Plano de ação anunciado em Lampedusa, mas solução está (também) na Tunísia 

Presidente da Comissão Europeia anunciou dez medidas para enfrentar fluxo irregular de pessoas, embora um só dos pontos - acordo com Tunes - possa estar na origem e no fim da crise.
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Ursula von der Leyen e Giorgia Meloni encontraram-se em Lampedusa, a ilha italiana mais próxima de África que tem estado a braços com um fluxo muito maior de migrantes nos últimos dias, para tentar dar resposta à "imigração ilegal", quando ambas são alvo de críticas à esquerda e à direita pela forma como têm gerido o tema. A presidente da Comissão Europeia anunciou um plano de ação de dez pontos, enquanto a primeira-ministra italiana, a falar em simultâneo para o público interno e europeu, lembrou que o desafio da imigração tem de ser resolvido a 27.

"Vim a Lampedusa para dizer que a imigração ilegal é um problema europeu e que requer uma resposta europeia", disse von der Leyen. A pequena ilha, que tem um centro de acolhimento de migrantes com capacidade para 400 pessoas, tinha na véspera quase 9 mil a acotovelar-se, resultado de um número anómalo de chegadas de embarcações nos últimos dias.

As autoridades locais declararam o estado de emergência e, por fim, a chefe do governo de coligação de direita e extrema-direita anunciou que iria tomar "medidas extraordinárias" para enfrentar a situação, e que poderia incluir uma missão naval para bloquear as partidas da Tunísia.

DestaquedestaqueA Itália chegaram durante este ano mais de 127 mil migrantes, quase o dobro (66 mil) das chegadas ocorridas no mesmo período no ano passado. À pequena ilha de Lampedusa, com 6 mil habitantes, aportaram em poucos dias 11 mil pessoas.

Depois de passearem por uma ilha com um número muito menor de migrantes, enviados entretanto para a Sicília e para o continente, as duas líderes prometeram ação.

A solução, segundo Bruxelas, passa por um plano de dez pontos que na prática recicla ou atualiza políticas em prática ou previstas, como o mecanismo de solidariedade para outros países europeus acolherem os migrantes chegados a Lampedusa, atualizar a legislação europeia contra o tráfico de pessoas e definir novos corredores humanitários legais e seguros, além de aumentar a vigilância aérea do Mediterrâneo através das agências europeias como a Frontex, e coordenar com os países de origem protocolos para repatriar em condições seguras os migrantes que não reúnam as condições de asilo europeias.

"Somos nós quem deve decidir quem entra na Europa e não os traficantes", afirmou von der Leyen.

O décimo ponto do plano de ação - executar o acordo de entendimento com a Tunísia - será o que tem maior relação com a presente crise migratória. Bruxelas assinou com Tunes, em julho, um pacto para evitar a migração irregular do Norte de África, a troco de milhões de euros. O acordo foi saudado por alguns políticos da UE, incluindo Meloni, no entanto, de então para cá nem tudo tem corrido pelo melhor.

Grupos de defesa dos direitos humanos questionaram se o acordo protegerá os migrantes, alvo de declarações controversas do presidente tunisino Kais Saied e alegadamente de maus-tratos das forças policiais. Na quinta-feira soube-se que uma delegação de cinco eurodeputados foi notificada de que estava impedida de viajar para a Tunísia.

O grupo político dos Socialistas & Democratas, onde se inclui o Partido Socialista, apelou para a "imediata suspensão" do acordo, mas a Comissão, ainda que expressando surpresa e pesar pela atitude de Tunes, disse que o pacto não estava em causa. Em março, o Parlamento Europeu condenou a "deriva autoritária" do país que viu irromper a Primavera Árabe.

Facto é que o regime tunisino ainda não recebeu um cêntimo: a Comissão disse na sexta-feira que o desembolso ainda era um "trabalho em curso". Sem o dinheiro prometido, as autoridades tunisinas terão fechado os olhos às saídas dos migrantes - é nisto que crê Roberto Forin, coordenador regional para a Europa do Centro Misto das Migrações, em declarações à Deutsche Welle. A isto junta-se a tensão com os eurodeputados, questões que o executivo europeu terá de resolver para solucionar ou minorar a crise migratória.

DestaquedestaqueNo mais recente balanço da OIM, de há um mês, pelo menos 2013 pessoas morreram este ano na travessia do Mediterrâneo. No ano passado foram 2406 e em 2021 registaram-se 3231 óbitos.

Também Meloni está pressionada para apresentar resultados, aos italianos que têm feito refeições para alimentar os migrantes aos parceiros de governo. Na sexta-feira chegou a pedir um bloqueio naval, mas o direito marítimo internacional não impede ninguém de navegar os 188 quilómetros entre Sfax e Lampedusa. Isto apesar de o vice-primeiro-ministro e líder da Liga, Matteo Salvini, tenha feito ameaças militaristas: "Não se exclui nenhuma intervenção, nem sequer o uso da Marinha. Há que ir mais além da via diplomática."

Do outro lado do Mediterrâneo, segundo a ONG FTDES, os tunisinos estão desde sábado a expulsar centenas de migrantes do porto de Sfax. De acordo com as autoridades, uns 200 subsarianos foram detidos quando se preparavam para embarcar.

cesar.avo@dn.pt

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