O Departamento de Estado dos EUA considera que o príncipe herdeiro saudita Mohammed bin Salman tem imunidade enquanto primeiro-ministro e não deve ser julgado pela alegada responsabilidade na morte do jornalista Jamal Khashoggi. "O Jamal morreu hoje outra vez", reagiu no Twitter a sua antiga noiva, Hatice Cengiz, autora da ação civil contra o príncipe nos tribunais norte-americanos, lamentando que as questões económicas tenham sido mais fortes do que a justiça. A decisão final sobre a imunidade será do tribunal.."Os EUA informam respeitosamente o Tribunal que o réu, Mohammed bin Salman, primeiro-ministro da Arábia Saudita, é o chefe de governo em exercício e, portanto, está imune a este processo", lê-se na mensagem enviada ao tribunal distrital do Distrito da Colúmbia. O Departamento de Estado deixa contudo claro que "não tem opinião sobre o mérito do presente processo e reitera a sua inequívoca condenação ao assassinato hediondo de Jamal Khashoggi"..Twittertwitter1593442376063897601.O jornalista saudita, crítico da família real que vivia no exílio desde 2017, desapareceu em outubro de 2018 numa visita ao consulado da Arábia Saudita em Istambul, onde tinha ido tratar dos papéis para o casamento com Cengiz (que é turca). Durante semanas, os sauditas negaram conhecer o seu paradeiro, admitindo mais tarde que tinha sido morto por agentes do país. Eventualmente, os serviços de informação norte-americanos concluíram que o príncipe herdeiro, considerado o líder de facto do país, tinha ordenado o assassínio..MBS, como é conhecido, aceitou a responsabilidade porque está numa posição de poder, mas negou ter dado a ordem para matar o jornalista que era colunista no The Washington Post. Ainda assim, viu o Ocidente fechar-lhe as portas. Na campanha para as presidenciais de 2020, Biden prometeu transformá-lo num "pária" e defendeu que devia sofrer as consequências, mas já na Casa Branca tem procurado reduzir a tensão e normalizar as relações. O presidente foi criticado por, numa viagem à Arábia Saudita, ter cumprimentado o príncipe com um fist bump (com os punhos). A noiva de Khashoggi acusou-o então de ter "sangue nas mãos"..Hatice Cengiz e a organização de defesa dos Direitos Humanos que o jornalista saudita fundou nos EUA antes de morrer - Democracia para o Mundo Árabe Agora (DAWN, na sigla em inglês, que significa amanhecer) - apresentaram em 2020 uma queixa civil contra MBS e outros 20 arguidos. Acusaram-nos de "agir em conspiração e de forma premeditada para raptar, prender, drogar, torturar e assassinar" Khashoggi..Em setembro deste ano, MBS foi nomeado primeiro-ministro pelo pai, o rei Salman (que antes tinha esse cargo), suspeitando-se que seria uma forma de escapar aos processos judiciais contra ele no estrangeiro. De facto, os seus advogados nos EUA alegam que tem imunidade devido ao cargo que ocupa..O Departamento de Estado tinha até quinta-feira para se pronunciar sobre o tema, mas não era obrigatório que o fizesse - até agora nem a Administração de Biden nem a anterior, de Donald Trump, tinham interferido com o processo civil. Alguns defensores dos Direitos Humanos alegam que o governo norte-americano teria feito melhor em manter simplesmente o silêncio.."É para lá de irónico que o presidente Biden tenha sozinho garantido que MBS pode escapar à responsabilidade quando foi ele que prometeu ao povo americano que faria tudo para que fosse responsabilizado. Nem a Administração de Trump fez isto", disse a diretora da DAWN, Sarah Leah Whitson, num comunicado, acrescentando que com esta "declaração de impunidade" se pode esperar uma "escalada" dos ataques do príncipe contra os cidadãos do seu país..Twittertwitter1593443997812510722."É impossível ler a jogada da Administração Biden como algo mais do que a capitulação à tática de pressão saudita, incluindo a de cortar nas exportações de petróleo para forçar o reconhecimento do falso estratagema de imunidade de MBS", acrescentou Whitson. Em outubro, a Organização de Países Exportadores de Petróleo, em que a Arábia Saudita tem um papel de liderança, decidiu cortar na produção (e assim aumentar os preços). Biden, que temia o impacto da medida em véspera das intercalares, ameaçou com "consequências" numa reação irritada. "O dinheiro veio primeiro", escreveu ontem a antiga noiva de Khashoggi.."Depois de quebrar a sua prometa de punir MBS pelo assassinato de Khashoggi, a Administração Biden não só protegeu MBS de prestar contas nos tribunais norte-americanos, como o tornou mais perigoso do que nunca com uma licença para matar mais detratores", disse à AFP Khalid al-Jabri, filho do antigo chefe dos espiões sauditas, Saad al-Jabri, que alega que o príncipe enviou uma equipa para o matar no Canadá..susana.f.salvador@dn.pt