O Brasil acolhe em novembro a COP30, a conferência das Nações Unidas sobre o Clima. No recente estudo encomendado pelo Clube de Lisboa sobre os desafios globais e a solidariedade internacional, as alterações climáticas ocupam um lugar de destaque nas preocupações dos portugueses? Fernando Jorge Cardoso (FJC): A resposta é sim, as alterações climáticas são apreendidas pela maioria da população portuguesa como uma ameaça a ser tida em conta e combatida. Patrícia Magalhães Ferreira (PMF): Mais de dois terços dos cidadãos consideram que este é um problema muito preocupante e causado pela ação humana, opinião que é transversal a escalões etários, género e regiões do país. Além disso, a esmagadora maioria mostra-se a favor da transição verde e descarbonização das economias, e considera que a inação e a falta de vontade política é o principal obstáculo à eficácia de uma ação global mais forte nesta matéria. Existe uma consciência da importância do multilateralismo para lidar com os desafios que não são do país A ou do país B mas sim de todo o planeta? FJC: Das respostas a várias perguntas podemos tirar essa conclusão. Os portugueses têm consciência da interdependência mundial e expressaram uma opinião bem favorável à solidariedade e de apreço às entidades que trabalham para a cooperação internacional. Contudo é de ressalvar que o escalão etário mais jovem é onde se encontra maior ceticismo. Na verdade, se, na totalidade das respostas, 66% consideram que a participação dos cidadãos é fundamental na resposta aos desafios globais, nos dois escalões etários jovens (18-24 e 25-34 anos), essa percentagem desce para 45%. PMF: É interessante verificar que os cidadãos consideram as organizações internacionais multilaterais, como as Nações Unidas, como os agentes a quem cabe a maior responsabilidade na procura de respostas para os desafios globais. As perceções que recolhemos mostram também que a maioria defende que deveriam existir mecanismos de responsabilização e sanções para o não cumprimento de acordos mundiais assinados, manifestando posições que se alinham com o multilateralismo e com um sistema mundial baseado em regras comuns. Qual o grau de confiança nas Nações Unidas e nas instituições internacionais em geral? PMF: Existe confiança nas instituições internacionais, particularmente nas Nações Unidas e na União Europeia. Naturalmente, estas organizações também são o resultado das vontades e interesses dos Estados que as compõem, e isso mesmo é reconhecido pelos cidadãos, ao afirmarem que a falta de capacidade para impor as decisões e acordos celebrados, a falta de voz e de poder de decisão dos países mais pobres e vulneráveis, e a paralisação dos seus órgãos devido aos interesses nacionais são fatores a ter em conta na (in)eficácia das Nações Unidas. Estes resultados não corroboram opiniões que consideram a ONU irrelevante, defendendo antes o seu reforço e/ou reformulação para que possa ter respostas mais assertivas aos desafios com que a humanidade se defronta. .Além do clima, que outros desafios globais captam a atenção dos portugueses? PMF: Em primeiro lugar, as guerras e conflitos violentos, que são uma preocupação transversal a toda a sondagem. É de salientar que a maioria dos portugueses considera que se tornou mais favorável à cooperação e solidariedade após a pandemia de covid-19 e, muito especialmente, após o início da guerra na Ucrânia. Em termos de ameaças internacionais à paz, expressam também preocupação com as crescentes violações de direitos humanos, e o aumento de cibercrime/ciberataques e campanhas de desinformação/fake news. A União Europeia destaca-se na opinião dos portugueses? Agora que estamos prestes a celebrar 40 anos de adesão à então CEE continuamos com forte espírito europeísta? FJC: Esse não foi um elemento central da sondagem, mas a posição europeísta dos portugueses tem sido expressa permanentemente nos resultados dos eurobarómetros, nos quais Portugal aparece sempre nos lugares cimeiros. Há apoio a um maior investimento em Defesa, inclusive no contexto da UE? Com condições? FJC: Há apoio bem maioritário, regra geral com a condição que o Estado não descure as suas obrigações sociais internas e de solidariedade internacional. Ou seja, apesar de não ser fácil o balanceamento entre gastos na defesa e segurança e gastos nas áreas sociais, essa foi a vontade expressa. A participação das Forças Armadas portuguesas em missões internacionais tem apoio da população? FJC: A sondagem revelou que os portugueses são bastante favoráveis à participação de militares portugueses em ações de paz e que têm dessa experiência uma opinião bem favorável. Este estudo vai ser apresentado publicamente no Instituto Camões na quinta-feira de manhã. Alguma outra conclusão que