Tragédia, humor e engano na primeira guerra da era TikTok
Vídeos comoventes de ataques de artilharia estão a ser exibidos ao lado de vídeos engraçados, que incluem por exemplo dicas de como cozinhar em abrigos antiaéreos, mas também vídeos de desinformação à medida que a guerra na Ucrânia se desenrola no TikTok. Desde que a Rússia invadiu a Ucrânia, milhões de pessoas viraram-se para a popular rede social para ter notícias e saber o que se passa no campo de batalha.
Isso não passou despercebido às autoridades norte-americanas, que no início de março realizaram uma videochamada com influencers do TikTok sobre os detalhes da guerra, segundo as publicações nas redes sociais. "Muitas pessoas estão a virar-se para os criadores digitais para aprender sobre a invasão da Ucrânia", escreveu no Twitter a Gen-Z for Change, uma organização sem fins lucrativos que se foca no uso das redes sociais para promover um discurso cívico. "Juntámo-nos à Casa Branca e ao Conselho de Segurança Nacional para um briefing sobre os objetivos estratégicos dos EUA na Ucrânia para podermos mais facilmente desmascarar a desinformação", referiram.
Depois de a Rússia ter invadido a Ucrânia, os vídeos de música na conta de Marta Vasyuta deram lugar a imagens de soldados e de estragos da guerra. Sem poder sair de Londres, a estudante ucraniana de 20 anos usa o TikTok para partilhar vislumbres da tragédia infligida às pessoas que estão no seu país natal. "A minha missão é espalhar informação; não deixar de falar sobre isso, porque é realmente importante", disse à AFP a estudante de Economia oriunda de Lviv, cujos vídeos têm milhões de visualizações.
No início da guerra, Valeria Shashenok ficou em Chernihiv, a nordeste de Kiev, e usou o inglês para ampliar o alcance das suas publicações no TikTok, por vezes surreais, do tempo de guerra. Numa delas, mostra como cozinhar borscht num abrigo antiaéreo. Noutra, caminha através dos destroços de um bombardeamento ao som de um remix de uma música da Rihanna.
A fotógrafa de 20 anos está entre os que não desistiram da natureza divertida dos vídeos, uma espécie de marca registada do TikTok, que tem mais de mil milhões de utilizadores. "Tento manter o sentido de humor, porque faz parte da minha natureza", disse também Rimma, de 23 anos, que pediu para não partilhar o seu último nome. "Estou a viver este trauma, a minha vida está arruinada, e não há mais nada para mim a não ser a ironia", acrescentou.
Os seus TikToks incluem um vídeo dela numa cave em Odessa, a brincar com a ideia de que agora dar um passeio para os ucranianos é correr para o abrigo mais próximo. Ela disse que a linha entre o que é engraçado e o que é doloroso já não é clara, dado o sofrimento e o medo que atingem tantas pessoas.
Mas o apetite para conteúdos de guerra no TikTok parece forte, com Vasyuta e Shashenok a verem multiplicar-se os seus seguidores.
Embora os acontecimentos de última hora, como as guerras, estejam há anos presentes nas redes sociais, o TikTok tende a usar a espontaneidade e um pouco de ousadia que se têm mostrado particularmente populares entre o público mais jovem.
Nos EUA, onde os membros da geração Z nascidos no final dos anos 1990 evitam a televisão tradicional, as plataformas online como o TikTok são as principais fontes de notícias.
"Espero que as crianças que vejam esta guerra a desenrolar-se no TikTok se tornem opositores à guerra e percebam os seus horrores e perigos", disse um professor de História do secundário, Chris Dier, ele próprio um criador de conteúdos para o TikTok. "O que eu não quero é que isso os dessensibilize e normalize a guerra", acrescentou.
Os jovens utilizadores do TikTok também são "bombardeados" com propaganda para a qual precisam provavelmente de ajuda para navegar, referiu Dier.
O TikTok disse à AFP que aumentou os seus recursos para detetar e combater "ameaças emergentes" e "desinformação prejudicial" na plataforma. A 6 de março, a subsidiária da chinesa ByteDance suspendeu o upload de vídeos na Rússia em resposta a uma nova lei que torna crime "desacreditar" os militares russos.
O fluxo de mensagens pró-Rússia diminuiu visivelmente no TikTok, com a conta mais popular a ser a da agência de notícias estatal RIA Novosti, que é conhecida por alegações falsas ou desacreditadas, como a suposta existência de laboratórios secretos de armas biológicas na Ucrânia.