Rússia mantém Kiev e Chernihiv debaixo de fogo enquanto se concentra no Donbass
Apesar de ter anunciado no dia anterior uma "redução drástica" da atividade militar na região de Kiev e junto de Chernihiv em resultado das negociações, a Rússia manteve os ataques nas referidas localizações, em especial na cidade do nordeste, e está a reagrupar-se no leste, onde tentam tomar Popasana, Rubizhne e Mariupol, segundo diz o Ministério da Defesa ucraniano.
As autoridades ucranianas acusaram Moscovo de bombardear um armazém da Cruz Vermelha em Mariupol. Enquanto o líder russo dá um passo atrás na ameaça de não receber o pagamento do gás em euros, o seu chefe da diplomacia esteve na China para ouvir do homólogo o reafirmar de uma "amizade sem limites". Já o presidente da Ucrânia discutiu com o líder norte-americano a futura ajuda de defesa e pediu aos deputados noruegueses para bloquearem os navios russos como estes fizeram no mar de Azov e no mar Negro.
A Rússia não está a falar a uma voz no que respeita à ronda negocial realizada na terça-feira em Istambul. O negociador russo Vladimir Medinsky reiterou que as conversações com a Ucrânia parecem estar à beira de um avanço palpável, enquanto outros funcionários mostraram ceticismo. Desconhece-se se as mensagens contraditórias são propositadas ou se expõem a desarticulação dos subalternos de Vladimir Putin.
A este propósito, embora a comentar em específico sobre as informações militares prestadas pelos generais ao líder russo, o secretário de Estado norte-americano crê que Putin não está a receber todas as informações. "Um dos calcanhares de Aquiles das autocracias é que não há pessoas nesses sistemas que falem verdade ao poder ou que tenham a capacidade de falar verdade ao poder. E penso que isso é algo que estamos a ver na Rússia", disse Antony Blinken.
Para Medinsky, a proposta da Ucrânia de declarar a neutralidade é uma concessão central à Rússia. "A parte ucraniana delineou pela primeira vez, por escrito, a sua prontidão para cumprir uma série de condições importantes para construir relações normais e, espero, de boa vizinhança com a Rússia", disse numa declaração transmitida pela TV russa. O negociador chefe russo disse que a Rússia estava determinada a continuar as negociações. Mas horas antes o porta-voz do Kremlin mostrou-se muito menos impressionado. Apesar de reconhecer que a vontade expressa da Ucrânia em se comprometer pela neutralidade é um "fator positivo", alegou haver poucos progressos. "Não vemos nada de muito promissor ou quaisquer avanços. Há um trabalho muito, muito longo pela frente", disse Dmitri Peskov.
Estas indicações num sentido e no seu contrário reforçam as opiniões de analistas de que não há verdadeiro interesse em chegar em breve a um acordo de paz e que o anúncio da redução da atividade militar no distrito da capital e em Chernihiv foi uma forma de transformar uma derrota militar num gesto diplomático e conseguir ganhar tempo para as tropas se focarem no objetivo do Donbass.
Isso foi confirmado pelas palavras do Ministério da Defesa russo, ao, ao dizer que as forças russas em redor de Kiev estavam "reagrupadas" depois dos "objetivos alcançados" de fixar e enfraquecer as tropas ucranianas na região, acrescentando que se centraria agora "na fase final da operação de libertação" no leste da Ucrânia. E também foi confirmado pelos ataques russos que desmentiram o compromisso da redução da atividade militar. Chernihiv, segundo o seu autarca, foi alvo de um "ataque colossal" durante toda a noite. Também no distrito de Kiev continuaram os ataques. Segundo dados recolhidos pelo Pentágono, só uns 20% das forças junto da capital é que estão a reposicionar-se, uma parte a caminho da Bielorrússia, outra a dirigir-se para Chernihiv e outra para Sumy.
O porta-voz do Pentágono disse ainda que cerca de mil mercenários do grupo Wagner reforçaram as fileiras russas no Donbass. Mariupol, continuou John Kirby, "está a ser dizimado de uma perspetiva estrutural pelo massacre dos ataques aéreos russos". Num dos mais recentes, o armazém da Cruz Vermelha na cidade foi atingido, como foi comprovado pelas imagens de satélite.
O Ministério da Defesa ucraniano afirma que os principais esforços da Rússia estão concentrados em assumir o controlo de Mariupol e ainda de Popasana e Rubizhne enquanto os russos "sofreram perdas significativas" e provavelmente "desistiram temporariamente da tarefa de bloquear Kiev".
Quem aparenta ter desistido de ameaçar os chamados "países hostis" em relação ao fornecimento do gás natural foi o próprio Vladimir Putin. Depois de há uma semana o próprio ter ordenado ao banco central para se aceitar apenas o pagamento em rublos, na quarta-feira assegurou ao chanceler alemão Olaf Scholz que tudo permanece igual para os contratos em vigor. Vários países europeus e o G7 recusaram aquela pretensão, tendo alegado uma violação dos contratos.
Para contrariar o isolamento internacional, o ministro dos Negócios Estrangeiros Sergei Lavrov encontrou-se com o homólogo Wang Yi em Huangshan, no leste da China. Sem anunciar medidas concretas de apoio à Rússia, Wang disse que as relações entre China e Rússia resistiram bem ao desafio da mudança da situação internacional".
O presidente dos EUA Joe Biden pressionou diretamente o líder chinês Xi Jinping para que Pequim não ajude Moscovo a contornar as sanções internacionais nem a prestar assistência militar. O governo chinês não condenou a invasão da Rússia. "A cooperação sino-russa não tem limites. A nossa busca pela paz é ilimitada, a nossa defesa da segurança é ilimitada, a nossa oposição à hegemonia é ilimitada", disse o porta-voz da diplomacia chinesa, Wang Wenbin, sobre a visita do ministro russo.
Do outro lado da barricada, o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky recebeu de Biden o anúncio de mais 500 milhões de dólares em ajuda direta numa conversa telefónica. A mesma serviu também para discutirem a situação no terreno e as perspetivas das negociações, mas sobretudo sobre a assistência militar. "Falámos sobre apoio defensivo específico, um novo pacote de sanções melhorado e ajuda macrofinanceira e humanitária", disse Zelensky, que ainda aguarda por 100 drones Switchblade norte-americanos e mais sistemas de defesa antiaérea S-300 por parte de países do leste.