana e que tinha acabado de regressar a casa em Hanôver, essa informação acabou por ser confirmada por Bruxelas, levando a acusações de falta de transparência, que foram negadas pela portuguesa, que garantiu que “fornecemos todas as informações críticas sobre o estado de saúde da presidente da Comissão”. Para o especialista em comunicação institucional e criador do blogue Decifrar a Comunicação Europeia, Mickael Malherbe, em declarações à RTBF, “o secretismo do presidente da Comissão Europeia coloca o serviço de porta-voz em grandes dificuldades durante o resto do mandato de Ursula von der Leyen”. .E este episódio recente não é a primeira vez que Ursula von der Leyen é alvo de críticas por falta de transparência.PfizergateO mesmo já tinha acontecido com o Pfizergate, espoletado em abril de 2021, quando o New York Times revelou que a presidente da Comissão Europeia tinha negociado por SMS com o CEO e chairman da Pfizer, Albert Bourla, a compra de 1,8 mil milhões de vacinas contra a covid-19 por cerca de 36 mil milhões de euros. A provedora de Justiça Europeia, Emily O’Reilly, pediu insistentemente o acesso às mensagens entre os dois, com a Comissão a responder que não tinha encontrado esses SMS e que, mesmo que se eles existissem não poderiam considerados oficiais. Só em novembro último, e perante o Tribunal da União Europeia, é que a existência dessas mensagens foi admitida, mas recusando a sua importância. O'Reilly, que será substituída no cargo em fevereiro pela portuguesa Teresa Anjinho, disse numa entrevista há menos de um mês que a cultura de falta de transparência do executivo europeu liderado por Ursula von der Leyen tem vindo a piorar com o tempo. “A cultura vem sempre de cima”, disse a provedora de Justiça Europeia ao Politico, acrescentando que se a informação está a ser “retida por razões políticas e essa cultura vem de cima, então sim, é provavelmente a presidente [von der Leyen] e o seu gabinete que estão a definir a cultura”.Menos nomes na lista de contactosDesde abril de 2023, e na sequência de uma nova política da Comissão, que o diretório Quem é Quem UE, a lista de contactos online de telefones e endereços de e-mail de quem trabalha na instituições europeias, ficou mais reduzida, passando a aparecer apenas chefes de unidade e superiores. “Para além das suas obrigações relacionadas com a transparência e a prestação de contas, a Comissão tem o dever de proteger o seu pessoal, especialmente aqueles que lidam com ficheiros sensíveis”, explicou, na altura, um comunicado da Comissão. “Para evitar que estes colegas sejam sujeitos a pressões indevidas de fontes externas, o acesso aos nomes e dados de contacto do pessoal não administrativo foi limitado”. Já para Emma Brown, vice-presidente da Sociedade dos Profissionais de Assuntos Europeus, esta limitação “tornará mais difícil o trabalho daqueles que estão nos assuntos públicos, representará um revés para a transparência e conduzirá a um processo de tomada de decisão da UE mais opaco”, conforme relatou ao Politico.Nomeação de aliado da CDUO último mês de abril foi marcado por outra polémica em torno de Ursula von der Leyen, que decidiu nomear o então eurodeputado Markus Pieper - eleito pela CDU, o mesmo partido da presidente do executivo europeu - para representante das Pequenas e Média Empresas, um cargo com um vencimento mensal de cerca de 20 mil euros. Esta nomeação foi muito contestada por vários comissários europeus, com o francês Thierry Breton, responsável pelo Mercado Interno, à cabeça, mas também no Parlamento Europeu – os eurodeputados votaram 382-144 a favor da anulação da sua nomeação. Foi também noticiado que, no processo de seleção para o cargo, outros dois candidatos terão recebido notas mais elevadas nos testes.Face a estas pressões, e embora já tivesse assinado contrato, Pieper acabou por renunciar ao cargo de enviado para as Pequenas e Médias Empresas horas antes de assumir funções, tendo apontado o dedo a Breton numa mensagem no X, acusando-o de “boicotar antecipadamente” a sua nomeação e que o cargo estava a ser abusado por razões político-partidárias”.“Tal como acontece com todas as nomeações para a Comissão, a transparência, a colegialidade e a meritocracia no processo de seleção são vitais para a credibilidade do cargo e da instituição como um todo”, referiu Thierry Breton depois da concessão de Pieper.Relatório adiado em troca de apoio de MeloniDois meses depois da polémica com Pieper, e pouco mais de uma semana após as eleições europeias, foi noticiado pelo Politico que Ursula von der Leyen adiou a publicação de um relatório da União Europeia onde se constatava a liberdade de imprensa em Itália estava a diminuir desde a subida de Giorgia Meloni ao poder em 2022, alegadamente em troca do apoio da primeira-ministra italiana à sua reeleição como presidente da Comissão Europeia. Segundo várias fontes ouvidas pelo Politico, era suposto este relatório anual sobre o Estado de direito nos 27 fosse tornado público a 3 de julho, mas que seria adiado até à nomeação do novo líder do executivo europeu.ana.meireles@dn.pt