Pelosi e o imbróglio da visita (não confirmada) a Taiwan
A viagem ainda não tem data marcada e nem sequer foi confirmada, mas já está a levantar problemas entre os EUA e a China - e nos corredores de Washington. A líder da Câmara dos Representantes norte-americana, Nancy Pelosi, está a pensar incluir Taiwan num périplo pela Ásia, previsto para agosto. Uma ideia que não agrada a Pequim, que considera que a ilha é parte do seu território e ameaça com "medidas fortes e resolutas" - sem precisar quais. Mas também não agrada à Casa Branca, que apesar de ver a China como a principal ameaça, quer manter relações estáveis com o gigante asiático.
Pelosi, a segunda na linha de sucessão depois da vice-presidente Kamala Harris, cancelou a visita a Taiwan que tinha previsto realizar em abril depois de ter apanhado covid-19, planeando agora avançar com a viagem em agosto - que a levará também à Indonésia, Japão, Malásia e Singapura. A notícia foi inicialmente revelada pelo Financial Times. A confirmar-se, Pelosi será a primeira líder da Câmara a visitar a ilha de 24 milhões de habitantes em 25 anos - o republicano Newt Gringrich esteve lá em 1997.
Congressista há mais de três décadas (eleita por um distrito em São Francisco onde um terço da população é de origem ou ascendência asiática), Pelosi sempre foi uma voz crítica contra a China - numa visita à praça de Tiananmen, dois anos após o massacre de 1989, levou uma faixa de homenagem "aos que morreram pela democracia na China". Na semana passada, sem confirmar os planos de viagem, deixou claro que "é importante (...) mostrar apoio a Taiwan", reiterando que o Congresso não está a pressionar para a independência.
O governo de Taiwan, eleito democraticamente, não é oficialmente reconhecido pelos EUA ou pela maioria dos outros países, que mantêm relações oficiais com Pequim. Para a China, a ilha que se tornou no refúgio do presidente Chiang Kai-shek e restantes nacionalistas do Kuomintang derrotados pelos comunistas de Mao Tsé-tung, em 1949, faz parte do seu território. E está disposta a usar a força para conseguir a reunificação (tendo-se multiplicado os incidentes com incursões territoriais).
Washington fornece ajuda militar e armas a Taiwan, sendo este um dos principais focos de tensão no relacionamento com Pequim. O tema ultrapassa as barreiras partidárias nos EUA. Daí que muitos republicanos, que não escondem a sua antipatia para com Pelosi, não hesitem em incentivar a sua viagem. O ex-secretário de Estado do Donald Trump, Mike Pompeo, ofereceu-se até para a acompanhar (já esteve lá em março).
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Mas Biden, que aguarda a qualquer momento um contacto telefónico com o homólogo chinês, Xi Jinping, já disse que "os militares acham que não é uma boa ideia " essa viagem. A atual administração considera que a China é a principal ameaça e o maior desafio de segurança no século XXI, defendendo uma relação estável com o regime de Pequim para evitar o deteriorar da situação. A nível económico, e em plena crise com uma inflação galopante, está mesmo a estudar o aliviar de algumas sanções aprovadas pelo anterior governo.
Em relação a Taiwan, o próprio Biden não tem sido muito diplomático, já tendo dito em várias ocasiões que, em caso de um ataque chinês, os EUA responderiam "militarmente" no apoio à ilha. As declarações do presidente, que parecem indicar um desvio em relação à tradicional política de ambiguidade em relação a esta questão, desencadeiam normalmente uma explicação da Casa Branca a reiterar que nada mudou.
A viagem surge a poucos meses do Congresso do Partido Comunista Chinês, no qual Xi Jinping deverá procurar ser reeleito para um terceiro mandato de cinco anos - fomentando o seu legado, já que será o primeiro a consegui-lo. A visita de Pelosi pode ser eventualmente interpretada como um sinal de fraqueza para o presidente, mas uma cedência agora da líder da Câmara dos Representantes também poderá ser vista como uma vitória - que ela não quererá dar.
Pequim não poupou críticas à eventual viagem. Um porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês avisou que tal visita "teria um sério impacto na base política das relações entre a China e os EUA", já que "enviaria o sinal errado para as forças pró-independência na ilha". E indicou que "a China tomará medidas firmes e fortes para salvaguardar sua soberania nacional e integridade territorial". Segundo o Financial Times, nas comunicações com Washington não terá sido excluída a possibilidade de uma "resposta militar".
Em Taiwan, a presidente Tsai Ing-wen tem recebido vários dignitários internacionais (incluindo dos EUA), mas o governo disse que ainda não foram informados de planos da parte de Pelosi.
susana.f.salvador@dn.pt