Pituffik. A base dos EUA na Gronelândia tem um radar que deteta mísseis balísticos mas também bowling e cinema
Situada acima do paralelo 76, na costa noroeste da Gronelândia, a base espacial de Pituffik é uma das mais remotas instalações militares do mundo. Distante 1500 km da capital gronelandesa, Nuuk, a localidade mais próxima, Qaanaaq, fica a mais de 100 km e os seus habitantes caçam focas, morsas e, por vezes, ursos polares para sobreviver. Por ali a temperatura pode baixar até as 30 graus negativos e no inverno passam-se meses sem que o sol apareça. A base americana recebe esta sexta-feira uma delegação de altos responsáveis americanos que inclui o vice-presidente JD Vance e a mulher, Usha. À sua espera terão cartazes com as palavras "bem-vindos ao topo do mundo" em vez dos protestos que, sem dúvida, os aguardariam em Nuuk, onde os residentes da ilha, um território semi-autónomo da Dinamarca, se têm manifestado contra as intenções do presidente Donald Trump de anexar a Gronelândia.
A base, que tem uma pista de bowling, um cinema e até um hotel, acolhe atualmente 150 soldados americanos - chegaram aos dez mil no auge da Guerra Fria - e é a última instalação militar americana na Gronelândia. Mas é o radar gigante de alerta precoce, capaz de detetar um ataque com mísseis balísticos, que torna Pituffik tão importante. No seu centro de controlo é gerida uma rede de satélites que também permitir monitorizar o espaço. O seu porto de águas profundas, o mais setentrional do mundo, só está acessível durante uns curtos meses no verão, quando o gelo derrete.
Os EUA têm presença militar na Gronelândia desde a II Guerra Mundial, quando a Dinamarca, ocupada pela Alemanha nazi em 1940, deixou a ilha, então sua colónia, sem proteção. As autoridades americanas, depois de um acordo rápido com o embaixador dinamarquês em Washington e ultrapassando o governo colaboracionista em Copenhaga, avançaram, estabelecendo ali campos de aviação, estações meteorológicas e defesas, permitindo-lhes vigiar os submarinos alemães no Atlântico Norte.
Em 1951, a Dinamarca e os EUA formalizaram o acordo, assinando um tratado de defesa que dava a Washington autorização para ter instalações militares na ilha. Nas décadas seguintes, com o desenrolar da Guerra Fria, a base de Pituffik, então chamada Thule, ganhou nova importância pela sua localização geográfica no Ártico.
"A base continua a ser emblemática da história infeliz e da animosidade que em torno da presença dinamarquesa e americana na Gronelândia", afirmou ao Le Monde Jon Rahbek-Clemmensen, diretor de investigação do Centro de Estudos de Segurança do Ártico, em Copenhaga. Em 2023, num esforço para apaziguar, a antiga base aérea de Thule passou a chamar-se Base Espacial de Pituffik - que significa "o local onde prendemos os cães" em gronelandês, num esforço para reconhecer a cultura local.
Mas o ressentimento entre a população local não desapareceu, com muitos a recordar como em 1953 os inuits que viviam perto de Thule foram expulsos das suas casas e realojados à força mais a norte, numa zona pouco adequada às técnicas de caça tradicionais. As indemnizações demoraram décadas a ser pagas, mas o episódio ainda marca a relação entre gronelandeses e americanos.
Hoje, num mundo cada vez mais competitivo e sabendo que se China ou Rússia dispararem mísseis balísticos em direção à América do Norte estes passariam quase inevitavelmente pelo Ártico, não espanta que Trump insista na importância da Gronelândia. Quanto a uma eventual anexação do território pelos EUA ainda esta semana o presidente americano reafirmou, num encontro com o secretário-geral da NATO, Mark Rutte, na Casa Branca, "acho que vai acontecer".