Portugueses manifestaram confiança nas instituições internacionais, particularmente nas Nações Unidas, lideradas pelo português António Guterres desde 2017.
Portugueses manifestaram confiança nas instituições internacionais, particularmente nas Nações Unidas, lideradas pelo português António Guterres desde 2017.Foto: Reinaldo Rodrigues

“Portugueses mais favoráveis à solidariedade internacional após covid-19 e a guerra na Ucrânia”

Estudo é apresentado quinta-feira no Instituto Camões. O DN conversou com Fernando Jorge Cardoso, diretor executivo do Clube de Lisboa, e Patrícia Magalhães Ferreira, coordenadora editorial dessa ONG.
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O Brasil acolhe em novembro a COP30, a conferência das Nações Unidas sobre o Clima. No recente estudo encomendado pelo Clube de Lisboa sobre os desafios globais e a solidariedade internacional, as alterações climáticas ocupam um lugar de destaque nas preocupações dos portugueses?

Fernando Jorge Cardoso (FJC): A resposta é sim, as alterações climáticas são apreendidas pela maioria da população portuguesa como uma ameaça a ser tida em conta e combatida.

Patrícia Magalhães Ferreira (PMF): Mais de dois terços dos cidadãos consideram que este é um problema muito preocupante e causado pela ação humana, opinião que é transversal a escalões etários, género e regiões do país. Além disso, a esmagadora maioria mostra-se a favor da transição verde e descarbonização das economias, e considera que a inação e a falta de vontade política é o principal obstáculo à eficácia de uma ação global mais forte nesta matéria.

Existe uma consciência da importância do multilateralismo para lidar com os desafios que não são do país A ou do país B mas sim de todo o planeta?

FJC: Das respostas a várias perguntas podemos tirar essa conclusão. Os portugueses têm consciência da interdependência mundial e expressaram uma opinião bem favorável à solidariedade e de apreço às entidades que trabalham para a cooperação internacional. Contudo é de ressalvar que o escalão etário mais jovem é onde se encontra maior ceticismo. Na verdade, se, na totalidade das respostas, 66% consideram que a participação dos cidadãos é fundamental na resposta aos desafios globais, nos dois escalões etários jovens (18-24 e 25-34 anos), essa percentagem desce para 45%.

PMF: É interessante verificar que os cidadãos consideram as organizações internacionais multilaterais, como as Nações Unidas, como os agentes a quem cabe a maior responsabilidade na procura de respostas para os desafios globais. As perceções que recolhemos mostram também que a maioria defende que deveriam existir mecanismos de responsabilização e sanções para o não cumprimento de acordos mundiais assinados, manifestando posições que se alinham com o multilateralismo e com um sistema mundial baseado em regras comuns.

Qual o grau de confiança nas Nações Unidas e nas instituições internacionais em geral?

PMF: Existe confiança nas instituições internacionais, particularmente nas Nações Unidas e na União Europeia. Naturalmente, estas organizações também são o resultado das vontades e interesses dos Estados que as compõem, e isso mesmo é reconhecido pelos cidadãos, ao afirmarem que a falta de capacidade para impor as decisões e acordos celebrados, a falta de voz e de poder de decisão dos países mais pobres e vulneráveis, e a paralisação dos seus órgãos devido aos interesses nacionais são fatores a ter em conta na (in)eficácia das Nações Unidas. Estes resultados não corroboram opiniões que consideram a ONU irrelevante, defendendo antes o seu reforço e/ou reformulação para que possa ter respostas mais assertivas aos desafios com que a humanidade se defronta.

Fernando Jorge Cardoso
Fernando Jorge Cardoso

Além do clima, que outros desafios globais captam a atenção dos portugueses?

PMF: Em primeiro lugar, as guerras e conflitos violentos, que são uma preocupação transversal a toda a sondagem. É de salientar que a maioria dos portugueses considera que se tornou mais favorável à cooperação e solidariedade após a pandemia de covid-19 e, muito especialmente, após o início da guerra na Ucrânia. Em termos de ameaças internacionais à paz, expressam também preocupação com as crescentes violações de direitos humanos, e o aumento de cibercrime/ciberataques e campanhas de desinformação/fake news.

A União Europeia destaca-se na opinião dos portugueses? Agora que estamos prestes a celebrar 40 anos de adesão à então CEE continuamos com forte espírito europeísta?

FJC: Esse não foi um elemento central da sondagem, mas a posição europeísta dos portugueses tem sido expressa permanentemente nos resultados dos eurobarómetros, nos quais Portugal aparece sempre nos lugares cimeiros.

Há apoio a um maior investimento em Defesa, inclusive no contexto da UE? Com condições?

FJC: Há apoio bem maioritário, regra geral com a condição que o Estado não descure as suas obrigações sociais internas e de solidariedade internacional. Ou seja, apesar de não ser fácil o balanceamento entre gastos na defesa e segurança e gastos nas áreas sociais, essa foi a vontade expressa.

A participação das Forças Armadas portuguesas em missões internacionais tem apoio da população?

