Os eleitores polacos são mais uma vez confrontados com a escolha entre o partido nacionalista e populista de Jaroslaw Kaczynski (PiS, Lei e Justiça), no poder desde 2015, e uma alternativa mais em linha com os valores democráticos liderada pelo antigo presidente do Conselho Europeu Donald Tusk. Desta vez, porém, com um vizinho em guerra, a campanha atingiu níveis de belicismo e de virulência sem precedentes..As eleições têm uma particularidade: graças a legislação aprovada recentemente, além da escolha dos deputados e dos senadores, os polacos vão também responde a quatro perguntas num referendo. "Apoia a venda de ativos do Estado a entidades estrangeiras, o que levaria à perda do controlo dos polacos sobre setores estratégicos da economia?"; "Apoia o aumento da idade da reforma, incluindo o restabelecimento do aumento da idade da reforma para 67 anos para homens e mulheres?"; "Apoia a remoção da vedação na fronteira entre a República da Polónia e a República da Bielorrússia?"; "Apoia a admissão de milhares de imigrantes ilegais do Médio Oriente e de África, de acordo com o mecanismo de transferência forçada imposto pela burocracia europeia?" são as questões do plebiscito..Como notam os críticos, são questões que visam reforçar a agenda do PiS e lançar medo, além de que a primeira e a última questão estão formuladas de forma condicionada. Tão ou mais importante, o plebiscito não tem limites de financiamento, pelo que permitiu gastar muito mais na campanha..Em 2019, os 43,6% de votos obtidos pelo Lei e Justiça traduziram-se em 235 deputados nos 460 do Sjem, a câmara baixa. A crer nas sondagens, o PiS voltará a ser o partido mais votado, mas perderá peso face às restantes forças: pegando não na mais recente (é de dia 8), mas naquela com a maior base de inquiridos, mais de dez mil, a sondagem da Ewybory prevê uma quebra de quase dez pontos percentuais em relação a 2019, ou seja, menos 60 assentos parlamentares. O único partido com que a formação de Kaczinsky poderá entender-se é a Confederação, de extrema-direita. Segundo a mesma sondagem, esta formação deverá lucrar com a queda do PiS e passar de 11 para 32 deputados. Ainda assim, a soma dos dois partidos, nesta como noutras sondagens, é insuficiente para chegar à maioria..Do outro lado, a Coligação Cívica (KO, que junta conservadores europeístas, liberais, verdes e outros movimentos de centro-esquerda) deverá chegar em segundo, com uma votação a rondar os 30%. A diferença, porém, é que a aliança liderada por Donald Tusk está predisposta para se juntar à aliança social-democrata Nowa Lewica (Nova Esquerda) e à Terceira Via, coligação de centro-direita e as sondagens apontam para essa solução - resta saber se os resultados nas urnas o confirmam e se tantos partidos da esquerda à direita se unem para reverter o caminho de uma "tirania da maioria (parlamentar)" que levou a cabo um "descarado golpe de Estado contra a ordem constitucional democrática liberal", como escreveu Piotr Buras, diretor do gabinete de Varsóvia do grupo de reflexão ECFR..Com um governo e um presidente em uníssono contra a imigração - Varsóvia juntou-se a Budapeste na oposição ao acordo sobre migração no último Conselho Europeu -, o país está a braços com um escândalo de corrupção ligado à venda de vistos em consulados em Ásia e África, em números que poderão chegar a 250 mil. O vice-ministro dos Negócios Estrangeiros demitiu-se e sete pessoas foram acusadas pela justiça..Um segundo caso deflagrou a cinco dias das eleições, quando o chefe do Estado Maior e o comandante das forças armadas se demitiram. As relações de ambos com o ministro da Defesa Mariusz Blaszczak deterioraram-se devido à forma como foi gerida o dossiê da queda de destroços de um míssil russo a 500 quilómetros da fronteira com a Bielorrússia. Para agravar a situação, os media polacos noticiaram que os dois generais demissionários recusaram envolver as forças armadas na campanha eleitoral..Valeu tudo, ou quase, do lado do PiS: baixou o preço dos combustíveis, aumentou pensões e subiu o valor do subsídio mensal por cada filho de 500 para 800 zlotys (de 110 para 176 euros)..Kaczynski voltou a introduzir na agenda a exigência de que a Alemanha pague 1,3 biliões de euros em reparações pela Segunda Guerra. Ao mesmo tempo, a comunicação social estatal e os media detidos pela petrolífera estatal Orlen matraquearam um excerto de um discurso de Tusk em alemão, no qual o antigo chefe do governo diz "pela Alemanha"..A desinformação foi de tal ordem que a especialista em media Karina Stasiuk-Krajewska, disse à AFP "não existirem factos ou dados nos vídeos da campanha eleitoral, apenas manipulação de emoções". Já a Coligação Cívica, que também dramatizou com a saída da Polónia da UE caso o PiS vença, orgulha-se de ter levado um milhão de pessoas a manifestar-se em Varsóvia, no início do mês..A sociedade polaca mobilizou-se como nenhuma outra para receber refugiados ucranianos (só nos primeiros três meses da invasão, 70% deu apoio material), enquanto o governo esteve na linha da frente da ajuda militar, de tanques a aviões. Mas com a aproximação da campanha eleitoral e uma queda de apoio aos ucranianos nas sondagens, Varsóvia endureceu o discurso devido aos cereais ucranianos, com os agricultores a queixarem-se da concorrência barata, e proibiu a sua entrada. Kiev apresentou uma queixa na Organização Mundial do Comércio e as relações azedaram..O presidente Andrzej Duda comparou a Ucrânia a um homem a afogar-se e a puxar os seus socorristas para a água, enquanto o primeiro-ministro Mateusz Morawiecki anunciou que a Polónia iria deixar de transferir armamento para Kiev. A medida não foi recebida em silêncio e Volodymyr Zelensky afirmou que alguns países fingiam ser solidários com Kiev..cesar.avo@dn.pt