Para os polacos uma viagem a Kuznica equivale a um dia estival numa concorrida praia do norte do país, na baía de Gdansk. Mas para milhares de migrantes oriundos na maioria do Curdistão iraquiano, mas também de outras origens, a Kuznica à qual tentam chegar encontra-se a mais de 500 quilómetros de distância a sudeste, junto à fronteira com a Bielorrússia. A situação junto à fronteira mantém-se tensa como antes, mas no campo diplomático o líder bielorrusso esteve à conversa com a chanceler alemã Angela Merkel, e em paralelo, os presidentes da Rússia e de França, Vladimir Putin e Emmanuel Macron. Minsk dá sinais de cedência, mas a União Europeia não deverá recuar e prepara-se para mais uma ronda de sanções, a quinta a aplicar ao regime autocrático.."Estamos aqui à espera, entre soldados polacos e bielorrussos. Eles não nos deixam ir a lado nenhum", disse Aryan Wali Zellmi, um curdo de 25 anos oriundo do Iraque. Em declarações por telefone à AFP - o estado de emergência na Polónia impede a circulação de jornalistas e de agências humanitárias - Zellmi conta que já tinha tentado fazer a viagem no mês passado, mas foi retido no aeroporto de Minsk e deportado, com as autoridades bielorrussas a alegarem que o seu visto não era válido. Mas isso não impediu este dono de um café na região de Halabja, no Curdistão iraquiano, de tentar de novo. Segundo contou, a passagem e o visto para ficar preso entre soldados e sofrer temperaturas negativas à noite ficou por 4300 euros..Quem reconheceu que a situação está a ficar "cara" para o seu país foi Alexander Lukashenko. Na segunda-feira, o líder bielorrusso falou durante mais de uma hora com Angela Merkel, no que foi a sua primeira conversa com um dirigente ocidental desde o início da nova onda de repressão, em 2020, após os contestados resultados eleitorais. Segundo os meios de comunicação estatais, Lukashenko mostrou -se disponível para resolver a crise e garantiu não querer um conflito com a Polónia, enquanto a a chefe do governo alemão realçou a necessidade de prestar assistência humanitária..Em declarações à agência Belta, Lukashenko disse que propôs transportar os migrantes para a Alemanha numa ponte aérea da companhia estatal Belavia - proibida de voar para o espaço europeu depois do desvio do voo da Ryanair para Minsk, em 23 de maio, com o objetivo de prender o ativista e opositor Raman Pratasevich e a namorada. "Se for necessário, vamos enviá-los para Munique com os nossos próprios aviões", afirmou. "Estamos a trabalhar ativamente nesta zona para convencer as pessoas: "por favor, voltem para casa". Mas ninguém quer voltar", disse o líder autoritário..Maria Raquel Freire: "Há uma relação de amor-ódio entre Lukashenko e Putin".Lukashenko, que pediu ajuda a Moscovo, com bombardeiros russos a cruzar os céus e a lançar paraquedistas em exercícios com os congéneres bielorrussos, e ameaçou cortar o acesso do gás russo aos países a ocidente, mudou de tom: "Gostaria de ressaltar: não queremos qualquer conflito na nossa fronteira. Seria completamente prejudicial para nós." No entanto Lukashenko acusou a Polónia de "precisar" desta crise devido aos "problemas internos" e das tensões com os parceiros da União Europeia..Josep Borrell: "Por enquanto não estamos a falar de acções militares".Por sua vez, Lukashenko é acusado de criar uma crise migratória às portas da Europa como antes Erdogan fez na fronteira com a Grécia, em vingança pelas continuadas sanções que o atingem e à cúpula do regime. Bruxelas não só não vai recuar perante as ameaças como irá avançar com mais uma ronda de restrições. Depois de uma reunião de ministros dos Negócios Estrangeiros, o chefe da diplomacia Josep Borrell anunciou que nos próximos dias serão sancionados 30 indivíduos, a companhia aérea Belavia e agências de viagens que promoveram este fluxo migratório..O Departamento de Estado norte-americano mostrou-se solidário e anunciou que irá coordenar-se com a UE para castigar o regime de Lukashenko pelos "contínuos ataques à democracia, aos direitos humanos e às normas internacionais"..O presidente russo, que no sábado garantiu não estar envolvido nesta crise, falou ao telefone com o homólogo francês. Segundo o Eliseu, Putin prometeu a Macron falar sobre o assunto com Lukashenko, um velho aliado com o qual nem sempre tem as melhores relações..Junho.A Lituânia, que em 2020 recebera 70 imigrantes sem documentos, viu entrar pela fronteira bielorrussa quase sete vezes mais esse número só no mês de junho. A Lituânia acolhe exilados bielorrussos, entre os quais Svetlana Tikhanovskaya, que Vilnius considera a presidente legítima da Bielorrússia..Julho.O presidente lituano Gitanas Nauseda promulgou uma lei aprovada pelo parlamento a facilitar a deportação de migrantes "ilegais". O país báltico recebeu assistência da Polónia, Estónia, Ucrânia e da UE para lidar com a crise migratória. A fronteira da Letónia também é procurada..Agosto.A rota dos migrantes é desviada para a fronteira com a Polónia numa altura em que Varsóvia dava asilo à atleta bielorrussa Kristsina Tsimanouskaya, que fora expulsa dos Jogos Olímpicos de Tóquio e que temia pela sua vida. O presidente polaco Andrzej Duda acusou Minsk de levar a cabo uma guerra híbrida. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem responde a uma queixa de 41 curdos iraquianos e 32 afegãos e indica às autoridades polacas e letãs para providenciarem assistência aos migrantes e, "se possível, abrigo temporário"..Setembro.O mês começa com o governo polaco a declarar estado de emergência nas áreas fronteiriças, para as quais as tropas já tinham acorrido uma semana antes. As autoridades polacas difundem vídeo de veículos militares bielorrussos a transportar migrantes para a fronteira..Outubro.O parlamento polaco aprova uma controversa lei que autoriza os guardas a expulsarem de imediato quem cruze a fronteira. O governo anuncia a construção de uma vedação ao longo da fronteira com a Bielorrússia..Novembro.Iraque encerra consulados bielorrussos no país para bloquear o fluxo migratório e a Turquia não permite que cidadãos de certas nacionalidades comprem passagens para Minsk..cesar.avo@dn.pt