Sinais contraditórios. Putin quer negociar mas a ameaça continua

Líder russo fala em "retirada parcial de tropas" e diz não querer guerra com Ucrânia, enquanto deputados apelam para que reconheça a independência das regiões separatistas.

A visita do chefe do governo alemão ao presidente russo ficou marcada pelas declarações de Vladimir Putin em como não quer invadir a Ucrânia e que pretende prosseguir a via diplomática com o Ocidente. Mas o dia ficou marcado, como disse o britânico Boris Johnson, por "sinais contraditórios": Moscovo anunciou o início da retirada de tropas junto da fronteira com a Ucrânia, mas ao mesmo tempo faltou a uma reunião no seio da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) para dar explicações sobre as manobras militares; os deputados russos pediram a Putin para este reconhecer a "independência" das duas regiões em guerra com Kiev; e vários sites ucranianos voltaram a ser alvo de um ciberataque.

Da conferência de imprensa conjunta de Putin e Olaf Scholz ressalta ainda uma ideia do alemão: "É nosso dever encontrar um entendimento político sem que ninguém tenha de desistir dos seus princípios neste processo. Isso é liderança política."

Na véspera, ao lado do presidente ucraniano Volodymyr Zelensky Scholz tinha manifestado estranheza pelo finca-pé do líder russo no que respeita à adesão da Ucrânia à NATO, um tema que, diz, não estava na agenda e que para Zelensky não passa de um "sonho". No Kremlin, se bem que tenha criticado a condenação do opositor Alexei Navalny, o social-democrata mediu as palavras e disse que "não se pode alcançar uma segurança duradoura contra a Rússia, mas apenas com a Rússia".

Já o líder russo, que vinha a dar sinais de alguma distensão, negou com um "claro que não" a ideia de querer invadir a Ucrânia, mas insistiu no ponto que, a seu ver, os Estados Unidos e a NATO não cumprem, o princípio da segurança indivisível, isto é, que estado algum deve reforçar a sua segurança à custa da segurança de outros, previsto no documento da cimeira de Istambul da OSCE, em 1999. "Estamos prontos para seguir o caminho das negociações", disse Putin.

O presidente que já levou a Rússia para quatro conflitos - um doméstico, a segunda guerra na Chechénia, e as guerras na Geórgia, Ucrânia (de forma não declarada) e Síria - também confirmou uma "retirada parcial de tropas" da região sob tensão e na qual os Estados Unidos afirmam haver mais de cem mil soldados russos. Mas não foi dada mais informação, o que levou a comentários cautelosos por parte das capitais ocidentais.

Em Paris, o Eliseu salientou que o início de um "movimento de desmobilização estaria em consonância" com o que Putin havia dito a Emmanuel Macron na semana passada. "Há uma dinâmica que deve ser verificada e consolidada", disse a presidência francesa, acrescentando que "tudo é muito frágil". Em conversa telefónica entre Macron e o norte-americano Joe Biden retirou-se do anúncio "um primeiro sinal promissor", ainda que a necessitar de verificação. "Qualquer passo verdadeiro de desescalada seria um momento de esperança. Mas até agora só há anúncios e precisamos de factos", comentou a ministra alemã dos Negócios Estrangeiros Annalena Baerbock.

E outros factos passaram, por exemplo, pela ausência do representante diplomático de Moscovo numa reunião da OSCE pedida pela Ucrânia para se discutir o movimento das tropas russas. Também pela moção dos deputados da Duma para que Putin reconheça a independência de Donetsk e Lugansk, desde 2014 em poder de rebeldes, com apoio de Moscovo. Alegou o presidente do parlamento Vyacheslav Volodin que o apelo se deve ao incumprimento dos acordos de Minsk.

O porta-voz do Kremlin disse que não podia falar porque não há qualquer posição oficial, mas acabou por dizer que "os representantes do povo refletem a opinião do povo". Para o chefe da diplomacia ucraniana Dmytro Kuleba tal medida poria a "Rússia de facto e de jure" de fora dos acordos de Minsk. A jogada de Moscovo foi "vigorosamente condenada" pela União Europeia, segundo o seu alto representante Josep Borrell.

Por fim, um mês depois de ter sido alvo de um ciberataque, a que apontou o dedo à Rússia, a Ucrânia voltou a sofrer novo ataque, desta vez atingindo sites do Ministério da Defesa, bem como de dois bancos estatais.

Ajuda a Kiev

Estados Unidos
650 toneladas de "ajuda letal", incluindo munições de armas ligeiras, morteiros e cartuchos de artilharia, 300 mísseis antitanque Javelin, mísseis de destruição de bunkers, lança-granadas e espingardas. Desde a invasão russa da Crimeia, os EUA aplicaram mais de 2,7 mil milhões de dólares em assistência militar.

União Europeia
O Parlamento Europeu discute hoje a aprovação de um pacote de ajuda de 1,2 mil milhões de euros.

Reino Unido
2000 mísseis antitanque de curto alcance NLAW, 30 militares de elite para formação (entretanto já saíram do país).

Lituânia, Letónia e Estónia
Sistema de mísseis antiaéreos Stinger, munições, formação militar e mísseis antitanque Javelin.

Polónia
Mísseis terra-ar Piorun, munições, drones de reconhecimento e 120 toneladas de equipamento médico.

Rep. Checa
Munições no valor de 1,5 milhões de euros.

Turquia
Acordo para produção na Ucrânia dos drones de combate Barayktar TB2 - Kiev conta com 20 -, com a construção da fábrica em curso.

Canadá
Empréstimo de 345 milhões de euros e equipamento e munições no valor de 5,3 milhões.

Alemanha

Empréstimo de 150 milhões de euros.

Japão

Empréstimo de, pelo menos, 100 milhões de dólares.

cesar.avo@dn.pt

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