Dezenas de militantes da ala militar do Hamas - armados, de rosto tapado e faixa verde na cabeça - entregaram este domingo três reféns à Cruz Vermelha na cidade de Gaza, uma hora depois de as armas se terem silenciado no enclave palestiniano no início do cessar-fogo com Israel. Romi Gonen, Doron Steinbrecher e Emily Damari passaram de um carro para outro, com a multidão a rodear os veículos e a gritar Allahu Akbar. As três reféns estão livres após 471 dias de “inferno”, disse o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, e já se reuniram com as famílias. Agora é preciso esperar até sábado para novas cenas de euforia. “A Emily está em casa”, partilhou nas redes sociais a mãe, Mandy Damari, com imagens da videochamada que fez com a restante família que a aguardava no hospital Sheba, em Telavive. “Após 471 dias insuportáveis, a nossa adorada Dodo finalmente regressou aos nossos braços”, disse em comunicado a família de Doron, usando a sua alcunha. . O primeiro abraço das reféns foi com as mães, que as aguardavam numa infraestrutura das Forças de Defesa de Israel (IDF, na sigla em inglês) junto à fronteira com a Faixa de Gaza. Depois, voaram de helicóptero para o hospital, onde ficarão nos próximos dias. As primeiras indicações é que estão bem de saúde, sendo que Emily perdeu dois dedos logo no ataque de 7 de outubro de 2023, após ter sido atingida a tiro na mão..O emotivo reencontro das reféns israelitas com as famílias. “Juntamente com a imensa emoção, os nossos corações estão com todos os reféns que ainda estão em Gaza em condições desumanas, e aguardamos ansiosamente o seu regresso”, disse o porta-voz das IDF, Daniel Hagari. Netanyahu, num comunicado do seu gabinete, disse que as reféns “passaram por um inferno” desde que foram levadas para Gaza a Faixa de Gaza. Quinze meses depois, as armas calaram-se, mas as tréguas são frágeis. Eram 11.45 em Israel (13.45 em Lisboa) quando o cessar-fogo entrou em vigor, cerca de três horas depois do inicialmente previsto. Hagari explicou que houve um atraso na divulgação da parte do Hamas do nome das reféns que seriam libertadas. Em resposta, as IDF “atingiram infraestruturas militares do Hamas e terroristas armados em veículos”, contou, reiterando que Israel não vai “tolerar desvios do acordado”.O porta-voz das Brigadas Al-Qassam, a ala militar do Hamas, reiterou numa mensagem o “total compromisso com o acordo de cessar-fogo” de todas as fações palestinianas, enfatizando que “tudo isto depende do compromisso do inimigo”. Abu Obeida congratulou-se com os “golpes fatais” desferidos ao longo dos últimos meses a Israel, falando também dos “sacrifícios sem precedentes” dos palestinianos “em prol da liberdade”. E insistiu: “Os grandes sacrifícios e o sangue derramado pelo nosso povo não serão em vão.”A primeira fase do cessar-fogo dura 42 dias, devendo permitir a libertação de 33 reféns (da centena que ainda estão em Gaza, um terço deles já mortos). Os primeiros a ser libertados são as mulheres (civis e militares), crianças e homens maiores de 50 anos. Por cada refém civil devolvido a casa, Israel compromete-se a libertar 30 prisioneiros palestinianos - mulheres e crianças. Por cada militar irá libertar 50 presos. Este domingo, estava prevista a libertação de 90 pessoas da prisão de Ofer, a oeste de Ramallah - 69 mulheres e 21 menores, o mais novo dos quais com 15 anos. Entre as mulheres libertadas estava, segundo a lista a que a AP teve acesso, a irmã do antigo número dois do Hamas, Dalal Khaseeb, de 53 anos, ou Khalida Jarrar, de 62, importante membro da Frente Popular para a Libertação da Palestina. Ao princípio da noite ainda não tinham, contudo, sido libertados.O cessar-fogo permitiu ainda a entrada de ajuda humanitária na Faixa de Gaza - serão 600 camiões por dia. Os deslocados palestinianos puderam também começar a regressar a casa, sendo esperada a retirada dos militares israelitas das zonas populosas. As negociações para a segunda fase, que permitiria a libertação dos outros reféns, devem começar dentro de poucas semanas. Mas não é claro que possa haver acordo, com desconfiança de ambas as partes, nomeadamente em Israel por implicar negociar o fim da guerra. Só a assinatura do cessar-fogo já levou à demissão do ministro da Segurança, Itamar Ben-Gvir, assim como outros dois ministros do seu partido de extrema-direita, o Otzma Yehudit, que eram contra o acordo. “Estamos felizes pelo vosso regresso e aguardamos o regresso dos restantes reféns - através do uso de força, cortando o combustível e o fluxo de ajuda humanitária [à Faixa de Gaza], não através de rendição”, escreveu no X. . A sua saída da coligação governamental deixa Netanyahu com uma maioria de apenas 62 ou 63 deputados em 120 membros do Knesset. O outro partido de extrema-direita no executivo, o Sionismo Religioso, do titular das Finanças Bezalel Smotrich, mantém-se na coligação, apesar de também estar em desacordo com os termos do cessar-fogo..As três reféns libertadasRomi Gonen: A dançarina e coreógrafa de 24 anos, de Kfar Veradim, foi levada do Festival Nova, tendo sido na altura atingida a tiro na mão quando tentava fugir. Estava ao telefone com a família quando a ouviram dizer “Vou morrer, hoje”. Doron Steinbrecher: A enfermeira veterinária, de 31 anos, que tem também nacionalidade romena, foi levada do seu apartamento no kibbutz Kfar Aza. Quando o ataque começou contactou a família a dizer que estava escondida debaixo da cama, tendo gritado na última mensagem: “Eles chegaram, eles apanharam-me”. Emily Damari: Tem 28 anos e dupla nacionalidade israelita e britânica. Foi levada da sua casa no kibbutz Kfar Aza, tendo os terroristas matado o seu cão. Cresceu em Londres e é adepta do Tottenham. Segundo a mãe, foi baleada na mão (ontem viu-se que perdeu dois dedos), vendada e levada para Gaza no seu próprio carro.susana.f.salvador@dn.pt .Netanyahu diz que reféns libertadas "passaram por um inferno"