FJC: A sondagem revelou que os portugueses são bastante favoráveis à participação de militares portugueses em ações de paz e que têm dessa experiência uma opinião bem favorável.

Este estudo vai ser apresentado publicamente no Instituto Camões na quinta-feira de manhã. Alguma outra conclusão que mereça destaque, no vosso entender?

FJC: Sim, de salientar que as opiniões dos portugueses estão em linha com a defesa da saúde do planeta e disponíveis para que as políticas públicas expressem esse sentimento de modo mais assertivo e continuado, incluindo no domínio da ação externa.

Patrícia Magalhães Ferreira
Patrícia Magalhães FerreiraFoto: Gustavo Lopes Pereira

Há um sentimento entre os portugueses de que a solidariedade internacional deve fazer parte da diplomacia nacional?

FJC: Isso fica evidente nas respostas. A grande maioria dos inquiridos considera que Portugal é um interveniente reconhecido no âmbito da cooperação e solidariedade internacional, mas mais de metade é da opinião que Portugal não trabalha o suficiente com os outros países para resolver os problemas globais. Daí também o facto de irmos apresentar e debater os resultados da sondagem no Camões, um espaço caro à diplomacia e cooperação portuguesa.

Na sexta-feira, ao final da tarde, o Clube de Lisboa promove no Grémio Literário um debate sobre “ambiente e alterações climáticas: entre políticas e tecnologia”. Voltando à questão inicial, o que pode um país como Portugal fazer pela mobilização da comunidade internacional pela defesa do ambiente?

PMF: Os objetivos internacionais e europeus estabelecidos para 2030 e 2050 já são bastante ambiciosos, assim a implementação corresponda à subscrição em termos formais ou declarativos. Os resultados da sondagem revelam que os portugueses consideram que as alterações climáticas serão uma das áreas que estará pior no mundo daqui a 10 anos, pelo que existe urgência de mobilização. E contrariamente àquilo que é a perceção pública ou mediática, os jovens não se destacam especialmente nesta preocupação, podendo isto significar que apenas são mais vocais e visíveis nestas reivindicações.

Sem se resolver conflitos como o da Rússia versus Ucrânia ou o do Médio Oriente está condenada a cooperação internacional nas áreas do desenvolvimento humano?

FJC: Pelo contrário. As guerras e os desastres humanitários são duas das mais fortes razões para a existência de cooperação e de solidariedade - e essa foi claramente a opinião expressa pela maioria dos portugueses. O facto de a atual administração do maior doador a nível mundial (os EUA) ter adotado uma política hostil à cooperação não a pôs em causa, pelo contrário. A solidariedade para com a Ucrânia aumentou e para com os palestinos também, independentemente das dificuldades colocadas por Israel à ajuda.

PMF: A maioria dos cidadãos considera que sem uma redução das desigualdades não existirá paz em diversos locais do mundo, pelo que a erradicação da pobreza e da fome deveria continuar a ser uma prioridade.

Têm ideia se as opiniões dos portugueses em relação aos desafios globais do desenvolvimento estão em linha com outros países europeus?

PMF: Nos Eurobarómetros, regra geral, as opiniões expressas pelos portugueses situam-se acima da média europeia, no que toca à solidariedade internacional. Além disso, o que verificámos nesta sondagem é que, em contracorrente com o aumento de posições nacionalistas radicais, que crescem em muitos países europeus, incluindo em Portugal, os cidadãos consideram que a ameaça para a solidariedade internacional é mais a xenofobia, não a imigração em si. No geral, em termos globais, as aspirações das pessoas são muito semelhantes em todas as partes do mundo: todos queremos paz e segurança, todos aspiramos a melhores condições de vida para nós e para os nossos filhos, como salientado noutros inquéritos em várias regiões do mundo.

Por que fizeram esta sondagem?

FJC: A sondagem foi realizada no âmbito do projeto Desafios Globais para o Desenvolvimento, que o Clube de Lisboa está a desenvolver em parceria com a Plataforma para o Crescimento Sustentável e a Universidade Autónoma de Lisboa e que é cofinanciado pelo Camões - Instituto da Cooperação e da Língua. É um dos elementos centrais do projeto, na medida em que exprime as opiniões dos portugueses sobre a maioria dos temas que estão a ser tratados em estudos e eventos de vários tipos. Sublinho, de qualquer forma, que as opiniões emitidas pelos entrevistados são pessoais e não vinculam o Clube de Lisboa.

PMF: De salientar que a sondagem que fizemos foi realizada pela Pitagórica, nos meses de junho e julho, a uma amostra representativa da população portuguesa, com um grau de confiança superior a 95% e uma margem de erro inferior a 3,8%. Ou seja, o nível de fiabilidade estatística das respostas é bastante elevado. A sondagem é também uma boa base para conhecimento da perceção dos cidadãos sobre matérias que não estão tão presentes ao nível político e mediático, contribuindo para políticas mais informadas. Temos esperança de que esta sondagem possa vir a ser repetida no futuro, permitindo assim um retrato evolutivo das opiniões dos cidadãos.

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