O regime russo voltou à carga, através do porta-voz da presidência Dmitri Peskov, ao questionar a detenção em França do empresário Pavel Durov, um dia depois de Emmanuel Macron ter negado qualquer “ligação política” à investigação judicial. Moscovo não esconde a preocupação de que o serviço de mensagens, usado pelos seus militares e serviços de espionagem, fique comprometido. A justiça francesa investiga o homem nascido há 39 anos em Leninegrado (atual São Petersburgo) por não ter tomado medidas contra a utilização criminosa do Telegram, que criou com o irmão Nikolai em 2013, e do qual é o administrador executivo. Em particular, é suspeito de administrar uma plataforma online que permite transações ilícitas por grupo organizado, de recusar comunicar com as autoridades, de cumplicidade em delitos e crimes organizados na plataforma (tráfico de droga, pedofilia, fraude e branqueamento de capitais) e de oferecer serviços de encriptação sem a declaração adequada. “As acusações são, de facto, muito sérias e exigem provas não menos sérias. Caso contrário, isto seria uma tentativa direta de restringir a liberdade de comunicação e, posso mesmo dizer, intimidar diretamente o chefe de uma grande empresa”, comentou Dmitri Peskov. A Rússia, que não tem imprensa livre, sai agora em defesa de Pavel Durov, o mesmo que em 2014, pressionado pelo poder, abandonou o país e deixou a rede social por si fundada em 2006, a VKontakte, entretanto tomada pela Gazprom. Em 2018, um tribunal de Moscovo decidiu bloquear o Telegram, porque não cumpria a nova legislação sobre as comunicações ao não fornecer as chaves de encriptação das mensagens dos utilizadores aos serviços de informações, FSB. O braço-de-ferro terminou em 2020, após a agência de supervisão das comunicações ter informado que a plataforma acedeu em cooperar com investigações ao extremismo. Filho de uma jornalista e de um latinista autor de biografias de imperadores romanos, Pavel Durov e o irmão cedo se destacaram como prodígios na matemática. Ao regressarem à Rússia vindos de Itália, onde passaram parte da infância, ele e Nikolai levaram um computador IBM, tornando-se num dos poucos com possibilidades de desenvolver programação informática. De perfil discreto, segundo o cofundador do VKontakte, Ilya Perekopsky, o homem agora detido “sempre quis ser conhecido e manipular as mentes. Pelo menos, queria criar grandes coisas que fossem acolhidas por muitas pessoas”, disse à revista XXI, sublinhando a sua megalomania. Além de o Telegram ter 900 milhões de utilizadores, e de uma fortuna pessoal avaliada pela Bloomberg em 9 mil milhões de dólares , Durov surpreendeu ao anunciar em julho ter mais de cem filhos em resultado de doações de esperma. Em abril, numa rara entrevista concedida ao norte-americano Tucker Carlson, Durov definiu-se como um libertário e defensor da privacidade. “Prefiro ser livre do que receber ordens de quem quer que seja.” Durov vivia nos Emirados Árabes Unidos, onde o Telegram está também sedeado, país do qual tem nacionalidade, bem como de São Cristóvão e Neves e de França: em 2021 foi naturalizado francês, sob o nome Paul du Rove, num “procedimento excecional e político”, segundo conta o Le Monde. O mesmo país que agora, segundo os russos, o prendeu para obter as chaves do Telegram. cesar.avo@dn.pt