Provedor de Justiça encontrou vários indícios de maus-tratos a reclusos e diz ser preocupante estado do EPL
O Provedor de Justiça encontrou indícios de maus-tratos a reclusos nas prisões de Lisboa, Monsanto e Porto, uma agressão que não foi comunicada ao Ministério Público e uma nota clínica que ocultou a agressão de um guarda.
Estas conclusões constam do relatório anual do Mecanismo Nacional de Prevenção, que foi entregue na manhã desta quinta-feira, 17 de julho, à Assembleia da República, referente ao ano de 2024, e onde surgem várias críticas ao atual funcionamento de vários estabelecimentos prisionais em Portugal.
No capítulo referente ao tratamento da população reclusa, o Mecanismo Nacional de Prevenção constatou que as prisões de Lisboa, Monsanto e Porto “continuavam a apresentar fatores de risco particularmente elevados para a prática de maus-tratos a reclusos”. Nestes três estabelecimentos prisionais “foram encontrados relatos e indícios de práticas reiteradas de maus-tratos a reclusos”, lê-se no documento.
Neste relatório, o Provedor de Justiça descreve vários casos, relatos e documentos consultados durante as visitas. No caso da prisão de Monsanto, a única em Portugal classificada como especial em relação ao nível de segurança, foram recebidos relatos segundo os quais “os presos que chegam a este EP [estabelecimento prisional] com problemas com outros guardas noutros EP são brutalmente espancados”.
O Mecanismo Nacional de Prevenção recomendou que o comissário de serviço acompanhe sempre as diligências feitas na chegada à prisão de reclusos transferidos por agressões a guardas noutras cadeias.
Ainda na prisão de Monsanto, foi identificado um incumprimento do dever de denúncia ao Ministério Público de uma agressão por guarda. Neste caso, foi instaurado um processo de inquérito, que resultou na proposta de abertura de processo disciplinar contra o guarda prisional, sendo que este caso não foi comunicado ao MP.
No processo de inquérito consultado pelo Mecanismo Nacional de Prevenção, foram encontradas “imagens gravadas pelo sistema de videovigilância que revelam que em 29/11/2023 ‘um recluso foi alvo de agressões, mais concretamente duas bastonadas sem motivo aparente por parte de um dos elementos de vigilância’, conforme descrito no respetivo auto de visionamento”, lê-se no documento.
No Estabelecimento Prisional de Lisboa, foram identificadas buscas a celas, algumas em períodos noturnos, e revistas que obrigam os reclusos a despirem-se. O fator de risco mais evidente nesta cadeia foi a “cobertura extremamente insuficiente do sistema de vigilância”. Já no Porto, foram também identificadas revistas por desnudamento sem autorização prévia.
O Mecanismo Nacional de Prevenção fez ainda referência à cadeia do Linhó, no concelho de Cascais, por um caso de ocultação por funcionário de evidências de maus-tratos a recluso. Foi consultado um diário clínico que terá sido alterado para ocultar uma agressão de um guarda a um recluso.
O caso foi conhecido durante uma visita deste organismo, tendo o recluso relatado a agressão. No diário clínico, verificou o Mecanismo Nacional de Prevenção, uma parte do texto encontrava-se rasurada, sendo ainda percetível: “durante a avaliação de enfermagem, referiu uma agressão por guarda”.
“Esta menção foi omitida da versão reescrita no diário clínico, segundo a qual o recluso foi ‘trazido à enfermaria após ter sido imobilizado para que fosse possível colocá-lo dentro da cela’”, segundo o relatório.
Este ano, o Provedor de Justiça fez 50 visitas de monitorização a locais onde se encontram pessoas em privação de liberdade, no sentido de avaliar as condições em que se encontram e que tratamento lhes é dado. Além da visita às 10 maiores cadeias do país, foram também feitas visitas aos seis centros educativos, centros de instalação temporária para estrangeiros e espaços equiparados, hospitais psiquiátricos e postos e zonas de detenção das forças policiais.
Prisão de Lisboa considerada como caso preocupante
O Estabelecimento Prisional de Lisboa (EPL) foi considerado pelo Provedor de Justiça como um caso preocupante pelas condições de degradação em que se encontra e por ainda não ter encerrado e continuar a receber novos presos.
O anúncio de encerramento da prisão de Lisboa foi feito em 2022 e, nessa altura, foi apontado 2026 como ano de encerramento. No entanto, numa visita feita em dezembro do ano passado, este organismo verificou que ainda não tinham sido transferidos reclusos para outras prisões e que este “continuava a ser um estabelecimento prisional de entradas, com um grande fluxo de admissão de reclusos”.
Da visita feita, foi possível indicar que “a degradação extrema das condições” do EPL se mantém e são dados alguns exemplos: celas e balneários com janelas partidas e muitos problemas de humidade e infiltrações. E além de a maioria das celas situadas nos pisos subterrâneos - “e sinalizados como inadmissíveis” -, algumas continuam a ser utilizadas para cumprimento de medidas cautelares aplicadas a presos com processos disciplinares.
