Ninguém se esqueceu do anterior encontro entre Donald Trump e Volodymyr Zelensky na Casa Branca - a começar pelos próprios, que tudo fizeram para evitar a repetição do fracasso ocorrido há seis meses. A reunião decorreu em ambiente desanuviado, o presidente dos Estados Unidos prometeu continuar a ajudar a Ucrânia e revelou que o líder russo está disposto a aceitar garantias de segurança dos aliados de Kiev antes de uma reunião em que participaram sete líderes europeus. No final das reuniões, o presidente dos EUA disse ter falado com Vladimir Putin para iniciar os preparativos para uma reunião entre o líder russo e Volodymyr Zelensky, ao que se seguiria uma reunião trilateral com a presença de Trump. . “Acho que tive uma conversa muito boa com o presidente Trump, foi realmente a melhor - bem, desculpem, talvez a melhor ainda esteja por vir - mas foi muito boa, e falámos sobre assuntos extremamente delicados”, disse Zelensky durante o início da reunião a nove. Declarou ainda estar "pronto" para um encontro bilateral com o homólogo russo."Estamos prontos para uma reunião bilateral com Putin e, depois disso, esperamos uma reunião trilateral" com a participação de Donald Trump, disse Zelensky.As possíveis concessões territoriais exigidas pela Rússia à Ucrânia são uma questão para ser deixada entre o próprio e Putin, acrescentou. De acordo com o chanceler alemão essa reunião Zelensky e Putin acontecerá nas próximas duas semanas.Antes da chegada dos dirigentes europeus a Washington, Trump avisou na sua rede, Truth Social, que não precisa de conselhos sobre como chegar a um acordo de paz. “Sei exatamente o que estou a fazer e não preciso dos conselhos de pessoas que trabalham há anos nestes conflitos e nunca conseguiram fazer nada para os impedir”, escreveu . “Pessoas estúpidas” que, diz, “só tornam o atual desastre entre a Rússia e a Ucrânia mais difícil de resolver”. Por outro lado, o presidente norte-americano disse que o caminho para a paz passaria pela abdicação de Kiev no que toca a recuperar a península da Crimeia - anexada em 2014 pela Rússia - e de desistir da pretensão de obter a adesão à NATO. Tudo somado poderia ser a receita para novo débâcle, mas a chegada de Zelensky com um casaco e camisa pretos e a impressão positiva causada em Trump lançaram o tom das conversações. O que saiu das reuniões? O presidente dos EUA disse que haverá algum tipo de garantia de segurança para a Ucrânia, com os EUA envolvidos na sua atribuição. “Haverá muita, haverá muita ajuda no que diz respeito à segurança”, afirmou, sem entrar em pormenores. “Eles [a Europa] são a primeira linha de defesa porque estão lá, mas nós também vamos ajudá-los. Estaremos envolvidos quando for necessário”, disse.Além disso, Trump revelou que Putin aceita a ideia de garantias de segurança para a Ucrânia. “Acredito que, num passo muito significativo, o presidente Putin concordou que a Rússia aceitaria garantias de segurança para a Ucrânia.” Segundo o norte-americano, um dos pontos da discussão seria ver “quem fará o quê”, mas antecipando que “os países europeus vão assumir grande parte do fardo”. A presidente da Comissão Europeia Ursula von der Leyen congratulou-se com as garantias de segurança aludidas pelo enviado especial Steve Witkoff, que as comparou ao artigo 5.