Há 14 meses que o marido de Tsikhanoukaia, preso pelo regime de Lukashenko, está incomunicável.
Há 14 meses que o marido de Tsikhanoukaia, preso pelo regime de Lukashenko, está incomunicável.Álvaro Isidoro / Global Imagens

Sviatlana Tsikhanouskaia: “Lukashenko está a ganhar muito dinheiro com a guerra na Ucrânia”

A líder da oposição no exílio bate-se pela cultura do seu país e pela resistência à russificação. Às democracias pede sincronia de sanções a Minsk e a Moscovo, e aos europeus aconselha não seguirem o canto da sereia dos populistas nas próximas eleições.
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Em Portugal para participar esta terça-feira no ciclo de conferências Concordia, no Porto, a dissidente bielorrussa fez uma paragem em Lisboa para se encontrar com o primeiro-ministro Luís Montenegro. Antes recebeu o DN, de inseparável pasta com a fotografia do marido na mão.

Na semana passada esteve em Estocolmo para uma conferência sobre a Bielorrússia. Qual foi o resultado?
Discutimos muitas questões relacionadas com os presos políticos, a pressão sobre o regime, a assistência aos nossos meios de comunicação social, aos defensores dos direitos humanos, diferentes iniciativas. Como resultado, o governo sueco prometeu contribuir para o fundo humanitário destinado a libertar os presos políticos e as suas famílias. Falámos também com o ministro dos Negócios Estrangeiros sobre a oportunidade para jovens diplomatas bielorrussos ali estudarem, para que possam ter experiência nas suas instituições. Sinceramente, por vezes é difícil manter a Bielorrússia na ordem do dia, porque existem muitos problemas a nível mundial. Mas esta conferência foi uma expressão muito viva de apoio e solidariedade com a luta bielorrussa. E é uma mensagem clara para [Alexander] Lukashenko e para o seu regime de que o mundo democrático não os reconhece como um governo legítimo.

Vladimir Putin esteve em Minsk há alguns dias e sublinhou a importância de uma estratégia de defesa unificada com as armas nucleares táticas instaladas no seu país. A Bielorrússia é atualmente uma ameaça à segurança da Europa?
Enquanto Lukashenko estiver no poder criará sempre ameaças, não só para o povo bielorrusso mas também para a segurança de toda a região. Não temos de pensar que os ditadores podem ser apaziguados ou que os ditadores podem ser reeducados. Os ditadores só podem ser combatidos. E, claro, eles criam esta ameaça nuclear para chantagear os vizinhos ocidentais e mantê-los na incerteza. Será que vão usar ou não? A arma nuclear já existe na Bielorrússia ou não? O que significa esta visita de Putin? O que significa o treino conjunto russo-bielorrusso? É só para especular e para desviar as atenções do apoio à Ucrânia, por exemplo. E sim, fá-lo-ão e poderão criar novas ameaças aos nossos vizinhos europeus só para fazer chantagem.

