Putin não muda rumo e Kiev já foi atingida, mas Zelensky vê mudança de abordagem
No dia em que o centro da capital ucraniana foi alvo, pela primeira vez, de um disparo de artilharia que destruiu um telhado de uma casa e que em Irpin, subúrbio de Kiev, decorre uma batalha nas ruas, o líder russo disse que continua "determinado a atingir os seus objetivos" na guerra, como transmitiu ao homólogo francês Emmanuel Macron e ao chanceler alemão Olaf Scholz durante um telefonema de uma hora e um quarto. Macron e Scholz, de acordo com uma fonte do Palácio do Eliseu, disseram que "as agressões do exército russo devem parar", mas o apelo não teve sucesso. Já o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky acusou Moscovo de prosseguir uma "guerra de aniquilação", todavia afirmou ter visto "passos positivos" por parte de Vladimir Putin.
Sem conseguirem obter uma vitória estratégica desde os primeiros dias da guerra, há mais de duas semanas, as forças russas aprofundam a estratégia de destruir as cidades com bombardeamentos e, nalguns casos, de somar um cerco. É o que acontece em Mariupol, onde pelo menos 1582 civis foram vítimas do fogo russo, e as condições se agravam em cada dia com a falta de gás, eletricidade e mantimentos - o presidente ucraniano voltou a pedir uma trégua para que a ajuda chegue aos civis da cidade do sul do país.
E em Kiev as forças invasoras aproximam-se pelo norte, oeste e nordeste, enquanto bombardeiam os subúrbios de Irpin e Busha, a noroeste da capital, onde as forças ucranianas se defendem nas ruas. O aeroporto de Vasylkiv, a uns 40 quilómetros de Kiev, foi destruído e um depósito de combustível explodiu. Perante estes dados, o conselheiro da presidência ucraniana Mikhailo Podolyak afirmou que a capital "está sitiada". No entanto, os militares ucranianos disseram que tinham parado os avanços russos, infligindo "pesadas perdas de homens e equipamento".
Como que numa inversão de papéis, o Ministério da Defesa russo disse que a situação "alcançou proporções catastróficas" nalgumas cidades e acusou os "nacionalistas" ucranianos de deixarem a população sem água, luz e gás, bem como de impedir centenas de milhares de pessoas de saírem de Mariupol.
Longe do conflito, os líderes da França e da Alemanha voltaram a tentar convencer Putin para que as suas forças armadas parem a invasão e que levante o cerco a Mariupol, onde a "situação é humanamente intolerável", mas o que receberam foi a alegação, por parte do russo, de que a Ucrânia está a violar o direito humanitário internacional.
Em resposta, o Eliseu disse que Putin está a mentir e que Macron terá lembrado ao líder russo que uma investigação em andamento pode concluir que as violações russas poderão ser "qualificadas de crimes de guerra".
Antes de falar com Putin, tanto Macron como Scholz falaram com Zelensky, que pediu para que intercedessem junto do russo pela libertação do presidente da câmara de Melitopol, preso pelas tropas russas. Mais tarde, em conferência de imprensa, o ucraniano notou que depois da primeira reunião de alto nível entre os chefes da diplomacia de Kiev e Moscovo, quinta-feira, na Turquia, a Rússia deixou de "fazer ultimatos" e que tem "uma abordagem fundamentalmente diferente". Zelensky afirmou-se "contente por ter um sinal da Rússia" depois de Putin ter afirmado ter visto "passos positivos" no diálogo.
Face à recusa de Putin para o cessar-fogo, a Alemanha e a França retiraram uma consequência: "Vamos aumentar o custo da guerra e adotar novas sanções", disse a fonte francesa. É a segunda conversa que Macron e Scholz mantiveram com Putin desde quinta-feira e acontece horas depois da cimeira da União Europeia em Versalhes, na qual os estados-membros concordaram em endurecer ainda mais as sanções contra a Rússia e duplicaram a ajuda militar à Ucrânia para mil milhões de euros.
Também os Estados Unidos anunciaram terem aprovado mais 200 milhões de dólares em armas e equipamento para a Ucrânia em resposta a um pedido de Zelensky. Estes carregamentos de armas incluem mísseis antitanque Javelin e mísseis antiaéreos Stinger, que seguirão de arsenais norte-americanos na Europa para países vizinhos como a Polónia e a Roménia, e depois enviados por via terrestre para a Ucrânia. Na semana inicial da invasão, os Estados Unidos entregaram 17 mil armas antitanque.
Este novo apoio da Casa Branca segue-se a outro aprovado no mês passado, no valor de 350 milhões de dólares. No total, a administração Biden enviou 1,2 mil milhões de dólares em armas para a Ucrânia no ano passado. Também a Espanha informou ter realizado no sábado um quinto voo para a Ucrânia, onde entregou material de guerra não especificado para ajudar na "defesa heroica" daquele país.
Moscovo, que na véspera voltou a ouvir um Joe Biden cauteloso sobre os limites da ajuda militar, avisou os EUA de que o transporte de armas de guerra para a Ucrânia é um alvo. "Advertimos os Estados Unidos que a injeção orquestrada de armas de vários países não é apenas um ato perigoso, é um ato que transforma essas caravanas em alvos legítimos", disse o vice-ministro russo dos Negócios Estrangeiros Sergei Ryabkov à televisão estatal. Ryabkov disse que Washington não tinha levado a sério os avisos e informou que a Rússia e os EUA não estavam a manter quaisquer "processos de negociação" sobre a Ucrânia.