Zelensky ladeado do todo-poderoso chefe de gabinete Andriy Yermak e do demissionário Dmytro Kuleba (à dir.).
Zelensky ladeado do todo-poderoso chefe de gabinete Andriy Yermak e do demissionário Dmytro Kuleba (à dir.).BRENDAN SMIALOWSKI/POOL/AFP

“Reinício” governamental reforça poder de chefe de gabinete de Zelensky

Sem poder marcar eleições, líder ucraniano remodela equipas do governo e da presidência. Dmytro Kuleba é a principal baixa numa dança de cadeiras que tinha como objetivo dar “novas energias” ao poder executivo. Andriy Yermak ganha mais ascendência.
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Em fevereiro, quando já teria informado Washington de que tinha decidido dispensar o comandante militar Valerii Zaluzhnyi, o presidente ucraniano antevia uma grande remodelação. “É necessário um reinício, um novo começo. Tenho algo sério em mente, que não é sobre uma única pessoa, mas sobre a direção da liderança do país”, disse à estação pública italiana RAI. Desde então houve mais demissões, mas nada do que estava há muito a ser falado e, por fim, concretizado - ou em vias - nas últimas horas, com a apresentação da carta de demissão de, pelo menos, seis ministros e de outros dirigentes, como o diretor do Fundo Imobiliário do Estado, que gere as privatizações, ou um dos dez vice-chefes de gabinete, Rostyslav Shurma. Em todo o processo, tal como com as anteriores mudanças de pessoal, o chefe de gabinete Andriy Yermak é visto como o homem que continua a acumular poder e influência sobre Volodymyr Zelensky.

Ao lado do primeiro-ministro irlandês Simon Harris, de visita a Kiev, Zelensky justificou a remodelação em curso. “Há ministros que trabalham para a Ucrânia há mais de quatro anos, precisamos de novas energias e as mudanças visam reforçar o nosso Estado em várias direções.” 

Davyd Arakhamia, líder do Servo do Povo, partido de Zelensky que tem maioria absoluta na Verkhovna Rada, indicou na véspera que mais de metade do atual Governo iria sofrer alterações. O partido há muito que defendia uma redução de ministérios (21). Horas depois,e concluída uma reunião dos deputados com Zelensky, Arakhamia anunciou no Telegram parte da nova composição governamental. A concretizar-se, a tese de “novas energias” cai por terra, uma vez que vários ministros demissionários irão para novas funções governamentais ou para junto da presidência. O rosto do governo ucraniano no estrangeiro, Dmytro Kuleba, diplomata de alto perfil, não será reconduzido noutro cargo. Segundo o The Washington Post, em texto publicado em maio, Andriy Yermak já vinha marginalizando o Ministério dos Negócios Estrangeiros. 

No discurso diário de Zelensky, este justificou a remodelação do governo e do seu gabinete com a necessidade de reforçar as alianças externas e disse que a prioridade do renovado governo deve ser a integração na NATO e na União Europeia e, em parelo, garantir a continuidade do apoio internacional. Além disso, nos últimos dias, conta o correspondente do El País em Kiev, os rumores sobre a sua destituição multiplicaram-se, dando a entender que a presidência considerava Kuleba como alguém que trabalhava de forma autónoma mais do que o desejável. Para o seu cargo é promovido o até agora vice-ministro dos Negócios Estrangeiros, Andrii Sybiha, especialista em relações internacionais que até abril trabalhava às ordens do chefe de gabinete. 

Quem deverá passar para a alçada de Yermak é a até agora vice-primeira-ministra Iryna Vereshchuk e o ministro das Indústrias Estratégicas, Oleksandr Kamyshin. Segundo a mensagem do líder parlamentar, Kamyshin ficará a trabalhar em específico com as infraestruturas e o armamento. Já a responsável pelas negociações de Kiev com Bruxelas no processo para a adesão, Olha Stefanishyna, demite-se mas acaba por ficar no executivo com a pasta da integração europeia e acumular com a da Justiça. Refira-se, por fim, que outro Kuleba -- Oleksiy, ex-governador de Kiev -- vai integrar o governo como vice-primeiro-ministro e ministro das Regiões.

A remodelação não deverá atingir Oleh Tatarov, vice-chefe de gabinete, que foi acusado de corrupção, e cujo processo foi eliminado pelas autoridades judiciais, segundo o site Kyiv Independent.

Apesar de faltarem ainda peças, e da concretização de alguns passos burocráticos, como a aprovação das demissões por parte dos deputados - estes rejeitaram a demissão de Vereshchuk porque esta não compareceu no Parlamento e adiaram a votação de Kuleba -, fica claro que o chefe de gabinete reforça a sua posição, ao integrar dois ministros populares na sua equipa. 

Yermak, antigo produtor televisivo sem qualquer experiência política como Zelensky, é o homem de quem o presidente cada vez mais depende - e em quem recaem as críticas, anónimas. “Só há uma pessoa que influencia as decisões do presidente. Não há mais ninguém”, disse um funcionário ucraniano ao The Washington Post. “Uma tragédia”, classificou, sobre este homem que é visto como chefe de gabinete e primeiro-ministro e chefe da diplomacia de facto. 

Nova oportunidade

Iryna Vereshchuk 
A vice primeira-ministra e ministra com a pasta da Reintegração dos Territórios Ocupados estava no Governo desde novembro de 2021; com a invasão ficou com o marido e o filho longe de casa, ambos em combate.    

Olha Stefanishyna 
Esteve mais de quatro anos com o cargo de vice-primeira-ministra com a pasta da Integração Euro-atlântica, onde o país passou de aspirante a futuro membro da UE, e com a promessa de vir a integrar a NATO quando as armas se calarem.  

Oleksandr Kamyshin
O ministro das Indústrias Estratégicas, com a tutela das ferrovias, ao despedir-se do cargo ao fim de ano e meio, disse orgulhar-se de a produção, sob sua alçada, ter triplicado em 2023 e duplicado de então até agora.

Fim de linha

Dmytro Kuleba (MANDEL NGAN / AFP)

Dmytro Kuleba 
Depois de Zelensky, o até agora chefe da diplomacia ucraniana, de 43 anos, seria o político mais reconhecido fora de portas. Nos últimos meses tentou encontrar parceiros em África e aproximar Pequim e Nova Deli de Kiev.

Denys Maliuska 
Dos ministros de saída, era o que há mais tempo estava em funções (cinco anos). O advogado, ex-consultor do Banco Mundial, teve a tarefa de iniciar as reformas judiciais e consequente alinhamento com o quadro jurídico-legal europeu.

Ruslan Strilets 
Como Vereshchuk e a reintegração de territórios ocupados, também Strilets geriu um ministério -- Proteção do Ambiente e Recursos Naturais -- em que a guerra o impediu de apresentar resultados.


cesar.avo@dn.pt

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