Putin compromete-se com Trump a iniciar negociações diretas com Kiev para o cessar-fogo
O primeiro a falar sobre a chamada "muito informativa e muito franca” de duas horas entre os presidentes dos EUA e da Rússia foi Vladimir Putin. Este disse à imprensa russa que os países em guerra devem “encontrar compromissos que sirvam a todas as partes”. O russo disse que a Rússia está disposta a discutir o fim dos combates, mas voltou a afirmar que há que "eliminar as causas profundas desta crise". Já Trump realçou que "a Rússia e a Ucrânia vão iniciar imediatamente negociações com vista a um cessar-fogo e, mais importante ainda, a pôr fim à guerra". Em paralelo, o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky convidou de novo Putin para um encontro face a face.
Na mensagem do norte-americano no Truth Social, este reconheceu que cabe a Kiev e a Moscovo entenderem-se para chegarem ao diálogo. "As condições para isso serão negociadas entre as duas partes, como só pode ser, porque elas conhecem pormenores de uma negociação que mais ninguém conhece", argumentou. Trump disse ter dado conhecimento dos pormenores da conversa a vários líderes europeus e congratulou-se com o facto de o Vaticano ter mostrado interesse em mediar as negociações, mas nada disse sobre um possível encontro em pessoa com Putin.
Sobre a Rússia disse: "Quer fazer comércio em grande escala com os Estados Unidos quando este catastrófico 'banho de sangue' terminar, e eu concordo. A Rússia tem uma enorme oportunidade de criar grandes quantidades de emprego e riqueza. O seu potencial é ilimitado", afirmou.
Trump disse ainda que a conversa correu "muito bem". Na sexta feira, mostrou impaciência pela falta de resultados nas negociações sobre a guerra, embora sem criticar Moscovo. “Putin está cansado de tudo isto. Ele não está a fazer boa figura e quer fazer boa figura. Não se esqueçam que isto era suposto acabar numa semana", disse em entrevista à Fox News. “Temos de nos reunir, e acho que provavelmente vamos marcar [a reunião], porque estou farto de ter outras pessoas a ir e a fazer reuniões e tudo o resto.” Já nesta segunda-feira, o vice J.D. Vance disse o que esperava da conversa. "Percebemos que há aqui um pequeno impasse, e penso que o presidente vai dizer ao presidente Putin: 'Escute, você está a falar a sério?'. Penso sinceramente que o presidente Putin não sabe bem como sair da guerra”, disse a bordo do Air Force Two. Para Vance, se não houver progressos, os EUA acabarão por sair de cena. "Se a Rússia não estiver disposta a fazê-lo, então acabaremos por dizer que esta guerra não é nossa. Vamos tentar acabar com ela, mas se não conseguirmos vamos acabar por dizer: 'Sabem que mais? Valeu a pena tentar, mas não vamos fazer mais nada'."
O telefonema desta segunda-feira entre Trump e Putin inscreve-se numa relação em que o primeiro nunca escondeu a admiração pelo segundo, ainda antes de se terem encontrado pela primeira vez, em 2017. E, num âmbito mais alargado, em elogios a ditadores ou autocratas, do norte-coreano Kim Jong-un ao turco Recep Tayyip Erdogan, do chinês Xi Jinping ao filipino Rodrigo Duterte.
O norte-americano e o russo estiveram juntos em cimeiras do G20 (em Hamburgo, em 2017, em duas ocasiões; e em Buenos Aires, no ano seguinte). Pelo meio, coincidiram numa cimeira da ASEAN (Cooperação Económica Ásia-Pacífico) no Vietname, onde terão falado brevemente; e reuniram-se em Helsínquia na única cimeira bilateral. Em todas as conversações, o presidente norte-americano só teve consigo o intérprete e nada do que foi falado foi tornado público para lá do que Trump quis dizer.
O mesmo secretismo foi mantido durante o período em que o empresário esteve fora da Casa Branca, durante o mandato de Joe Biden. Segundo o jornalista Bob Woodward, no livro War, publicado em outubro último, Trump e Putin falaram ao telefone em privado até sete vezes. Numa das ocasiões, no início de 2024, escreveu o veterano jornalista, Trump pediu a um dos seus assessores para sair do seu escritório de Mar-a-Lago para fazer o telefonema a sós. Durante o início da pandemia, o norte-americano terá oferecido testes de covid-19 ao líder russo, ao que este terá aconselhado Trump a não contar a ninguém porque as pessoas ficariam zangadas, ao que este terá num primeiro momento dito que não se importaria, mas depois concordado em não revelar a oferta. O diretor de comunicações de Trump Steven Cheung disse que o livro era uma obra de ficção e insultou o seu autor.
O certo é que poucos dias depois de ter tomado posse, Trump confirmou ter mantido conversas com Putin com o objetivo de acabar com a guerra na Ucrânia. "Todos os dias estão a morrer pessoas. Esta guerra na Ucrânia é tão má. Eu quero acabar com esta maldita coisa", disse aos jornalistas. O nova-iorquino não quis revelar quantas vezes falou com o homem nos comandos da Rússia há 25 anos. Disse antes que ambos têm uma “boa relação” e que Putin “quer que as pessoas parem de morrer”.
Dois dias depois destas declarações, Trump surpreende ao anunciar na sua rede social que teve uma “longa e altamente produtiva conversa telefónica” com o presidente russo sobre as negociações para acabar com a guerra na Ucrânia. Também destacou na sua publicação no Truth Social que os dois líderes concordaram em visitar os países um do outro. Por parte do Kremlin, o porta-voz Dmitri Peskov disse que os líderes concordaram em encontrar-se. “O presidente russo apoiou uma das principais teses do chefe de Estado norte-americano, a de que chegou o momento de os nossos países trabalharem em conjunto”, disse o porta-voz do Kremlin.
Enquanto delegações da Rússia e dos EUA foram despachadas para a Arábia Saudita para o início do restabelecimento das relações bilaterais, Kiev e os aliados ocidentais criticaram o facto de a Ucrânia e a Europa terem ficado de fora.
O segundo telefonema aconteceu no dia 18 de março, após semanas de pressão da administração Trump sobre Volodymyr Zelensky que resultou numa reunião na Arábia, na qual os ucranianos concordaram com a proposta de cessar-fogo norte-americana. Antes da conversa telefónica, o enviado especial Steve Witkoff encontrou-se com Putin. Este concordou em princípio com o plano dos EUA, mas acrescentou uma série de exigências aos ucranianos, impossibilitando o acordo. No telefonema de hora e meia (segundo a NBC News) ou de mais de 2 horas (PBS), Trump não consegue convencer Putin a comprometer-se com a pausa nas hostilidades. A Casa Branca afirma que a Rússia concordou em suspender temporariamente os ataques a alvos energéticos, bem como a outras infraestruturas na Ucrânia. Mas a Rússia disse apenas ter concordado em abster-se de ataques a “infraestruturas energéticas”. Seja como for, Kiev e Moscovo acusaram-se mutuamente de atacar esses alvos.