O seu país e a Rússia têm um acordo de união de Estados. É possível que a democracia se instale na Bielorrússia enquanto Putin estiver no poder?
Em primeiro lugar, devo dizer que apenas 4% dos bielorrussos apoiam esta ideia de unidade russo-bielorrussa. A maioria dos bielorrussos quer que a Bielorrússia seja independente da Rússia, que seja um país soberano. Eles [Putin e Lukashenko] têm uma amizade simbiótica. Neste momento, precisam um do outro e estão a servir-se um do outro. Houve alturas em que Lukashenko tinha uma má relação com Putin, mas agora são aliados. Ouço muitas vezes que enquanto Putin não estiver no poder, Lukashenko não será derrotado. Mas estou absolutamente convicta de que não será assim. Não podemos estar nas ruas da Bielorrússia neste momento para dizer não a Lukashenko, porque a repressão é terrível. Mas o que podemos fazer agora é reforçar a nossa identidade nacional, não permitir esta russificação, não permitir que a Rússia invada as mentes das pessoas. Podemos reforçar as nossas instituições democráticas. Sim, neste momento estamos no exílio, mas temos muitas estruturas clandestinas dentro do país. Podemos reforçar a nossa sociedade civil, que foi destruída na Bielorrússia. E nenhuma nação, como nação, como um conjunto de mentes, pode ser subjugada se essa nação tiver um forte entendimento de que os bielorrussos não são russos. Não temos de olhar para o que Putin ou a Rússia vão dizer. Temos de compreender que é nossa obrigação desmantelar o regime. Não temos de pensar que temos de esperar até que Putin saia do poder e depois podemos fazer alguma coisa na Bielorrússia. Quer isto dizer que não devemos fazer nada? Claro que não. Temos de enfraquecer o regime neste momento e fortalecer o nosso povo. Agora temos esta tática das mil pequenas partes, enfraquecer o regime em diferentes aspectos. Atualmente, o regime de Lukashenko sente-se muito frágil. Talvez do exterior pareça muito forte, mas não é. Existe uma atmosfera de total desconfiança em relação a este regime. As pessoas têm medo de serem traídas pelos seus amigos. Lukashenko está a distribuir o pessoal à sua volta, está a fazer uma manta de retalhos no seu sistema. Mas penso que, neste momento, as pessoas sentem-se muito vulneráveis. Compreendem que não conseguiram que o povo bielorrusso voltasse a confiar ou a gostar deste regime. E agora Lukashenko nem sequer tenta fazer com que as pessoas gostem dele. Não se preocupa com elas. O que ele está a reforçar é apenas o seu aparelho de segurança pessoal, o sentimento de medo entre os bielorrussos. Penso que, para os portugueses, o que se está a passar na Bielorrússia pode ser compreensível se recordarem os tempos de Salazar. Estamos no século XXI, mas a ditadura, tal como vocês a sentiam, está na Bielorrússia.

A Bielorrússia vai aderir em breve à Organização de Cooperação de Xangai. Faz sentido continuarem membros deste pacto quando o seu país vier a tornar-se numa democracia?
Penso que caberá às nossas equipas económicas democráticas, ao novo Ministério da Economia, compreender as vantagens ou desvantagens desta parceria. Sei que a China é um país muito pragmático. Quando a nossa revolta começou, retirou muitos projetos da Bielorrússia. E agora, como é óbvio, Lukashenko, devido à imposição de tantas sanções ao seu regime, está a tentar procurar novos parceiros. Está a tentar procurá-los entre os países africanos e, agora, na China. Mas acreditem que a China não vai contribuir para um país com uma situação instável. É claro que muitas relações serão reconsideradas após a introdução de mudanças democráticas na Bielorrússia. Não vou aprofundar este tema, mas uma relação especial com a Rússia deveria ser reavaliada.

Em novembro, afirmou ao DN que as sanções da União Europeia são insuficientes. O futuro pacote de sanções deverá abranger a proibição do comércio de gás natural e de bens e tecnologias que possam ser utilizados para fins militares. Qual é a sua opinião?
O que será eficaz é a sincronização das sanções entre a Rússia e o regime bielorrusso. Isso será eficaz. Porque atualmente, se impusermos sanções separadas ao regime de Lukashenko e sanções separadas à Rússia, estas podem ser facilmente contornadas. Lukashenko continua a negociar com a Europa e com outros países. Estão a abrir empresas de dados e continuam a fazer comércio. O mesmo acontece com a Rússia, que compra bens à Bielorrússia. Sobre as sanções relativas a diferentes equipamentos que podem ser utilizados para a produção militar: Lukashenko está a ganhar muito dinheiro com esta guerra na Ucrânia. Está a comprar microchips e estão a produzir dispositivos óticos para o exército russo. Até transformou empresas civis em empresas militares, só para ajudar a Rússia. E, claro, estão a vender tudo isto a um preço muito elevado. Por isso, só a sincronização e o cumprimento das sanções que mencionou podem ser úteis.

