A 7 de outubro de 2023, Israel foi apanhado de surpresa com o ataque terrorista do Hamas, que fez quase 1200 mortos na invasão a partir da Faixa de Gaza. Outras 251 pessoas foram feitas reféns e levadas de volta para o enclave palestiniano. Dois anos depois, 48 ainda estão no território entretanto destruído pelos bombardeamentos e a guerra que o governo israelita lançou em retaliação logo naquela noite, com o objetivo não apenas de recuperar todos os reféns, mas também destruir totalmente o Hamas. Objetivos ainda não cumpridos. Em Israel, o trauma está vivo ao lado da esperança de um acordo de paz. Negociadores de ambos os lados encontraram-se esta segunda-feira (6 de outubro) no resort egípcio de Sharm el-Sheikh para afinar as posições em relação ao plano de paz de 20 pontos apresentado na semana passada pelo presidente dos EUA, Donald Trump. O Hamas aceitou libertar os reféns todos, em troca dos presos palestinianos nas prisões israelitas, mas há ainda pormenores que é preciso acertar - quanto ao desarmamento, à retirada israelita ou ao futuro político. Trump, em contagem decrescente para o anúncio do Nobel da Paz (é na sexta-feira, 10 de outubro), quer que se apressem nas negociações. A guerra na Faixa de Gaza, que segundo o Governo controlado pelo Hamas já fez quase 70 mil mortos, começou logo no 7 de Outubro, com a incursão terrestre a chegar antes do final do mês. O primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, estabeleceu os objetivos da operação: libertar os reféns e destruir o Hamas, garantindo que não terá um papel no futuro de Gaza e que não representará uma ameaça para a segurança de Israel. . Dois anos depois, nenhum dos objetivos foi cumprido na totalidade. Os terroristas ainda têm 48 reféns dos 251 iniciais, sendo que apenas 20 estarão vivos. Até agora, só 148 voltaram a casa com vida. Uma sondagem do Instituto de Democracia de Israel (feita em meados de setembro, antes da apresentação do plano de paz de Trump, e revelada no final do mês), diz que 65% dos inquiridos (61,5% entre os judeus e 82,5% entre os árabes) consideram que a libertação dos reféns deve ser o principal objetivo, um número que tem vindo a subir. A mesma sondagem, feita a um universo de mil pessoas (800 judeus e 200 árabes israelitas) indica que 66% acham que já é tempo de acabar com a guerra, mais 13 pontos percentuais do que há um ano. Aqui, a mudança de opinião tem sido entre os judeus - de 45% para 60% - com 93% dos árabes a considerar isso já na sondagem de setembro de 2024. Ambos os grupos citam como principal razão para o fim da guerra, o facto de que continuar põe em risco os reféns (50,5% entre os judeus e 34,5% entre os árabes). A segunda razão para a guerra era a destruição do Hamas. Mas apesar de a liderança política e militar do grupo terrorista ter sido dizimada, os seus combatentes (cujo número é desconhecido) continuam com capacidade para ataques de guerrilha e a aterrorizar o território que Israel continua a destruir. Em cima da mesa está agora o plano de Trump para o fim da guerra, que inclui uma amnistia para os combatentes do Hamas que se comprometam com a paz e o desarmamento, podendo deixar o enclave se houver países que os acolham, sendo que o grupo terrorista e outras fações têm que se comprometer a não ter qualquer papel no Governo de Gaza. O Hamas aceitou parte do acordo e pediu para negociar os pormenores, o que está a acontecer. .Trump afirma que Hamas sofrerá "destruição total" se insistir em continuar no poder.Em relação a se Israel está agora mais seguro, as opiniões dividem-se. A sondagem revela que 43% dos inquiridos considera que a situação está melhor e 44% que está pior (7% dizem que nada mudou). Números que não têm em conta a diversidade da sociedade, com 48% dos judeus a considerar que a situação está melhor e 65,5% dos árabes a dizer que está pior. À esquerda e ao centro do espectro político, considera-se a situação pior (68% e 52%, respetivamente), enquanto à direita a maioria (57%) considera que está melhor. Questionados sobre qual é a maior ameaça existencial ao Estado de Israel, 23% dos inquiridos diz que é uma guerra em múltiplas frentes e em grande escala (há um ano eram 38%). No último ano, o sucesso que Israel não teve da Faixa de Gaza foi alcançado noutras das sete frentes de batalha em que Netanyahu sempre disse que estava envolvido. O Hezbollah libanês foi enfraquecido, o regime de Bashar al-Assad caiu na Síria e o programa nuclear iraniano sofreu um revés - Trump diz que foi “dizimado” - após a guerra de 12 dias. Depois da guerra em múltiplas frentes, os israelitas consideram que a maior ameaça existencial é o isolamento internacional e os boicotes (21,5%, quando comparado com 10% em 2024) e a perda de apoio dos EUA (20,5%, mais 7,5 pontos percentuais do que na última sondagem). Há duas acusações que pesam sobre Israel - que rejeita ambas. Uma é a existência de fome extrema, outra é a de genocídio. O isolamento internacional tornou-se patente na última Assembleia Geral das Nações Unidas, durante o qual uma dezena de países (incluindo Portugal), reconheceram o Estado Palestiniano - uma ação criticada por Israel. Quase três quartos dos judeus israelitas acham que os palestinianos não têm o direito a ter o seu próprio Estado, um aumento de 11 pontos percentuais em relação à sondagem de 2024. Outra sondagem, do Instituto de Estudos de Segurança Nacional, mostra que 51% dos inquiridos (950) teme um outro ataque como o de 7 de Outubro. A confiança das Forças de Defesa de Israel continua contudo a ser elevada (três em cada quatro inquiridos), com uma diferença entre judeus (86% confiam muito) e árabes (só 29%). Em relação ao Governo, a situação é diferente. Só 26% dos inquiridos dizem confiar muito no Executivo, com 30% a confiar da mesma forma em Netanyahu. A maioria (63%) diz que a sua confiança no Governo caiu desde o início da guerra.“Netanyahu e o seu Governo falhado são responsáveis pelos dois maiores desastres na história de Israel: o massacre do 7 de Outubro e a resposta israelita ao massacre do 7 de Outubro”, escreveu o jornalista Nir Hasson, no jornal Haaretz (de esquerda), na última sexta-feira. “O primeiro desastre fomentou um trauma cujas repercussões se farão sentir nas próximas décadas. Mas o segundo desastre destruiu os alicerces sobre os quais o Estado de Israel foi construído: a legitimidade internacional, as relações diplomáticas e económicas com o mundo árabe e a solidariedade no seio da sociedade israelita”, referiu o jornalista. “Antes do 7 de Outubro, interpretámos mal as intenções do outro lado; depois do 7 de Outubro, interpretámos mal as intenções do nosso lado”, acrescentou Nir Hasson, dizendo que parte da “crueldade” e “indiferença” para com o que está a acontecer em Gaza está relacionado com o trauma pelo massacre do Hamas, mas também com o facto de ainda não ter havido um “encerramento”. Algo que só deverá começar quando todos os reféns regressarem a casa. No lado palestiniano, um cessar-fogo e a entrada de mais ajuda humanitária serão o início de uma nova etapa - apesar de continuarem a existir muitas dúvidas em relação ao futuro. Um dos pontos do plano de Trump prevê que a gestão da Faixa de Gaza seja entregue temporariamente a uma grupo de tecnocratas palestinianos, supervisionados por um “Conselho de Paz” liderado pelo próprio Trump e com a participação do ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair.