Ahmed, de 21 anos, contou à Amnistia Internacional que tentava fugir de El-Fasher com a esposa, os dois filhos pequenos e o irmão quando a cidade caiu a 26 de outubro. A esposa foi morta por estilhaços de uma explosão e, já separado dos filhos, Ahmed continuou a fuga com o irmão e com duas meninas pequenas cujos pais teriam sido mortos. Nos arredores de Golo, foram emboscados por combatentes do grupo paramilitar Forças de Apoio Rápido (RSF), que executaram o seu irmão e outros três homens. Relatos de violência sexual são igualmente frequentes. Ibtisam, que fugia com os cinco filhos, contou ter sido violada por um combatente das RSF e só depois descobriu que a filha de 14 anos também fora atacada. A menina adoeceu gravemente e morreu num posto médico em Tawila. Mais a leste, Daoud, de 19 anos, relatou que fugia com sete amigos da vizinhança quando todos foram capturados na berma que cercava a cidade: “Dispararam contra nós de todas as direções. Vi os meus amigos morrerem à minha frente.” Os investigadores da Amnistia Internacional entrevistaram sobreviventes que, sob nome fictício, descreveram ter testemunhado grupos de homens a serem baleados ou espancados e feitos reféns para obter resgates. As sobreviventes descreveram como foram vítimas de violência sexual por parte dos combatentes das RSF, tal como algumas das suas filhas. Muitos dos entrevistados descreveram ter visto centenas de cadáveres abandonados nas ruas de El-Fasher e nas principais estradas que saem da cidade, tomada a 26 de outubro. Relatórios divulgados pela Amnistia Internacional revelam novos detalhes sobre a violência extrema cometida pelas Forças de Apoio Rápido (RSF) em El-Fasher, no estado de Darfur do Norte. Sobreviventes entrevistados — três no Chade e os restantes através de dispositivos móveis — descreveram ter visto grupos de homens a serem baleados, espancados ou capturados para resgate, além de centenas de cadáveres abandonados nas ruas e nas principais estradas da cidade. As testemunhas relataram também casos de violência sexual perpetrada por combatentes das RSF, incluindo violações de mulheres e de raparigas menores de idade. Muitos dos entrevistados afirmaram ter assistido a um grande número de corpos espalhados pela cidade após o cerco e subsequente entrada das RSF em 26 de outubro. A secretária-geral da Amnistia Internacional, Agnès Callamard, alertou para a gravidade dos relatos: “O mundo não deve desviar o olhar enquanto surgem mais detalhes sobre o ataque brutal das RSF a El-Fasher.” Callamard afirma que os atos descritos constituem crimes de guerra e possivelmente outros crimes previstos no direito internacional. Acrescentou ainda que as atrocidades foram facilitadas pelo apoio dos Emirados Árabes Unidos às RSF, apelando à comunidade internacional para exigir o fim desse apoio. A Amnistia defendeu também que o Conselho de Segurança da ONU amplie o mandato do Tribunal Penal Internacional sobre Darfur para todo o Sudão e que a Missão de Investigação do Conselho de Direitos Humanos receba mais recursos. A organização voltou ainda a pedir que todos os Estados deixem de vender ou fornecer armas às partes em conflito, em conformidade com o embargo já existente. “Estas atrocidades foram facilitadas pelo apoio dos Emirados Árabes Unidos (EAU) às RSF. O apoio contínuo dos EAU às RSF está a alimentar o ciclo implacável de violência contra civis no Sudão. A comunidade internacional e o Conselho de Segurança da ONU devem exigir que os EAU deixem de apoiar as RSF. É imperativo que a Missão de Investigação do Sudão do Conselho de Direitos Humanos da ONU tenha os recursos necessários para cumprir, de forma significativa, o seu mandato e investigar as violações e abusos no Sudão, incluindo os que ocorrem em El-Fasher. O Conselho de Segurança da ONU, que remeteu a situação em Darfur ao Tribunal Penal Internacional, deve agora imperativamente alargar o pedido ao resto do Sudão”, adiantou a responsável. “Execuções e violações enquanto agressores riem” Entre os relatos recolhidos, Ahmed, de 21 anos, contou que tentou fugir com a família, mas a esposa morreu devido a estilhaços de uma explosão. Depois de se ver separado dos filhos, fugiu com o irmão e com duas meninas pequenas cujos pais teriam sido mortos. No caminho, já nos arredores de Golo, foram emboscados por combatentes das RSF. Apesar de afirmarem ser civis, foram informados: “Em El-Fasher, não há civis, todos são soldados.” Os combatentes ordenaram que o irmão de Ahmed e mais três homens se deitassem no chão e executaram-nos. Ahmed, as duas meninas e uma mulher mais velha foram autorizados a seguir, mas esta última morreu de desidratação antes de chegarem a Tawila. Daoud, de 19 anos, relatou que fugia com sete amigos quando foram capturados na berma que cercava a cidade. “Dispararam contra nós de todas as direções”, disse, acrescentando que viu todos os amigos morrerem. Khalil, de 34 anos, afirmou que, após inicialmente conseguir passar pela berma, foi capturado com cerca de 20 pessoas por combatentes das RSF em carros. Dois combatentes abriram fogo, matando 17 dos 20 homens, e Khalil sobreviveu apenas por fingir estar morto. “Foi um massacre. Nenhuma das pessoas mortas que eu vi era soldado armado”, relatou. Outro testemunho,de Badr, 26 anos, relata que viajavam numa carroça com o tio ferido e outros pacientes quando, ao chegar à aldeia de Shagara, foram cercados pelas RSF. Os combatentes amarraram-lhes as mãos, ordenaram que todos — incluindo idosos feridos — entrassem numa carrinha e, ao perceberem que isso atrasaria o processo, um dos combatentes abriu fogo, matando os três homens mais velhos e os burros que puxavam a carroça. Badr disse que os atacantes “estavam a gostar, estavam a rir”. Badr foi mantido em cativeiro e obrigado a telefonar à família, com as RSF a exigirem mais de 20 milhões de libras sudanesas pelo seu resgate. Durante o cativeiro, viu um combatente das RSF filmar a execução de um refém para pressionar os familiares a enviarem dinheiro. Ibtisam, que fugia com os cinco filhos, contou ter sido violada por um combatente das RSF e só depois descobriu que a filha de 14 anos também fora atacada. A menina adoeceu gravemente e morreu num posto médico em Tawila. Khaltoum, 29 anos, descreveu como, após serem capturados perto do portão “Babul Amal”, os combatentes das RSF separaram homens de mulheres, mataram cinco homens e obrigaram um grupo de mais de 20 mulheres a caminhar até ao campo de deslocados de Zamzam. Lá, as mulheres mais jovens foram separadas e revistadas. Khaltoum* disse ter sido levada para um abrigo improvisado, onde foi violada três vezes ao longo do dia, enquanto outras dez mulheres selecionadas também foram violadas. O conflito entre as RSF e as Forças Armadas do Sudão (SAF), iniciado em abril de 2023, já matou, segundo a Amnistia Internacional, dezenas de milhares de pessoas e deslocou mais de 12 milhões, "constituindo a maior crise humanitária do mundo". A Amnistia Internacional já havia documentado crimes de guerra e violência sexual generalizada cometidos pelas RSF, bem como o fluxo contínuo de armas para o Sudão, incluindo o fornecimento de armas e munições pelos Emirados Árabes Unidos.