Portugueses veem EUA de Trump como "parceiro necessário" mais do que como "aliado"
Com Donald Trump de regresso à Casa Branca, voltou também a política de América First do presidente republicano e a sua visão unilateral do mundo. Um cenário que fez os europeus mudar de opinião, com a maioria a considerar agora os EUA mais como um “parceiro necessário” do que um “aliado” da Europa. Segundo a sondagem “Transatlantic twilight: European public opinion and the long shadow of Trump” [Crepúsculo transatlântico: a opinião pública europeia e a imensa sombra de Trump] –, realizada em 11 países da União Europeia (Alemanha, França, Itália, Polónia, Portugal, Espanha, Dinamarca, Estónia, Roménia, Bulgária, Hungria), mais a Ucrânia, a Suíça e o Reino Unido, e publicado esta quarta-feira pelo European Council on Foreign Relations (ECFR) em colaboração com a Fundação Calouste Gulbenkian, Portugal é um dos países onde esta tendência é mais acentuada, com 55% dos inquiridos a considerarem os EUA como um “parceiro necessário”, enquanto apenas 18% o veem como um “aliado”.
“A nossa nova sondagem revela uma viragem notável na opinião pública - e, como conclusão principal, a potencial sentença de morte da aliança transatlântica. O facto de os europeus, neste momento, verem os Estados Unidos mais como um ‘parceiro necessário’ do que como um ‘aliado’ é revelador de um colapso da confiança na agenda de política externa de Washington”, explica Arturo Varvelli, coautor do relatório e investigador principal do ECFR, num comentário a este estudo. Para Jana Puglierin, outra das autoras do relatório, “As recentes ações de Donald Trump em relação a aliados históricos dos EUA mostram que a comunidade atlântica já não se baseia em valores partilhados".
Ainda relativamente à forma como veem agora a relação com os EUA, mesmo bastiões tradicionais do transatlantismo como a Polónia ou a Dinamarca, que ainda há um ano e meio viam os EUA sobretudo como um aliado, têm agora maiorias que os veem como “parceiro necessário” - 45% contra 31% entre os polacos, 53% contra 30% entre os dinamarqueses. Os cidadãos estão mais propensos a ver os EUA sob esta perspetiva encontram-se na Ucrânia (67% “parceiro necessário” contra 27% “aliado”); Espanha (57% contra 14%); Estónia (55% contra 28%), Portugal (55% contra 18%) e Itália (53% contra 18%). E nem a “relação especial” com os EUA fez com que a realidade fosse diferente no Reino Unido, onde a opinião predominante é a de “parceiro necessário” (44%) em vez de aliado (37%).
Quando a questão é se o regresso de Trump é uma coisa “boa” ou “má”, há divergências de opinião entre os Estados-membros da UE, com o sudeste europeu a ser mais favorável ao presidente republicano e o Norte e Ocidente a ser mais crítico. Portugal surge no grupo dos detratores de Trump, com percentagens altas (47%, 44% e 58%) a ver a reeleição de Trump como negativa para os cidadãos americanos, para o seu próprio país e para a paz mundial, respetivamente.
A mesma sondagem conclui ainda que os apoiantes da extrema-direita e partidos afins são os mais favoráveis a Trump. Menos de um quinto dos eleitores do Fidesz (da Hungria), do Lei e Justiça (PiS, da Polónia), da Confederação Liberdade e Independência (também da Polónia) e dos Irmãos de Itália acreditam que a sua reeleição é uma “coisa má” para os eleitores norte-americanos, para o seu próprio país ou para a paz no mundo. No entanto, os eleitorados da AfD (Alemanha) e da União Nacional (França) destacam-se por terem uma maioria relativa de eleitores (37% e 35%) que acreditam que o regresso de Trump ao poder é uma coisa má para os seus próprios países; e menos (28% e 20%) acreditam que é uma coisa boa para os seus países.
Negociações de paz entre Rússia e Ucrânia iminentes
Quando questionados sobre o resultado mais provável da guerra na Ucrânia, existem maiorias absolutas ou relativas em todos os países inquiridos a apontar para um “acordo de compromisso” entre Moscovo e Kiev, em vez da vitória da Rússia ou da Ucrânia.
Mesmo em países com uma postura “mais agressiva”, como a Estónia (onde 52% dos inquiridos consideram que um acordo negociado é o resultado mais provável), a Dinamarca (55%), a Polónia (44%) ou, fora da UE, o Reino Unido (49%), os cidadãos parecem acreditar na perspetiva de negociações de paz. Isto não invalida que em alguns países a opinião pública continue firme quanto à necessidade de continuar a apoiar Kiev militarmente, para que possa recuperar os territórios perdidos. A opinião de que esta deve ser a abordagem da Europa, em vez de insistir em negociações de paz, é mais pronunciada na Estónia (53%), na Dinamarca (47%), na Polónia (40%), no Reino Unido (38%) e em Portugal (37%).
Apesar da unanimidade quanto à necessidade de ver negociações de paz concretizarem-se, os europeus divergem quanto à abordagem da Ucrânia e da Rússia após o conflito. 47% dos franceses e 50% dos italianos – cujos governos deram forte apoio a Kiev na sua luta pela autodeterminação - têm dificuldade em ver a Ucrânia como um país europeu. Um sentimento que contrasta com o de Portugal, onde uma clara maioria de 65% vê a Ucrânia como um país europeu.
