"Tivemos de nos curvar e comer como cães." Relatório denuncia abusos contra imigrantes em centro na Florida

Detidos em condições de sobrelotação e insalubridade, sujeito a tratamento degradante e sem acesso a cuidados médicos imediatos e adequados. É assim que um relatório de 92 páginas elaborado por três ONG - Human Rights Watch (HRW), Americans for Immigrant Justice e Sanctuary for the South - descreve a forma como são tratados os imigrantes detidos em três centros do Serviço de Imigração e Alfândega dos EUA (ICE, na sigla em inglês), em Miami.

“Tivemos de nos dobrar e comer das cadeiras com a boca, como cães”, descreveu Harpinder Chauhan, um empresário britânico detido pelo ICE numa consulta regular de imigração. Chauhan foi um dos 17 imigrantes ouvidos no relatório "‘Sentimos como se a vida tivesse acabado’: Práticas abusivas em três centros de detenção de imigrantes da Florida desde janeiro de 2025.

Incidentes como este, descrito por Chauhan, vêm juntar-se a uma série de denúncias contra alegados abusos nos centros de detenção do ICE.

O tratamento degradante por parte dos guardas é comum nas três prisões, afirmam as ONG. Os estabelecimentos em causa são Krome North Service Processing Center (Krome), Broward Transitional Center (BTC), e o Federal Detention Center (FDC).

No centro de processamento de serviços de Krome, na zona oeste de Miami, por exemplo, as detidas foram obrigadas a usar as casas de banho à vista dos homens que ali se encontravam detidos e foi-lhes negado o acesso a cuidados adequados ao género, a duches ou a alimentação adequada.

“As pessoas detidas nos centros para imigrantes estão a ser tratadas como menos do que seres humanos”, disse Belkis Wille, diretora associada de crises e conflitos da Human Rights Watch no resumo do relatório. “Não se trata de incidentes isolados, mas sim do resultado de um sistema de detenção fundamentalmente falido que está repleto de abusos graves.”

Desde que o presidente Donald Trump tomou posse, em janeiro passado, a administração americana tem impulsionado um aumento na detenção de imigrantes a nível nacional, com os dados do ICE a mostrarem que 45 das 181 instalações de detenção autorizadas em todo o país excederam a sua capacidade em meados de abril.

O número de detenções de imigrantes a nível nacional atingiu uma média de 56 400 por dia em meados de junho, sendo que quase 72% não tinham antecedentes criminais, de acordo com o relatório. A média diária em 2024 foi de 37.500, segundo a HRW.

Na Florida, em Krome, a população detida mais do que triplicou nos primeiros três meses de 2025, atingindo quase o triplo da sua capacidade operacional. A FDC, uma prisão federal que nos últimos anos não tinha sido utilizada para a detenção de imigrantes, começou a deter centenas de imigrantes em fevereiro.

Os investigadores descobriram que os detidos em Krome têm sido regularmente mantidos em celas geladas e sobrelotadas, sem roupa de cama, sem acesso a cuidados de higiene e algemados de forma prolongada e injustificável durante o transporte. Os imigrantes detidos nos três centros não têm tido acesso aos cuidados médicos necessários, incluindo para doenças crónicas como a diabetes, a asma e o VIH. Um detido descreveu que lhe foi negado atendimento médico em Krome para uma hérnia estrangulada até que desmaiou de dor. “O médico do hospital disse-me que, se eu não tivesse dado entrada, os meus intestinos teriam provavelmente rebentado”, disse ele. “Tive de me atirar para o chão só para conseguir ajuda.”