Os dois primeiros juízes do julgamento de Jair Bolsonaro e de mais oito arguidos por golpe de estado e outros crimes votaram pela condenação do ex-presidente e demais indiciados por todos os crimes de que são acusados, nesta terça-feira, 9, na sede do Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília. “Não há dúvida sobre a liderança de Bolsonaro numa organização criminosa”, disse Alexandre de Moraes, relator do processo, após voto de cerca de quatro horas. Flávio Dino, segundo a votar, acompanhou Moraes. Para condenar os réus, basta agora mais um voto dos três juízes que ainda não se pronunciaram. Bolsonaro é acusado de praticar os crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito e tentativa de golpe de Estado, além de dano qualificado e deterioração de património tombado.Também são arguidos no processo o colaborador da acusação Mauro Cid (ex-ajudante de ordens de Bolsonaro), Alexandre Ramagem (ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência, a ABIN), Almir Garnier (ex-comandante da Marinha), Anderson Torres (ex-ministro da Justiça), Augusto Heleno (ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional, o GSI); Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa) e Walter Braga Netto (ex-ministro da Casa Civil).Segundo juristas, caso seja condenado, Bolsonaro pode ser preso por um período de 12 a 43 anos mas a sentença só será decidida na sexta-feira, 12. O local e o regime da prisão, entre domiciliar, aberto, semi-aberto ou fechado, também serão tratados a posteriori. No voto, a propósito de um diálogo entre os réus Bolsonaro e Alexandre Ramagem, diretor da ABIN, o relator comparou-os a membros da organização criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC). “Isto não é uma mensagem de um delinquente do PCC para outro, é uma mensagem do diretor da ABIN para o então presidente da República com questionamentos ao sistema eletrónico de votação…”O juiz rebateu ainda que as anotações feitas por Ramagem e pelo general Augusto Heleno, ministro do GSI e outro dos oito réus, fossem pessoais, como haviam defendido os advogados de ambos. "Dizer que as anotações feitas no documento eram particulares, uma espécie de ‘meu querido diário', não é razoável”, continuou Moraes.“Um general quatro estrelas do exército e ministro do GSI ter uma agenda com anotações golpistas preparando a execução de atos para deslegitimar as eleições, o poder judicial e se perpetuar no poder não pode ser considerado normal numa democracia, em pleno século XXI”. Para Moraes, “a partir de junho de 2021, passou a utilizar tanto a Abin quanto o GSI, e, depois, houve a adesão de outros réus e órgãos públicos, para estruturação, criação e divulgação dessa narrativa mentirosa e que ameaçava a integridade da Justiça Eleitoral". O juiz disse ainda que os autos têm fartas provas de que Bolsonaro tinha conhecimento e deu “ao plano de neutralização de autoridades públicas", em referência às propostas de Mário Fernandes, um general aliado do ex-presidente que só será julgado noutro núcleo de réus, chamadas de Operação Punhal Verde e Amarelo e Operaçõ Copa 2022 que envolviam a prisão e execução do próprio Moraes e o assassinato do presidente e vice eleitos, Lula da Silva e Geraldo Alckmin, respetivamente.“São muitas coincidências inexploradas. Toda a conversação para a implementação da Operação Copa 2022”, afirmou o juiz. “No primeiro dia, o general Mário Fernandes imprimiu [o plano criminoso] no Palácio do Planalto e reuniu-se com Jair Bolsonaro no Palácio da Alvorada”. “Não é crível, não é razoável que Mário Fernandes tenha imprimido e se dirigido ao Alvorada, onde estava o presidente, e ficado lá uma hora e seis minutos a fazer barquinhos de papel com a impressão verde e amarela. Isso é ridicularizar a inteligência do tribunal", concluiu.O senador Flávio Bolsonaro, primogénito do ex-presidente, reagiu ao voto de Moraes. “Fala com tanta raiva, tanto ódio, parecia o líder parlamentar do governo do PT no Supremo”.Flávio Dino só divergiu de Moraes ao considerar menos relevante a participação no golpe dos réus Ramagem, Heleno e Paulo Sérgio Nogueira. Apesar das rigorosas medidas de segurança em torno do tribunal, a polícia deteve um homem suspeito de atear fogo em dez casas de banho químicas. O julgamento começou na terça-feira, dia 3, com a leitura do relatório, por Moraes. Seguiram-se as intervenções de Paulo Gonet, procurador-geral da República, e, já no dia seguinte das defesas de Bolsonaro e demais réus.