mereça destaque, no vosso entender? FJC: Sim, de salientar que as opiniões dos portugueses estão em linha com a defesa da saúde do planeta e disponíveis para que as políticas públicas expressem esse sentimento de modo mais assertivo e continuado, incluindo no domínio da ação externa. .Há um sentimento entre os portugueses de que a solidariedade internacional deve fazer parte da diplomacia nacional? FJC: Isso fica evidente nas respostas. A grande maioria dos inquiridos considera que Portugal é um interveniente reconhecido no âmbito da cooperação e solidariedade internacional, mas mais de metade é da opinião que Portugal não trabalha o suficiente com os outros países para resolver os problemas globais. Daí também o facto de irmos apresentar e debater os resultados da sondagem no Camões, um espaço caro à diplomacia e cooperação portuguesa. Na sexta-feira, ao final da tarde, o Clube de Lisboa promove no Grémio Literário um debate sobre “ambiente e alterações climáticas: entre políticas e tecnologia”. Voltando à questão inicial, o que pode um país como Portugal fazer pela mobilização da comunidade internacional pela defesa do ambiente? PMF: Os objetivos internacionais e europeus estabelecidos para 2030 e 2050 já são bastante ambiciosos, assim a implementação corresponda à subscrição em termos formais ou declarativos. Os resultados da sondagem revelam que os portugueses consideram que as alterações climáticas serão uma das áreas que estará pior no mundo daqui a 10 anos, pelo que existe urgência de mobilização. E contrariamente àquilo que é a perceção pública ou mediática, os jovens não se destacam especialmente nesta preocupação, podendo isto significar que apenas são mais vocais e visíveis nestas reivindicações.Sem se resolver conflitos como o da Rússia versus Ucrânia ou o do Médio Oriente está condenada a cooperação internacional nas áreas do desenvolvimento humano? FJC: Pelo contrário. As guerras e os desastres humanitários são duas das mais fortes razões para a existência de cooperação e de solidariedade - e essa foi claramente a opinião expressa pela maioria dos portugueses. O facto de a atual administração do maior doador a nível mundial (os EUA) ter adotado uma política hostil à cooperação não a pôs em causa, pelo contrário. A solidariedade para com a Ucrânia aumentou e para com os palestinos também, independentemente das dificuldades colocadas por Israel à ajuda. PMF: A maioria dos cidadãos considera que sem uma redução das desigualdades não existirá paz em diversos locais do mundo, pelo que a erradicação da pobreza e da fome deveria continuar a ser uma prioridade. Têm ideia se as opiniões dos portugueses em relação aos desafios globais do desenvolvimento estão em linha com outros países europeus?PMF: Nos Eurobarómetros, regra geral, as opiniões expressas pelos portugueses situam-se acima da média europeia, no que toca à solidariedade internacional. Além disso, o que verificámos nesta sondagem é que, em contracorrente com o aumento de posições nacionalistas radicais, que crescem em muitos países europeus, incluindo em Portugal, os cidadãos consideram que a ameaça para a solidariedade internacional é mais a xenofobia, não a imigração em si. No geral, em termos globais, as aspirações das pessoas são muito semelhantes em todas as partes do mundo: todos queremos paz e segurança, todos aspiramos a melhores condições de vida para nós e para os nossos filhos, como salientado noutros inquéritos em várias regiões do mundo. Por que fizeram esta sondagem? FJC: A sondagem foi realizada no âmbito do projeto Desafios Globais para o Desenvolvimento, que o Clube de Lisboa está a desenvolver em parceria com a Plataforma para o Crescimento Sustentável e a Universidade Autónoma de Lisboa e que é cofinanciado pelo Camões - Instituto da Cooperação e da Língua. É um dos elementos centrais do projeto, na medida em que exprime as opiniões dos portugueses sobre a maioria dos temas que estão a ser tratados em estudos e eventos de vários tipos. Sublinho, de qualquer forma, que as opiniões emitidas pelos entrevistados são pessoais e não vinculam o Clube de Lisboa.PMF: De salientar que a sondagem que fizemos foi realizada pela Pitagórica, nos meses de junho e julho, a uma amostra representativa da população portuguesa, com um grau de confiança superior a 95% e uma margem de erro inferior a 3,8%. Ou seja, o nível de fiabilidade estatística das respostas é bastante elevado. A sondagem é também uma boa base para conhecimento da perceção dos cidadãos sobre matérias que não estão tão presentes ao nível político e mediático, contribuindo para políticas mais informadas. Temos esperança de que esta sondagem possa vir a ser repetida no futuro, permitindo assim um retrato evolutivo das opiniões dos cidadãos.