As críticas às condições desta prisão que fica situada no centro da cidade de Lisboa estendem-se ainda à “extrema limitação do sistema de videovigilância”, existindo apenas vigilância - chamada de CCTV - em dois espaços comuns.
“O EP de Lisboa é um dos locais onde o MNP tem vindo, repetidamente, a recolher vários relatos de maus-tratos, a maioria dos quais alegadamente perpetrados em locais que, apesar de serem comuns, não têm cobertura CCTV”, lê-se no relatório, tendo o Provedor de Justiça alertado para a urgente necessidade de garantir cobertura total de videovigilância - através de câmaras ou de distribuição de bodycams.
Tendo em conta o anúncio de encerramento, o Mecanismo Nacional de Prevenção quis acompanhar as obras feitas noutras cadeias para onde serão transferidos os presos de Lisboa.
A prisão de Tires é uma das cadeias onde estão a ser feitas obras e para onde vão alguns reclusos - atualmente, Tires só tem reclusas, mas será, no futuro, uma cadeia mista. Aqui foram identificados vários problemas: falta de recursos humanos, falta de um muro para separar a população reclusa feminina da masculina e o risco de insuficiência do sistema de saneamento com a entrada em funcionamento de um novo pavilhão.
Outra cadeia que está degradada é a de Ponta Delgada, onde foi verificado que existia à data da visita uma “mega camarata”, com 47 presos, numa cela que originalmente estava destinada a atividades formativas e cuja lotação nunca foi objeto de homologação. “Não é oficialmente um espaço para colocação de pessoas reclusas”, sublinhou o Provedor de Justiça.
No ano passado, o Provedor de Justiça fez 50 visitas de monitorização a locais onde se encontram pessoas em privação de liberdade, no sentido de avaliar as condições em que se encontram e que tratamento lhes é dado. Além da visita às 10 maiores cadeias do país, foram também feitas visitas aos seis centros educativos, centros de instalação temporária para estrangeiros e espaços equiparados, hospitais psiquiátricos e postos e zonas de detenção das forças policiais.
Cálculo da lotação das prisões não respeita padrões internacionais
O Provedor de Justiça considerou que existem fortes indícios de que o cálculo da lotação oficial das cadeias portuguesas não respeita os padrões internacionais e que a taxa de sobrelotação pode ser mais elevada.
A questão da sobrelotação das prisões foi verificada tendo por base, além das visitas a 10 cadeias do país, os números disponibilizados pela Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP).
Nas 10 cadeias visitadas no ano passado, sete estavam com uma ocupação superior a 90%, “tendo sofrido um agravamento em 2024”, lê-se no documento, que acrescenta que estas prisões - classificadas como sendo de elevado grau de complexidade - são também as que albergam a maioria da população prisional.
No caso das prisões de grau de complexidade médio, os dados apontam para uma taxa de ocupação superior a 100%, o que revela uma efetiva sobrelotação.
O cálculo da taxa de ocupação das prisões tem como base a lotação estimada pela DGRSP, com esta direção-geral a indicar quantos presos devem estar numa determinada cadeia. No entanto, o Mecanismo Nacional de Prevenção considerou que “nem sempre o cálculo da lotação oficial respeita os padrões internacionais que estabelecem a área mínima que um alojamento deve garantir a cada pessoa reclusa”.
Por exemplo, refere o documento entregue hoje na Assembleia da República, este organismo visitou celas que, “pela sua área, deveriam alojar apenas um recluso e que os serviços da DGRSP contabilizam como sendo destinados a duas pessoas”.
Por este motivo, o Mecanismo Nacional de Prevenção disse existirem “fortes indícios” de que a lotação oficial das prisões está inflacionada e que, por consequência, “a taxa de ocupação real (e de sobrelotação) do sistema prisional é também superior à que resulta dos dados divulgados”.
Para a sobrelotação nas cadeias portuguesas, são apontados três fatores essenciais pelo mecanismo do Provedor de Justiça: o recurso excessivo à prisão preventiva, a aplicação de pena de prisão por crimes menos graves e a elevada duração médias das penas de prisão. Aliás, sobre este último ponto, o Conselho da Europa referiu em 2023 que Portugal é o país europeu com duração de penas de prisão mais elevada.
Este ano, o Provedor de Justiça fez 50 visitas de monitorização a locais onde se encontram pessoas em privação de liberdade, no sentido de avaliar as condições em que se encontram e que tratamento lhes é dado. Além da visita às 10 maiores cadeias do país, foram também feitas visitas aos seis centros educativos, centros de instalação temporária para estrangeiros e espaços equiparados, hospitais psiquiátricos e postos e zonas de detenção das forças policiais.