Donald Trump.
Donald Trump.EPA/WILL OLIVER

Trump condenado a uma sentença simbólica no processo que o ajudou a reconquistar os Estados Unidos

Sentença do caso Stormy Daniels torna o empresário no primeiro presidente norte-americano condenado criminalmente. Afinal, o que foi este caso?
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Um tribunal de recurso de Nova Iorque e o Supremo Tribunal recusaram suspender a leitura da sentença do caso de falsificação de registos contabilísticos, horas antes de o juiz Juan Merchan dar por concluído o processo: Donald Trump foi condenado a "dispensa incondicional". Segundo a lei do estado de Nova Iorque, é imposta “sem prisão, multa ou supervisão de liberdade condicional”. Tal sentença pode ser apropriada quando o juiz “é da opinião que nenhum objetivo adequado seria servido pela imposição de qualquer condição à libertação do arguido”.

Depois de o procurador Joshua Steinglass ter criticado "o arguido" por se ter "envolvido numa campanha coordenada para minar a legitimidade” da justiça, Trump teve direito a falar. Voltou a dizer que foi vítima de uma "caças às bruxas" num discurso em que misturou os incêndios na Califórnia, a inflação e as guerras. “Fui acusado de chamar despesa legal a uma despesa legal. Só quero dizer que acho que é uma vergonha para Nova Iorque", disse.

O antigo e de novo presidente a partir de dia 20 tentou por tudo evitar manchar o registo criminal. As suas anteriores condenações (abusos sexuais, difamação e fraude imobiliária) deram-se em processos civis. Trump já tinha dito que iria recorrer da condenação e da sentença. Alegou nos últimos recursos que a sentença iria interferir na sua capacidade de governação. No entanto, o juiz já tinha indicado que não planeava condená-lo a uma pena de prisão ou sequer a liberdade condicional. Essas declarações podem ter ajudado a que o Supremo Tribunal, de maioria conservadora (e com três dos nove juízes nomeados por Trump), tenha declinado o adiamento da leitura da sentença.

Donald Trump, que assistiu à distância à leitura da sentença, da casa de Mar-a-Lago, Florida, junto da sua equipa legal, não pode perdoar-se uma vez chegado à Casa Branca. Essa hipótese só seria viável se fosse condenado num processo federal e não estadual, como este.

Porque é que Trump foi condenado?

Em março de 2023, o procurador de Manhattan Alvin Bragg acusou Trump de 34 acusações de falsificação de registos contabilísticos para encobrir o pagamento de 130 mil dólares do seu ex-advogado pessoal Michael Cohen à estrela de filmes para adultos Stormy Daniels para pagar o seu silêncio antes das eleições presidenciais de 2016 sobre um encontro sexual com Trump. Segundo os procuradores -- e ratificado pelo júri--, Trump falsificou os registos da sua empresa para esconder uma violação da lei eleitoral de Nova Iorque, em específico da Secção 17-152. Esta estipula a proibição de se utilizarem meios ilegais para influenciar uma eleição. “De acordo com a nossa lei, uma pessoa é culpada de tal conspiração quando, com a intenção de realizar uma conduta que promova ou impeça a eleição de uma pessoa para um cargo público por meios ilegais, concorda com uma ou mais pessoas para se envolverem ou provocarem a realização de tal conduta”, explicou o juiz Juan Merchan durante o julgamento.

Qual era a moldura penal?

A falsificação de registos contabilísticos pode acarretar uma pena de até quatro anos de prisão. No entanto, se essa hipótese já era considerada remota antes da sua eleição, devido à idade avançada e ausência de registo criminal, mais ficou ao tornar-se no presidente eleito. A pesar contra Trump esteve o seu comportamento fora da sala do tribunal. O juiz Juan Merchan mais do que uma vez multou Trump por este ter violado a ordem de silêncio aplicada depois de ter feito comentários às testemunhas, aos jurados e ao próprio juiz. Merchan chegou a ameaçar Trump com uma pena de prisão. Mas tão recentemente como na passada semana, o ex e futuro presidente voltou a brindar o juiz, desta vez chamando-o de "militante radical".

Donald Trump.
O que Trump e o júri ouviram antes das alegações finais

Quais as consequências cívicas da condenação?

Pela primeira vez na história, os EUA terão um presidente considerado culpado pela prática de crimes. No entanto, a Constituição norte-americana não impede que um cidadão condenado possa assumir o cargo de chefe de Estado. Aliás, se Trump tivesse de cumprir pena de prisão, nada na lei o vedaria de permanecer como presidente em exercício.

Quais as consequências políticas do caso?

Paradoxalmente, o processo foi um ponto de viragem para Trump na sua corrida para a Casa Branca. Este era considerado o caso menos grave dos vários que enfrentava, em comparação com as acusações de tentativa de reverter as eleições de 2020, e de manter documentos classificados consigo. Ao ser indiciado pelos crimes de falsificação contabilística, Trump passou a declarar-se vítima da instrumentalização do poder judicial contra si. Foi então que disparou nas sondagens, bem com as contribuições de apoiantes, tendo passado as primárias republicanas a ouvir elogios de parte dos concorrentes.

Que peso teve o julgamento?

Fora do círculo dos fiéis de Trump, as sondagens mostraram que a maioria dos eleitores levava as acusações a sério e que não queria um presidente condenado. A sua posição entre os republicanos também ficou mais frágil após o veredicto de culpado, em maio do ano passado. Mas um mês depois, o desempenho do impopular Joe Biden no debate televisivo com Trump levou à desistência do presidente democrata, bem como à apressada candidatura da vice-presidente Kamala Harris, que veio a provar-se ainda menos popular. A tentativa de assassínio de Trump, em julho, num comício em Butler, Pensilvânia, terá sentenciado o resultado.

Que custo teve a batalha legal?

Sobre este caso em específico não há informações atualizadas. No entanto, em maio do ano passado, a Forbes noticiava que, ao escritório do advogado Todd Blanche, Trump devia quase um milhão de dólares. Blanche foi recompensado com o cargo de procurador-geral adjunto. Sobre os gastos no conjunto dos processos legais, o The Wall Street Journal informava que no início do julgamento de Nova Iorque Trump tinha recebido 66 milhões de dólares das campanhas de angariação para esse fim. Na mesma altura, o The New York Times estimou os gastos jurídicos de Trump em 100 milhões de dólares.

Nenhum presidente dos EUA foi preso?

Em 1872, Ulysses Grant (presidente entre 1869 e 1877) foi detido em Washington por conduzir a sua carruagem em alta velocidade. Apesar de preso e de ter sido marcada uma audiência com um juiz para o dia seguinte, o presidente não compareceu -- e como tal não foi condenado.

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