Lukashenko já anunciou que irá concorrer às eleições de 2025. Com o seu exílio, a oposição deixou de ter voz no interior do país. Qual a estratégia que defende para as eleições presidenciais?
A nossa posição é que aquilo a que chamam eleições presidenciais não tem nada a ver com eleições. Mas temos de explicar aos nossos parceiros e ao povo bielorrusso que, quando o campo político está vazio, quando todos os meios de comunicação social estão arruinados, quando todas as ONG estão fechadas e todos os opositores políticos estão na prisão ou no exílio, então de que eleições podemos falar? Será como um ritual em que Lukashenko se nomeará presidente, mas é claro que não o é. Portanto, não tem nada a ver com quaisquer mudanças. É claro que nós, enquanto forças democráticas, utilizaremos esta farsa para interferir no processo. Ainda não sabemos como, porque as circunstâncias podem mudar. Muito depende da Ucrânia e da situação em torno de Lukashenko. Nas chamadas eleições parlamentares uma pessoa do Partido Verde, um vegetariano, decidiu candidatar-se. Foi imediatamente preso. Por isso, é claro que não podemos falar de concorrência, mas faremos alguma coisa de certeza. Recentemente, Lukashenko nomeou-se presidente da Assembleia Popular, como Nazarbayev fez no Cazaquistão. E este presidente da Assembleia Popular tem muito mais poderes do que o próprio presidente. Penso que Lukashenko está a compreender que algo pode correr mal, que pode cancelar a eleição em 2025, mas que já será um supergovernador do país. Por isso, ele também compreende que as chamadas eleições começarão com alguma turbulência, com algumas ações. E, claro, tenho de sentir os humores do povo bielorrusso. Agora percebo que as pessoas precisam de entender o que é uma oportunidade real, que há um rastilho que pode mudar alguma coisa.

Os europeus vão votar dentro de alguns dias e as sondagens indicam que mais mandatos sejam atribuídos no Parlamento Europeu a aliados de Putin ou, pelo menos, com opiniões menos hostis. Qual é o seu conselho aos eleitores?
Muitas pessoas, muitos políticos, estão a tentar propor soluções simples. Pensam que é através do apaziguamento dos ditadores, ou através de negociações e deixando para trás algumas exigências dos ucranianos que podem alcançar a paz. Mas é uma ilusão, porque não existe uma solução simples para esta situação. Ou se derrota um ditador ou se pactua com um ditador. Não há outra opção. E, claro, as opiniões de que temos de estar mais próximos da Rússia trouxeram-nos à situação que temos agora. Por isso, quero que os políticos e as pessoas comuns sejam mais orientados para os valores do que para os negócios ou para a estabilidade. Porque é isso que os ditadores querem. Querem esperar muito tempo até vencerem pelo cansaço e que as soluções populistas prevaleçam. Por isso, quero acreditar nos partidos democráticos, que são muito mais fortes e decisivos do que pensam. Têm poder, mas têm de mostrar determinação. Porque toda esta indecisão é vista como uma fraqueza pelos ditadores. Eles não esperam decisões fortes. Mas, como sabe, a luta atual não é apenas pela Ucrânia. É uma luta contra a ditadura, porque os ditadores estão a fazer alianças, estão a acumular o seu poder. E olham para o mundo democrático como um mundo muito fraco. É altura de provar que não é.

Há algumas semanas, na Lituânia, um russo da equipa de Alexei Navalny foi atacado com um martelo. Sente-se ameaçado por Lukashenko? Recebe ameaças?
Estamos à espera destas ameaças há quatro anos. Acho que ninguém está seguro. Não estou a falar na Bielorrússia, mas no exílio. Porque sei que há pessoas do KGB a infiltrarem-se, mas não vejo as pessoas dispostas a desistir porque estão a sentir esta ameaça. Por isso, estamos sempre a atualizar a informação sobre como lidar com esta ameaça. Não podemos dar a cada pessoa um guarda-costas ou um polícia, por isso, temos de estar atentos ao que está a acontecer.

No seu caso tem segurança 24 horas, presumo.
Tenho um estatuto diplomático na Lituânia, por isso, no que me diz respeito, sim. Mas, nesta situação, não pensamos apenas em nós, mas nas pessoas, em como ajudar as pessoas nesta situação.

Já conseguiu comunicar com o seu marido [Syarhei Tsikhanouski]?
Não. Desde março do ano passado que não sei nada. Não sei, na verdade, se está vivo. Estamos a levantar esta questão, que é considerado um tipo de tortura para as estruturas internacionais, para o Conselho dos Direitos Humanos da ONU, para que façam alguma coisa. Os nossos advogados estão a trabalhar arduamente na arena internacional. Não é só o meu marido, outras pessoas também estão a passar por isto. É como se esta incerteza me estivesse a matar. Porque eu e os meus filhos escrevemos cartas, mas não recebemos cartas de volta. Tentamos enviar algum dinheiro para comprarem alguma coisa na prisão, mas é negado. Não sei, pode parecer tão primitivo, mas não sei se ele tem escova e pasta de dentes, papel higiénico, meias novas, roupa interior, nada. Isto está a torturar-me.

cesar.avo@dn.pt

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