“Ela tinha um chamado desde o ventre, eu e a mãe dela recebemos uma profecia de que a iríamos receber e de que ela teria a vida dedicada a Deus, isso já ardia nos nossos corações”, conta Lucas Souza, pai da pregadora evangélica Ester, que acumula, com apenas oito anos de idade, milhões de visualizações no YouTube, TikTok e Instagram. Cada vez mais comuns no Brasil, os pastores infantis, como ela, geram deslumbramento e controvérsia em igual proporção. .O pai de Ester, que é pastor-presidente da Igreja Evangélica Avivamento Pleno, em Votuporanga, São Paulo, conta que a filha, nascida num ambiente de pregação, “já cantava pedaços de hinos com dois anos”. “Mas aos três anos, depois de uma infecção, perdeu os rins, esteve internada nas urgências 24 dias, 15 dos quais entubada, o médico disse que o quadro era quase irreversível…”. “Porém, houve muita ação de Deus, um milagre, e ela fez o transplante a 10 de março de 2021…”, continua Lucas. “Na hora das visitas, ela falava muito de ter tido experiências, primeiro pensávamos ser resultado da medicação forte, mas depois entendemos que era algo sobrenatural mesmo”. “Um dia”, prossegue o pastor em ligação telefónica com o DN ao lado de Ester, que acrescenta detalhes da própria vida, “ela explicou o Salmo 23 da Bíblia, ‘o Senhor é o meu pastor, nada me faltará’, de um jeito que eu nunca tinha pensado, então decidi gravar e... viralizou”. “Hoje prega no Tik Tok e canta louvores”, conclui.“É inegável que existem crianças prodígio, como Mozart”, admite Lidice Meyer, doutora em Antropologia e professora do curso de mestrado em Ciência das Religiões da Universidade Lusófona. “Mas também há casos em que uma criança é apenas um fantoche adestrado por adultos para desempenhar certos papéis, alguns pais podem eventualmente projetar nos filhos frustrações e desejos reprimidos e, inconscientemente ou não, satisfazerem-se expondo o talento de um filho, exagerando até numa habilidade especial que este porventura tenha”, diz ao DN.Habituado a reparos do género, o pastor presidente da Igreja Evangélica Avivamento Pleno e pai de Ester assegura que “a prioridade na vida dela é a escola”. “Além disso, ela faz natação, adora água, ginástica, brinca com os primos, com as amigas, tentamos que a pregação da palavra não interfira no desenvolvimento dela como criança”.Robson Ribeiro, produtor musical, funciona como uma espécie de tutor de Moisés Andrade, pastor evangélico de 13 anos de João Pessoa, na Paraíba, que já fez até uma pregação ao vivo ao lado de Ester. “Eu acompanho-o quase sempre ao lado da mãe ou ao lado de uma tia se a mãe não pode”, diz Robson, que gravou Deixa Ele Te Guiar com Moisés e vai lançar outra música do cantor e pastor pré-adolescente ainda em 2025.Num ponto, a história de vida de Moisés coincide - e muito - com a de Ester. “Ao nascer, ele passou 46 dias entubado nas emergências de um hospital porque tinha sérios problemas respiratórios e de crescimento, os médicos chegaram a pedir à família para se preparar para o pior mas após aqueles 46 dias, ele teve alta, foi um milagre, a família sempre teve muita fé…”..“Ele teve um chamado de Deus”, garante Robson ao DN. “Quando eu o conheci entendi logo que ele tinha uma aura, só de estarmos na presença dele já se nota algo de diferente, ele apaixona, quando você fala com ele é uma calmaria, quando chega ao púlpito transforma-se…”“Mas não gosta de ser chamado de profeta”, diz o produtor musical. “Ficou constrangido quando lhe perguntaram se ele era Jesus, disse que não, disse que quer ser chamado de ‘servo do Senhor’…” E se Ester se enamorou do Salmo 23, a passagem bíblica preferida de Moisés é Filipenses 4:13, “tudo posso naquele que me fortalece”. Nas redes sociais, além de pregações acaloradas e visualizadas por milhões, Moisés publicou a rotina diária - escola, almoço, deveres de casa, estudo bíblico, futebol com o irmão, jantar e dormir - para sublinhar que é, no fim das contas, uma criança comum.“Dependendo de como a criança desenvolve a atividade, esta pode ser ou não considerada exploratória”, alerta, entretanto, a professor Lidice Meyer. “É exploratória quando agride a criança, impedindo-a de vivenciar a sua infância e muitas vezes sobrecarregando-a com responsabilidades que não está apta para assumir”.“Uma exposição em exagero pode gerar conflitos futuros, principalmente em relação à autoestima, uma criança ou adolescente que cresce sendo o centro das atenções pode não vivenciar bem uma diminuição da atenção à medida em que envelhece, o resultado na maioria das vezes é depressão e distúrbios emocionais”, continua.“Como a fé cristã compreende que Deus pode manifestar a sua vontade de diversas maneiras, incluindo através de uma criança, um pregador infantil não traz descrédito, e sim maravilhamento, a criança ou adolescente cresce acreditando-se como tendo um valor diferenciado e sendo portadora de uma bênção especial de Deus”, diz Meyer. “Mas quando, porém, algo acontece na sua vida que não demonstra esta predileção divina, tanto a criança se pode desestabilizar, quanto a audiência pode começar a questionar-se sobre a fé depositada nela”.