Diz-se que a Eslováquia é o país com mais castelos e palácios per capita, mas a história recente não é de encantar. A tentativa de assassínio do primeiro-ministro Robert Fico é o mais recente capítulo de uma sociedade polarizada entre a corrente no poder, conservadora e cada vez menos virada para ocidente, e outra, liberal, urbana e europeísta. .Ao início da noite o ministro do Interior eslovaco Matus Sutaj Estok confirmava que o chefe do governo estava em estado crítico depois de o perpetrador ter disparado cinco vezes. De acordo com o jornal Denník N, os ferimentos no abdómen, nos braços e nas pernas não põem em risco a vida de Fico, de 59 anos, algo confirmado pelo vice-primeiro-ministro Tomas Taraba..Já na manhã desta quinta-feira, o vice-primeiro-ministro informou que o estado de saúde do primeiro-ministro eslovaco é estável, mas mantém-se "muito grave". ."Esta noite, os médicos conseguiram estabilizar a condição do paciente. Infelizmente, o estado continua muito grave, porque as lesões são complicadas", disse vice-primeiro-ministro, que é também ministro da Defesa, Robert Kalinak. O Presidente eleito da Eslováquia, Peter Pellegrini, apelou entretanto aos partidos políticos para suspenderem a campanha para as eleições europeias..Segundo vários meios, o autor dos disparos é um poeta e ativista contra a violência de 71 anos, Juraj Cintura. “Robo, vem cá”, terá dito ao primeiro-ministro numa rua em frente ao centro cultural de Handlová, uma cidade mineira no centro do país, antes de fazer uso do revólver. Segundo o ministro Estok a tentativa de assassínio foi politicamente motivada, tendo a decisão do atacante sido tomada pouco depois das eleições que levaram Fico de novo ao poder, em outubro passado. .Estok, que considerou o dia desta quarta-feira como o mais triste para a democracia da Eslováquia apelou para uma pausa no discurso político extremado. “Não podemos responder ao ódio com ódio. É por isso que gostaria de vos pedir que parassem com todo este ódio nas redes sociais, dirigido a este ou àquele partido político. Que o ódio não seja a resposta, que não andemos por aí a matar-nos uns aos outros só porque temos uma opinião diferente”, afirmou. Ainda assim não resistiu à tentação e responsabilizou terceiros. “O que começou agora foi semeado por muitos de vós.” .Lubos Blaha, vice-presidente do Parlamento -- que ficou conhecido por ter retirado a bandeira da UE do seu gabinete ao assumir o cargo, bem como de retirar a fotografia da presidente Zuzana Caputová e substituí-la por uma de Che Guevara -- mostrou-se menos vago ao interromper os trabalhos parlamentares. “A culpa é vossa”, disse dirigindo-se às bancadas da oposição. Mais tarde, durante uma conferência de imprensa, atirou-se aos meios de comunicação social: “Por vossa causa o quatro vezes primeiro-ministro Robert Fico, o estadista mais importante da história moderna da Eslováquia, está neste momento a lutar pela vida.”.Robert Fico em janeiro de 2024. JOHN MACDOUGALL / AFP.Estas críticas surgem num dia em que estava marcado -- mas foi cancelado devido ao atentado -- mais um protesto contra o governo. No início do mês milhares de pessoas juntaram-se em Bratislava para se mostrarem contra o projeto do governo relativo à TV e rádio públicas, RTVS - um plano criticado pela presidente cessante, oposição, e pela Comissão Europeia. “Se Fico assumir o controlo da RTVS, isso significará um passo decisivo na direção de Orbán e Putin”, disse o líder da oposição Michal Simecka. Uma direção consolidada na terça-feira com a chegada à presidência do Conselho Judiciário da juíza Marcela Kosová..Este país nascido da partição pacífica da Checoslováquia foi abalado em 2018 pelo homicídio do jornalista Jan Kuciak, que investigava a corrupção do partido SMER, de Fico -- e este foi obrigado a demitir-se. Mas regressou em 2023 com um discurso mais populista e nacionalista, defensor do fim das sanções à Rússia e contra a ajuda militar à Ucrânia. O seu extremismo não obstou a que líderes de todas as tendências, de Luís Montenegro a Vladimir Putin, condenassem o atentado..Outros ataques a tiro.Rei do Nepal Em junho de 2001, Birendra, rei do Nepal, bem como outros oito membros da família, foram massacrados no palácio real. Ministro israelita Rehavam Ze’evi, ministro do Turismo e fundador do partido de extrema-direita Moledet, foi morto por palestinianos em outubro de 2001. Crítico do islão O líder da Lista Pim Fortuyn, crítico da política de imigração e do islão, foi morto dias antes das eleições neerlandesas, em maio de 2002. PM da Sérvia Zoran Dindic, primeiro-ministro sérvio, foi morto por um franco-atirador em março de 2003 quando entrava no edifício do governo. Paquistaneses Por se mostrarem contra a lei da blasfémia, que sentenciou a cristã Asia Bibi à morte, o governador do Punjab Salman Taseer e o ministro para as Minorias Shabaz Bhatti foram assassinados em janeiro e em março de 2011, respetivamente. Opositor de Putin O russo Boris Nemtsov, à época o grande opositor de Vladimir Putin, é assassinado perto do Kremlin em fevereiro de 2015. Deputada britânica A dias do referendo do Brexit, em junho de 2016, a deputada europeísta Jo Cox foi atingida mortalmente com três tiros. Congressistas dos EUA Em junho de 2017, seis pessoas entre as quais o representante Steve Scalise foram baleadas. Seis anos antes a representante democrata Gabrielle Giffords também sobreviveu a um atentado, no qual foi atingida na cabeça. Presidente do Haiti Mercenários colombianos foram contratados para invadir a residência do presidente haitiano Jovenel Moïse e matá-lo, em julho de 2021. Ex-PM do Japão Shinzo Abe, o político que mais tempo foi PM do Japão, foi assassinado durante um ato da campanha eleitoral do seu partido, em julho de 2022. Ex-PM paquistanês A liderar um protesto contra o governo, o ex-PM Imran Khan recebeu um tiro na perna em novembro de 2022, mas sobreviveu para ser arguido em vários casos..Candidato equatorianoFernando Villavicencio, candidato à presidência do Equador, foi assassinado em agosto de 2023..Ex-líder do VoxO espanhol Alejo Vidal-Quadras, antigo eurodeputado, ex-líder do PP catalão e líder provisório do Vox em 2014, foi baleado na cara em novembro de 2023, mas sobreviveu. .cesar.avo@dn.pt