º da NATO. Outro ponto importante relaciona-se com a discussão sobre os territórios. Trump disse no início da reunião alargada que essa discussão teria de se fazer, mas o presidente ucraniano descartou a hipótese. “É muito importante que todas as questões sensíveis, territoriais e outras, sejam discutidas ao nível dos líderes durante uma reunião trilateral [com Putin], e o presidente Trump tentará organizar essa reunião.” . O único ponto de contencioso conhecido de imediato foi exposto pelo chanceler alemão. Friedrich Merz lembrou - sem o afirmar diretamente - o cessar-fogo pelo qual Trump tanto falava antes do encontro com Putin. “Não consigo imaginar que a próxima reunião aconteça sem um cessar-fogo, por isso vamos trabalhar nisso e tentar pressionar a Rússia.” Trump defendeu a ideia de que não é necessário um cessar-fogo para chegar à paz, mas que seria bem-vindo. De Olena para MelaniaUm dia depois de ter sido revelado que Melania Trump escreveu uma carta ao presidente russo sobre a necessidade de proteger as crianças, Zelensky entregou uma carta da sua mulher, Olena Zelenska, endereçada à primeira-dama dos EUA. “Muito obrigado à sua mulher, a primeira-dama dos Estados Unidos”, disse o líder ucraniano. Em seguida, entregou a Trump um sobrescrito. “Não é para si, é para a sua mulher”, disse Zelensky. “Eu quero”, respondeu Trump, e riu-se.O governo ucraniano estima que quase 20 mil crianças foram ilegalmente deportadas ou transferidas da Ucrânia para a Rússia. Para Zelensky, a carta de Melania - que não se refere diretamente às crianças ucranianas e foi entregue por Trump a Putin na reunião decorrida no Alasca - é sobre as “crianças raptadas”, um “tópico sensível”. Foi exatamente pelos crimes de deportação e transferência ilegal de crianças que o Tribunal Penal Internacional emitiu um mandado de detenção de Putin. “No mundo de hoje, algumas crianças são obrigadas a carregar um riso silencioso, intocado pela escuridão que as rodeia - uma resistência silenciosa contra as forças que podem potencialmente destruir o seu futuro”, escreveu Melania Trump na sua carta. “Sr. Putin, o senhor pode, sozinho, restaurar o riso melodioso dessas crianças.”.Trump acerta reunião trilateral com Putin e Zelensky após encontro na Casa Branca "que correu muito bem" . Flamingo em produçãoA guerra, essa, continua a fazer vítimas civis. Na manhã de ontem, a cidade de Kharkiv foi alvo de drones de ataque. Foram atingidos prédios e a zona industrial da segunda maior cidade ucraniana registou vários incêndios na sequência do ataque, que matou pelo menos sete pessoas e feriu 23, entre as quais quatro crianças. Além disso, dois mísseis balísticos atingiram a cidade de Zaporíjia. Há pelo menos três mortos e 30 feridos a registar. Num raro momento nos últimos meses de guerra, as forças ucranianas reclamaram ter recuperado seis povoações em redor de Pokrovsk, na região oriental de Donetsk. Segundo o Comando das Forças Aerotransportadas, que publicou um vídeo nas redes sociais, as localidades passaram para controlo ucraniano após combates que terminaram com “perdas pesadas em pessoal, armas e equipamento militar” russo e com “vários combatentes inimigos” detidos. E se nos canais diplomáticos discute-se a paz, os ucranianos continuam a multiplicar os esforços para resistir e ripostar a ofensiva russa. Um exemplo disso é o novo míssil de longo alcance ucraniano, de nome Flamingo, e que estará a ser produzido em série, segundo um fotojornalista da Associated Press, que teve acesso à arma e a fotografou. Um representante da Fire Point, empresa responsável pelo desenvolvimento do míssil, deu mais pormenores, em declarações à agência Ukrinform, “já não é um protótipo, é uma produção em grande escala, inteiramente fabricada na Ucrânia”. Segundo ainda esta fonte, os Flamingo podem transportar uma tonelada de carga explosiva, requerem entre 20 e 40 minutos para serem posicionados antes do lançamento, atingem uma velocidade máxima de 950 km/h e têm um alcance de 3000 quilómetros. Segundo vários sites especializados, o míssil tem características semelhantes ao míssil de cruzeiro FP-5, apresentado este ano por uma empresa com sede nos Emirados, Milanion Group..O clube dos seteEmmanuel MacronCriticado por ter mantido conversas telefónicas com Putin após a invasão da Ucrânia, o presidente francês mostrou-se um sólido aliado de Kiev, ao advogar o direito dos ucranianos a defenderem-se