Já na Bulgária e na Hungria, muitos veem a Rússia como um aliado da UE ou um parceiro necessário, em vez de um rival ou adversário. Estes são também os únicos dois países inquiridos em que a maioria considera a Ucrânia tão responsável como a Rússia pela continuação da guerra – uma opinião que vai ao encontro da retórica de Moscovo. Mais uma vez em Portugal, apenas 16% e 2% veem a Rússia como um parceiro ou um aliado.
Para Pawel Zerka, terceiro coautor do relatório e analista principal sobre opinião pública e investigador principal do ECFR: “A “trumpização” da Europa está em marcha. Não se trata apenas do impulso dado pelos partidos e políticas de extrema-direita no continente; trata-se também da crescente disponibilidade das pessoas para adotar uma abordagem transacional das relações transatlânticas. E trata-se também da expectativa crescente de que a guerra na Ucrânia precisa de terminar, como Trump continua a dizer, através de negociações de paz.”
Divididos quanto à China
Não é só sobre os Estados Unidos de Trump que os europeus estão divididos, também sobre a China de Xi Jinping as opiniões variam nos 14 países em análise. Em média, enquanto 43% dos europeus veem a China como um “parceiro necessário” ou “aliado” da UE, 35% consideram que a superpotência é um “rival” ou mesmo um “adversário”. É nos países do sul da Europa que a China é vista de forma mais positiva - é o caso da Bulgária, Hungria, Espanha, Roménia, Itália e Portugal, onde 59%, 54%, 50%, 49%, 49% e 45% dos inquiridos, respetivamente, veem Pequim como “parceiro necessário” ou “aliado”. Mas em algumas outras economias europeias, como a Alemanha, a Dinamarca, o Reino Unido e França, a maioria tem uma opinião contrária, com 55%, 52%, 45% e 45%, respetivamente, a ver a China como um “rival” ou “adversário”.
Por fim, e num mundo em que EUA e China cada vez mais são as únicas duas potências a disputar a hegemonia, o estudo divide os europeus em quatro grupos de acordo com a forma como veem a UE e o seu papel no mundo. Portugal, tal como a Estónia, Dinamarca, Ucrânia e Espanha constituem os euro-otimistas (30%), aqueles que acreditam que a UE é uma grande potência e que a sua desintegração é improvável nas próximas duas décadas. A estes contrapõem-se os “europessimistas” (22%), ou seja, aqueles que acreditam que a UE não é uma potência e que está condenada à desintegração. Esta atitude associa-se a eleitorados de alguns dos partidos de extrema-direita mais radicais ou céticos em relação à UE – como a AfD, na Alemanha, a Reunião Nacional, em França, o PiS ou a “Confederação Liberdade e Independência”, na Polónia, o Fidesz, na Hungria e o Vox, em Espanha - e constitui pelo menos um quarto dos cidadãos da Bulgária, França, Alemanha, Hungria e Polónia, juntamente com o Reino Unido e a Suíça. Temos ainda os “eurorrealistas” que não consideram que a UE esteja condenada à desintegração, embora também não a vejam como uma grande potência. Representam um sexto (17%) da população da UE, sendo fortes na Dinamarca, Ucrânia, Polónia e Alemanha. Por último, os “euroalarmistas” acreditam que a UE é vulnerável à desintegração, mas, ao mesmo tempo, consideram-na uma grande potência comparável aos EUA ou à China. Representam 11% da população da UE, com números particularmente elevados na Roménia, na Bulgária e em Portugal.
SONDAGEM E METODOLOGIA
Este relatório baseia-se numa sondagem de opinião pública à população adulta (com idade igual ou superior a 18 anos) realizada em novembro de 2024 em 14 países europeus (Bulgária, Dinamarca, Estónia, França, Alemanha, Hungria, Itália, Polónia, Portugal, Roménia, Espanha, Suíça, Ucrânia e Reino Unido). A amostra global é composta por 18 507 inquiridos.
A sondagens foi realizada pela Datapraxis e pela YouGov na Bulgária (1014; 7-29 de novembro); Dinamarca (1099; 7-26 de novembro); França (2017; 7 de novembro-2 de dezembro); Alemanha (2003; 7-28 de novembro); Hungria (1023; 7-28 de novembro); Itália (1531; 7-29 de novembro); Polónia (1063; 7-29 de novembro); Portugal (1000; 7-27 de novembro); Roménia (1010; 7-26 de novembro); Espanha (1030; 7-27 de novembro); Suíça (1082; 8-26 de novembro) e Reino Unido (2073; 7-26 de novembro). A sondagem foi realizada pela Datapraxis e pela Norstat na Estónia (1061; 11 de novembro - 5 de dezembro); e pela DataPraxis e pelo Rating Group na Ucrânia (1501; 15-20 de novembro).
Na Ucrânia, a sondagem foi realizada pela DataPraxis e pelo Rating Group (1501; 15-20 de novembro) através de entrevistas telefónicas (CATI), tendo os inquiridos sido selecionados através de números de telefone gerados aleatoriamente. Os dados foram depois ponderados de acordo com a demografia de base. É difícil contabilizar totalmente as alterações populacionais devidas à guerra, mas foram efetuados ajustamentos para ter em conta o território sob ocupação russa. Este cenário, combinado com a abordagem de amostragem baseada na probabilidade, reforça o nível de representatividade do inquérito e reflete, em geral, as atitudes da opinião pública ucraniana em condições de guerra.