As Forças de Defesa de Israel (IDF, na sigla em inglês) anunciaram esta quarta-feira (20 de agosto) que foram convocados 60 mil reservistas e prolongadas por mais tempo as ordens de outros 20 mil em preparação da próxima fase da guerra na Faixa de Gaza, que passa por assumir o controlo da maior cidade do enclave palestiniano. Mas se a cidade de Gaza é tão importante para o Hamas, por que é que Israel não a tentou conquistar nos 20 meses de guerra?Depois do ataque do 7 de outubro de 2023, quando o Hamas matou 1200 pessoas em Israel e levou cerca de 240 como reféns para a Faixa de Gaza, os militares israelitas optaram não por conquistar a maior cidade do enclave palestiniano, mas por o dividir ao meio. A aposta foi assumir o controlo do chamado corredor de Netzarim (que só viriam a deixar em janeiro deste ano), seguindo-se depois incursões pontuais e curtas na cidade de Gaza. Áreas como Zeitoun (a sul) ou Sabra (a oeste) foram alvo de ataques com bombardeamentos e fogo de artilharia, mas rapidamente as IDF desapareciam do terreno. “Esta era a estratégia de ataque e tática que os comandantes de Israel aparentemente acreditavam que iria funcionar no início da guerra”, escreveu o analista Seth J. Fratzman, no jornal The Jerusalem Post. Mas logo em maio de 2024, o facto de as IDF terem de voltar a áreas que antes diziam terem sido “limpas” de militantes do Hamas - já estavam a entrar pela terceira vez em Jabalia, por exemplo - punha em causa essa mesma estratégia. Cada vez que as IDF deixavam o local, o Hamas tinha porta aberta para regressar.Nesta nova fase da operação, a ideia é mesmo assumir o controlo de toda a Faixa de Gaza, a começar pela cidade onde ainda vivem um milhão de pessoas - incluindo deslocados vindos do sul. Acredita-se que um último oficial superior do Hamas, o comandante Izz al-Din al-Haddad, esteja ali escondido. “A liderança política israelita acredita que, se o Hamas for expulso da cidade de Gaza, poderá finalmente entrar em colapso. No entanto, o Hamas foi expulso de outras áreas importantes, como Rafah e Khan Yunis, e não entrou em colapso”, lembra Fratzman, explicando que o grupo terrorista muitas vezes se esconde em áreas onde as IDF estão a operar .Ainda esta quarta-feira (20 de agosto), numa rara demonstração de força do Hamas, pelo menos 18 militantes armados com metralhadoras e lança granadas atacaram um acampamento das IDF em Khan Yunis, no sul da Faixa de Gaza. Pelo menos dez militantes foram mortos, tendo os restantes conseguido fugir pelo mesmo túnel pelo qual terão lançado o ataque. Três soldados israelitas ficaram feridos, um deles com gravidade, após alguns dos terroristas terem conseguido entrar no espaço. Os militares no terreno contaram com o apoio da aviação para travar o ataque, que as IDF acreditam ter como objetivo raptar mais soldados. As Brigadas Al-Qassam, que assumiram a responsabilidade, alegaram ter destruído vários tanques com explosivos e morto “um número de soldados da ocupação”. Dizem ainda que um dos militantes se fez explodir entre os soldados, fazendo ainda mais mortos. As IDF não confirmam este relato.Voltando à cidade de Gaza, manter o controlo pode ser importante do ponto de vista simbólico para o Hamas, mas não é certo que seja importante do ponto de vista militar, com Fratzman a lembrar que o grupo terrorista continua a ter redutos nos chamados “campos centrais” (Nuseirat e Bureij). O analista explica que o Hamas sempre teve mais apoio entre os descendentes dos árabes que fugiram de Israel em 1948 e se refugiaram nesses campos do que entre os clãs mais velhos, que tendem a viver na cidade de Gaza, questionando se faz sentido atacá-los agora. E depois há os reféns. A expectativa é que os 50 que o Hamas ainda tem (dos quais apenas 20 deles vivos) possam estar na cidade de Gaza. O chefe do Estado-Maior das IDF, o tenente-general Eyal Zamir, foi contra o plano do primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, de assumir o controlo total. Uma das razões era precisamente o risco que isso representa para os reféns.Esta quarta-feira (20 de agosto), as famílias desses reféns tinham planos para marchar até junto da fronteira da Faixa de Gaza, defendendo um plano que permita a sua libertação. Desde segunda-feira à noite (18 de agosto) que Israel tem em cima da mesa uma proposta de cessar-fogo dos mediadores do Qatar e do Egito. Esta proposta, muito semelhante a outra validada no passado por Israel, prevê uma trégua de 60 dias em troca da libertação de dez reféns e da entrega dos corpos de outros 18. O Hamas já aceitou a proposta, aguardando-se a resposta de Israel até esta sexta-feira (22 de agosto). Outra das razões para Zamir não defender o plano de Netanyahu de controlar totalmente a Faixa de Gaza era o cansaço dos seus militares. Esta quarta-feira (20 de agosto), as IDF anunciaram ter chamado mais 60 mil reservistas e prolongado as ordens de outros 20 mil. “A decisão sobre as reservas foi tomada após discussões aprofundadas sobre a quantidade de efetivos necessários para a continuação do combate e foi aprovada pelo ministro da Defesa após lhe terem sido apresentadas todas as implicações”, indicaram as IDF em comunicado, dizendo valorizar o pessoal na reserva e manifestando o seu apreço pelo contributo que têm dado. Entretanto, o gabinete de Netanyahu revelou também num comunicado que o primeiro-ministro israelita deu instruções às IDF para “encurtarem os prazos para assumir o controlo dos últimos redutos terroristas e para a derrota do Hamas”. Não há contudo indicação de qual era o prazo inicial nem qual é o novo.“O primeiro-ministro expressa o seu profundo agradecimento aos combatentes da reserva que foram mobilizados, às suas famílias e a todos os militares das IDF”, acrescenta o gabinete. Os planos para a tomada da cidade de Gaza serão apresentados esta quinta-feira (21 de agosto) a Netanyahu e ao ministro da Defesa, Israel Katz, indicou o porta-voz das IDF, Effie Defrin, que confirmou que os primeiros passos da invasão já começaram e que os militares já controlam os arredores da cidade.