com o ataque de alvos militares em território russo ou a propor o envio de tropas europeias para o país sob ataque. Na anterior visita à Casa Branca, Macron desmentiu Trump sobre quem mais ajudou a Ucrânia e advertiu o norte-americano para “ter cuidado” no relacionamento com o líder russo. “O que ele diz não interessa”, disse Trump de Macron há dias.Giorgia MeloniA primeira-ministra italiana foi a única chefe de Estado ou de governo europeu presente na tomada de posse de Trump, que a considerou uma “líder fantástica”. As suas agendas partilham afinidades, e Meloni viu-se como interlocutora privilegiada entre a Europa e Washington. Mas a reunião de ambos na Casa Branca, em abril, mostrou os limites da parceria ítalo-americana, com os dois a divergirem sobre as taxas aduaneiras e a Ucrânia. Em maio, Macron acusou-a de espalhar “informação falsa” depois de ter dito que não foi convidada para uma reunião de líderes europeus porque recusa enviar tropas para a Ucrânia.Friedrich MerzEnquanto líder da oposição, o democrata-cristão prometeu que, uma vez eleito chanceler, iria fornecer a Kiev os mísseis de longo alcance Taurus. Chegado à liderança do Executivo alemão, Merz afirmou não existirem limitações no alcance das armas fornecidas à Ucrânia. Mais tarde anunciou a produção conjunta de mísseis em território ucraniano, uma iniciativa que se inscreve no investimento maciço em defesa (650 mil milhões de euros até 2029) que Berlim iniciou após uma reforma constitucional. Atlantista convicto, Merz disse a Trump que este é o “homem-chave” para pôr fim à guerra.Mark RutteSe todos os dirigentes - ou quase - se multiplicam em ademanes e salamaleques perante Trump, o secretário-geral da NATO ganhou o prémio ao enviar mensagens ao “papá” Trump num tom impróprio para os restantes países aliados (“A Europa vai pagar à grande”), em resultado do pacto saído da cimeira da aliança, segundo o qual os 32 países se comprometem em gastar 5% do PIB em Defesa até 2035. Caído nas boas graças de Trump, resta saber até que ponto o neerlandês tem capacidade para defender os interesses dos restantes aliados face ao presidente dos EUA.Keir StarmerO primeiro-ministro britânico é um raro caso de um líder de outra família política que ganhou as boas graças de Trump. Ao se encontrarem na Casa Branca em fevereiro, Starmer transmitiu um convite do rei Carlos para uma visita de Estado - a segunda, o que será inédito Mais recentemente, deslocou-se com a família a uma estância de golfe de Trump na Escócia, o que deixou o norte-americano “com mais respeito” por Starmer, o trabalhista que prosseguiu a política dos conservadores ao assinar uma parceria de 100 anos com Kiev e ao fundar com Macron a coligação de voluntários.Alexander StubbSeria a presença menos óbvia na reunião da Casa Branca, se a política internacional ainda obedecesse aos cânones tradicionais. O presidente finlandês, que frequentou uma universidade norte-americana com uma bolsa de estudos de golfe, tem decerto muitas preocupações para partilhar sobre a vizinha Rússia, mas a sua recente amizade, cultivada numa viagem pessoal a Mar-a-Lago, com uma partida de golfe incluída, elevou-o na cena internacional. Stubb tem defendido que a entrada da Ucrânia na NATO não é negociável.Ursula von der LeyenPara quem preside ao braço executivo da instituição que, a ver de Trump, foi criada para “lixar os Estados Unidos”, o seu papel ante o presidente norte-americano é, no mínimo, delicado. As relações entre ambos e entre Bruxelas e Washington distenderam-se após o quadro de acordo comercial alcançado em julho. A dirigente alemã tem impulsionado a adesão da Ucrânia à UE - disse que seria possível concretizar-se até 2030 - e tem estado na linha da frente do apoio a Kiev. Na véspera da viagem aos EUA, reiterou que “as fronteiras internacionais não podem ser mudadas à força”.