O funeral do chefe da Igreja Católica vai decorrer na manhã de sábado, decidiram os cardeais na primeira assembleia das chamadas congregações gerais. A lista de chefes de Estado e de governo bem como de outros dignitários presentes na cerimónia cresce a cada hora. As autoridades italianas, que esperam 200 mil pessoas nas cerimónias fúnebres, preparam medidas para facilitar o fluxo dos fiéis que irão despedir-se do papa Francisco na praça de São Pedro. A Comissão para a Ordem e Segurança Pública, presidida pelo ministro do Interior italiano Matteo Piantedosi, e reunida na Câmara de Roma, espera a chegada de 170 delegações oficiais e de 200 mil pessoas para o funeral do pontífice argentino. O Conselho de Ministros declarou cinco dias de luto, o que engloba o feriado de 25 de abril, o dia da libertação do fascismo. A medida causou controvérsia, em especial entre a esquerda, por ter a bandeira a meia haste num dia de comemoração, e depois de o ministro Nello Musumeci ter apelado para a “sobriedade”. “Não encontro justificação para as palavras bizarras sobre sobriedade com que se comemora o 25 de abril usadas por um ministro do governo Meloni. Querer diminuir o valor do que aquele dia representa, utilizando, além disso, a morte de uma personalidade extraordinária como o papa Francisco, não pode passar despercebido”, acusou o líder do partido Esquerda Italiana Nicola Fratoianni. Além do luto, o Conselho de Ministros decidiu entregar à Proteção Civil a coordenação do plano de ação para garantir que a chegada dos fiéis decorra sem incidentes. Na véspera, o ministro dos Transportes e das Infraestruturas Matteo Salvini anunciou o aumento da oferta de comboios, além de “acompanhamento gratuito para os idosos e descontos para aqueles que não possam arcar com os custos”. O vice-primeiro-ministro e líder do partido de extrema-direita Liga envolveu-se em mais de uma controvérsia com Francisco - este chegou a dizer que “um político não deve semear ódio e medo” - foi agora comedido ao reagir à sua morte, quando dias antes não poupou elogios a Bento XVI. Salvini não foi o único político com um historial de desinteligência com Francisco - e pelo menos um deles estará presente nas exéquias: o presidente argentino Javier Milei. Anos antes de ter qualquer responsabilidade política, o homem que passou a fazer parte da coqueluche do entorno de Donald Trump chamou de quase tudo ao seu conterrâneo, de “representante do maligno” na Igreja a “esquerdista asqueroso” ou ainda de “imbecil”. Nada que tenha impedido de ter sido recebido em audiência pelo papa no ano passado e que agora, ressalvadas as “diferenças”, mostrou-se honrado por ter conhecido um homem de quem destacou a “bondade e sabedoria”. As autoridades italianas esperam que a maioria das delegações oficiais cheguem a Roma no próprio dia da cerimónia - que se inicia às 09h00 de Lisboa no sábado - e que partam ao longo do dia. Uma exceção é a comitiva do presidente dos EUA, que acompanhado da mulher Melania Trump, chega na véspera à capital italiana no que é a sua primeira viagem ao estrangeiro desde que tomou posse em janeiro. Outro líder americano que confirmou a presença foi o brasileiro Lula da Silva. Do velho continente são esperados os líderes das instituições europeias (António Costa, Ursula von der Leyen, Roberta Metsola), e, entre outros, o francês Emmanuel Macron, os alemães Frank-Walter Steinmeier e Olaf Scholz , os reis de Espanha acompanhados de três ministros e do líder da oposição, o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa acompanhado do primeiro-ministro Luís Montenegro e do ministro dos Negócios Estrangeiros Paulo Rangel, ou o príncipe britânico William e o PM Keir Starmer. O líder ucraniano Volodymyr Zelensky, que também nem sempre esteve em acordo com Francisco, marcará presença com a mulher Olena. Certo é que o russo Vladimir Putin - sobre o qual impende um mandado de detenção do Tribunal Penal Internacional, não viajará para Roma. Na terça-feira, o Kremlin disse que ainda não decidiu quem representará Moscovo, enquanto o patriarca Cirilo - aliado de Putin e apoiante da guerra na Ucrânia - contou, em tom de elogio, que o pontífice teria rejeitado pressões para se afastar da Igreja Ortodoxa. “Não semeiem a discórdia entre mim e Cirilo”, disse este, citando Francisco, mas sem precisar em que momento terá ocorrido. O caso BecciuAs congregações gerais são um momento de grande importância para a escolha do sucessor: é nestas reuniões de governo interino que os cardeais se destacam e se alinham em alianças e candidaturas prévias ao conclave. Na reunião de terça-feira, na qual participaram 60 cardeais, destacou-se a presença do italiano Angelo Becciu. Becciu foi o protagonista de um dos maiores escândalos dos últimos anos da Igreja, ao adquirir um edifício em Londres por 193 milhões de euros. Um tribunal vaticano condenou-o a cinco anos e meio de prisão e foi destituído de funções. Agora o cardeal, que continua a dizer-se inocente, manifesta a intenção de participar na escolha do novo papa. Segundo a agência Ansa, a sua presença no conclave, ainda não confirmada, constituiria “um elemento desestabilizador, com possíveis efeitos de mobilização”, particularmente entre os críticos à linha de Jorge Bergoglio.